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Fórum (das comunidades) de políticas públicas: espaço de controvérsias, negociação e estabelecimento de compromissos

ABORDAGENS SOBRE ANÁLISE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS PERSPECTIVA AMERICANA

1.3. A ANÁLISE COGNITIVA DAS POLÍTICAS PÚBLICAS E SUAS DIFERENTES ABORDAGENS

1.3.2 Fóruns e arenas: abordagem agonística das políticas públicas

1.3.2.4. Fórum (das comunidades) de políticas públicas: espaço de controvérsias, negociação e estabelecimento de compromissos

De acordo com formuladores do modelo fóruns e arenas/AAPP, é no fórum de políticas públicas que se institucionalizam as políticas públicas. Conforme já mencionado, é neste fórum que são confrontados os argumentos defendidos pelos atores (porta-vozes dos diferentes fóruns de produção de ideias, composto de forma heterogênea por políticos, intelectuais, profissionais, administradores públicos, cientistas etc.), com vistas à proposição de soluções para a ação pública. Nesse cenário, estes fóruns organizam e possibilitam a interação entre os mundos teoricamente separados da ciência e do poder, mas também se constituem enquanto lugares de trocas com os mundos profissionais ou da sociedade civil organizada. Os atores que nele interagem constroem ferramentas de avaliação de políticas, instrumentos para classificar as boas e as más práticas e produzem recomendações para os formuladores de políticas. A atuação dos atores nesses fóruns não se dá, todavia, de forma autônoma em relação às instituições de pertencimento. Ela é balizada pela definição das missões e do quadro no qual as instituições e/ou atores envolvidos podem atuar. Os fóruns de políticas públicas têm, então, um duplo papel de simulação (avaliando conflitos potenciais resultantes de um programa) e de socialização (espalhando o mesmo diagnóstico entre os parceiros da ação pública) na condução das políticas públicas (FOUILLEUX; JOBERT, 2017).

É, portanto, nesses espaços caracterizados por uma forte heterogeneidade que se instaura a negociação entre os atores protagonistas com vistas à construção de um compromisso em torno do qual se pode fazer emergir uma política pública, que uma vez instituída podem influir restringindo ou fazendo emergir ideias novas nas discussões e debates no seio dos fóruns de produção de ideias, uma espécie de efeitos de feedback institucional35 (FOUILLEUX, 2003, 2011).

De acordo com Fouilleux (2000, 2003), o fórum das políticas públicas é composto por duas categorias de atores, considerados mais endógenas, entre os quais se supõe haver uma certa divisão/compartilhamento de tarefas; e uma terceira oriunda dos fóruns de produção de ideias: i) os decisores públicos ou membros do governo, legitimados pelo sufrágio universal, passíveis de substituição a cada eleição, assumem o papel de responsáveis pelas decisões

35 As ideias, uma vez institucionalizadas e convertidas em instrumentos de políticas (normas, manuais,

regulamentos, regimentos, planos) passam a restringir fortemente a produção de ideias e a natureza dos debates, portanto influindo na emergência ou não de ideias novas nas discussões que se processam nos fóruns de produção de ideias.

referentes às ações públicas, assim como pela gestão das trocas políticas com o exterior, isto é, com os porta-vozes com assento neste fórum; ii) as elites administrativas (funcionários públicos, mas também funcionários de organismos internacionais). Julgados pela sua eficácia técnica, eles compõem a chamada burocracia estatal, responsável por assegurar a continuidade das ações públicas, por vezes assessorando os decisores. Em termos de produção das políticas públicas, a elite administrativa desempenha papel principal na formulação e adaptação dos compromissos concertado entre os atores; iii) os atores provenientes de outros fóruns, geralmente os porta-vozes dos fóruns de produção de ideias, formado por líderes profissionais e outros representantes da sociedade civil.

A dinâmica geral do fórum das políticas públicas é orientada para a busca do intercâmbio político e a obtenção/manutenção do compromisso. Essa dinâmica é diretamente condicionada pelas transações estabelecidas com os fóruns de produção de ideias, numa espécie de dependência recíproca, responsáveis pelos intercâmbios políticos e pela passagem de ideias entre eles. Assim, conforme se observará no modelo de ação pública proposto para a PTR rural brasileira, os intercâmbios políticos e as interações no seio de suas instâncias colegiadas são intensas, variadas e recíprocas.

Na busca de evidenciar como se processa a mudança da fase ‘fórum’, caracterizado por ser um espaço de debates, para a fase ‘arena’, espaço de negociação, Fouilleux (2003, p. 61- 62), apoiada em Jobert (1995), distingue tal mudança como do tipo espaço-temporal. Nesse sentido, ela faz uma primeira distinção dos diferentes espaços onde se produzem as reflexões em torno de uma política pública (fórum) e a tomada de decisão acerca da mesma (arena). Concernente à dimensão tempo, duas dinâmicas, manifestas de maneira alternada, caracterizam a existência de um fórum das comunidades de políticas públicas, a fase de estabilidade, denominada de fórum; e a fase marcada por conjunturas críticas, denominada arena. Nelas pode-se também observar três diferentes fases da controvérsia (antes, durante e depois da crise) todas elas pertencentes a um mesmo processo histórico de longo prazo. Na configuração fórum, período que vigora o compromisso entre os atores, a política pública segue seu curso ‘normal’, não sendo no seu todo alterado ou questionado. Corresponde a uma fase de suspensão da negociação, de maturação progressiva da controvérsia e a uma nova etapa de seleção das alternativas provenientes de diferentes fóruns de produção das ideias, gestada por interpretações concorrentes ao referencial hegemônico.

Quando tal compromisso é de forma direta e abertamente ameaçado, o fórum muda de configuração, passando a vigorar uma fase de instabilidade, o que demanda uma renegociação

do mesmo, instaurando-se assim a conformação da fase de conjuntura crítica ou arena. Nesse momento, ocorre a mudança de uma fase de latência da controvérsia à de crise propriamente, caracterizada pelo endurecimento das relações de forças, associada a uma situação de agitação e instabilidade institucional muito mais séria. Seria, então, este o momento mais provável de ser convertido em mudanças importantes da política (compromisso). É também nele que a controvérsia ganha visibilidade ao exterior do fórum, embora nem sempre de maneira inteligível ao grande público.

Portanto, uma configuração arena (conjuntura crítica do fórum) constitui-se enquanto estágio final da seleção de alternativas – em número reduzido – que termina com a renovação do compromisso pela via da negociação/deliberação, sendo ainda caracterizado por uma grande visibilidade dos debates. A conjuntura crítica é particularmente interessante porque esta fase pode ser fechada pela institucionalização de algumas ideias em debate (FOUILLEUX, 2000). Logo, a diferença entre fórum e arena está diretamente associada à estabilidade institucional do fórum das políticas públicas que leva à manutenção ou a renovação/criação de um novo compromisso.

Como se observa, a constrovérsia estará sempre no centro do debate das políticas públicas. E, uma vez surgida, ela pode dar origem a tentativas de neutralizá-las ou de canalizá- las. Esse processo, segundo Fouilleux e Jobert (2017), se dá a partir de três estratégias distintas. Uma primeira estratégia refere-se a selecionar os espaços onde os problemas serão debatidos, ou seja, uma mudança de cenário do debate. Em outras palavras, trata-se de sua canalização para fóruns ou arenas cujo acesso e regras são mais controlados pelos proponentes do referencial dominante. A mudança de cenário pode ser feita verticalmente, entre níveis de governança. Nesse caso, são os atores sociais com maior mobilidade, isto é, aqueles que têm acesso a vários níveis de poder que estarão aptos a participar. A mudança de cenário também pode assumir uma forma mais transversal, através do deslocamento dos fóruns de debate para outras arenas no mesmo nível de governança. A segunda modalidade de canalização da controvérsia é denominada pelos autores de tradução/reinterpretação, ou desminagem discursiva. Passar do reconhecimento de dissonâncias e discrepâncias para a proposição de orientações e receitas de políticas públicas implica um intenso trabalho de tradução de problemas nas linguagens e através das representações prevalecentes nos diversos fóruns e no espaço público. Esse trabalho atribui um papel crucial aos atores, garantindo trocas entre fóruns e entre fóruns e arenas. Em vez de levar a grandes inflexões da política, essa fase da tradução múltipla também pode ser a ocasião para uma reinterpretação das dissonâncias da política

pública em termos mais alinhados com o referencial dominante. Essa estratégia pode assumir várias formas concretas: o destaque de termos particulares, a divisão do debate em subtemas desconectados uns dos outros, ou ainda o foco em um tema específico para colocar os outros em segundo plano.

A terceira modalidade de estratégia, sempre segundo Fouilleux e Jobert (2017), é denominada de concertação excludente. Baseada no conceito de participação, refere-se à estruturação de cenas específicas pelos atores dominantes em que as regras do jogo são as da abertura e da inclusão, o que não impede uma seleção implícita dos interlocutores. Dessa maneira, os mecanismos de participação também podem ser formas particulares de controle das controvérsias, particularmente quando se trata de temas em que a aposição dos pontos de vista desemboca em impasses ou bloqueios incômodos para os atores dominantes. Eles então pretendem encontrar a base para um acordo que possa remover esses obstáculos, via uma participação voluntária, aberta e um objetivo de consenso. No entanto, este tipo de objetivo só pode ser alcançado promovendo-se uma seleção prévia dos atores chamados a participar do debate. Combinadas ou não, essas diferentes estratégias podem ajudar a canalizar a controvérsia, cooptando os protagonistas mais compatíveis com o referencial dominante e desarmando as mobilizações no espaço público.

Em relação ao processo traducional, Fouilleux (2003) não o reconhece como aplicável aos fóruns das políticas públicas, em virtude de sua dinâmica interna e de características diferenciadas do fórum de produção de ideias, traduzidas por uma forte heterogeneidade (natureza híbrida) dos atores que o compõem, do desafio a ele inerente da obtenção do compromisso, como também em função da dominação estrutural deste fórum por um ou grupo dos atores a quem cabe decidir, em última instância, sobre a natureza desse compromisso.

1.4. A RELEVÂNCIA DA IMPLEMENTAÇÃO NA ANÁLISE DAS POLÍTICAS