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A PTR aportou aos territórios potiguares, no seu processo de implementação, instrumentos – no sentido empregado por Lascousmes e Galès (2004) – que visavam a materialização e operacionalização desta ação pública. O caso mais inequívoco é o do Proinf, cuja finalidade era a de financiar projetos estratégicos para o desenvolvimento territorial definidos nos Planos Territoriais de Desenvolvimento Rural Sustentável (PTDRS) e priorizados pelos territórios. Muller e Surel (1998), citando Jones (1970), conceituaram uma ação pública também como uma categoria analítica, o que a torna produto tanto da ação dos atores políticos quanto do trabalho de construção do seu objeto pelo pesquisador.

Isto posto, decidimos definir nossos próprios contornos da PTR, o que implicou fazer a escolha de alguns instrumentos – até porque seria impraticável compreender todos num único trabalho acadêmico – dentre os vários que se conjugaram com forte dinamismo na sua fase de implementação/operacionalização nos territórios potiguares, principalmente se considerarmos que após o formato assumido pela PTR a partir de 2013, via parcerias com as universidades e institutos federais, uma das atividades atribuídas aos núcleos era o acompanhamento de vários instrumentos apoiados pelo MDA, a exemplo do Proinf, Pronaf, Ater, PAA e Pnae.

Dessa forma, os contornos que optamos por atribuir à PTR para fins de análise neste trabalho compreenderam, para além do Pronat e do PTC, os instrumentos Proinf, PAA e Pnae (reformulado), por considerarmos que estes emergiram numa nova fase de políticas públicas de desenvolvimento rural96, agora sob a perspectiva do desenvolvimento com abordagem

territorial. Como já enfatizamos na introdução desta pesquisa, apesar de conscientes de que tais instrumentos não surgiram originalmente imbricados à PTR, portanto não poderiam a rigor serem considerados como instrumentos inerentes a esta ação pública, conforme conceituação feita por Lascoumes e Galès (2004), decidimos por considerá-los como instrumentos incorporados à PTR, principalmente quando o acesso aos mesmos nos territórios passa a constar, a partir de 2012, nos critérios de priorização das propostas a serem apoiadas pelo

96 Embora Grisa e Schneider (2015) consideram o Pronat como integrante da segunda geração e o PAA e PNAE como pertencentes à terceira geração de políticas públicas para a agricultura familiar, consideramos que os programas de compras governamentais adotaram, na sua essência, um recorte intersetorial. Estes instrumentos exigiam para sua operacionalização uma articulação territorial e até multiterritorial (a Cecafes tem na execução do PAA uma de suas principais receitas com a comercialização de produtos de vários territórios), bem como multisetorial dada à sua vinculação com outro setores como a assistência social e a educação, proporcionada, por exemplo, por uma de suas modalidades, a compra direta com doação simultânea.

próprio Proinf. Ademais, foram tais programas que asseguraram forte dinamismo à ação dos atores territoriais e de suas organizações, sobretudo na fase Nedet da política, em torno dos quais se constituíram arranjos e formas de governanças institucionais que propiciaram ambientes institucionais mais vantajosos à inserção em mercados dos produtos da agricultura familiar. Tais constatações foram fortemente ressaltadas nas falas dos atores entrevistados, levando-nos a compor uma classe analítica denominada de inclusão produtiva, conforme evidenciado no capítulo 2.

Para compor o leque dos instrumentos da ação pública analisados nesse capítulo, acrescentamos aos já citados aqueles definidos nas arenas territoriais, fruto de compromissos estabelecidos pelos atores territoriais. Também aqui, tivemos que fazer escolhas quanto aos instrumentos a apresentar. Optamos por priorizar as cooperativas constituídas pelo agricultores familiares, cuja um dos papeis delas esperados no contexto territorial (embora essas cooperativas tenham gestão local, elas, geralmente, têm base territorial), como parte das respostas aos seus proprietários-usuários, é o de funcionarem como estruturas de mediação institucional na composição e condução de arranjos institucionais que visavam aumentar a participação dos agricultores familiares no PAA e do Pnae.

Outro compromisso pactuado pelos atores nos colegiados territoriais são os espaços de comercialização denominados de feiras agroecológicas, neles incluído a Central de Comercialização da Agricultura Familiar e Economia Solidária do Rio Grande do Norte (CECAFES), um mercado social em construção, considerado com uma das mais importantes decisões estratégicas deliberada pelos atores territoriais.

É sobre tais instrumentos da ação pública que versa este capítulo. Assim, ele tem início com uma apresentação dos principais instrumentos que julgamos terem sido estimulados pela PTR, os quais terão, os considerados por nós como os mais relevantes, suas operacionalizações detalhadas nos territórios potiguares. Esse detalhamento tem início com a abordagem do processo de constituição das cooperativas da agricultura familiar nos territórios potiguares e sobre o papel destas na dinâmica do desenvolvimento territorial, sem, todavia, deixar também de mencionar a relevante contribuição das associações no funcionamento dos arranjos que possibilitaram o acesso dos produtos da agricultura familiar aos mercados institucionais. Na sequência trataremos sobre as experiências concretas de inserção em mercados dos produtos da agricultura familiar por meios dos programas de compras governamentais (PAA e Pnae) e das iniciativas de construção de mercados, com destaque para a constituição da Cecafes e das feiras agroecológicas. Por fim, abordaremos o Proinf (potenciais e limitações) enquanto principal

instrumento financiador das ações territoriais e o seu papel na alavancagem das ações territoriais.

4.1 OS INSTRUMENTOS DA AÇÃO PÚBLICA ADOTADOS NO PROCESSO DE IMPLEMENTAÇÃO DA POLÍTICA NOS TERRITÓRIOS POTIGUARES

A conceituação e as diferentes tipologias referentes aos instrumentos da ação pública já foram apresentadas nos capítulos 1 e 2. Contudo, resgatamos de forma sucinta a tipologia proposta por Lascoumes e Galès (2007), que será adotada neste tópico. São eles: os instrumentos legislativos e reguladores, os econômicos e fiscais, com base em acordos e incentivos, com base em informação e comunicação e por padrões de boas práticas. Assim, procuramos identificar, detalhar e caracterizar os instrumentos da ação pública que julgamos terem sido adotados na operacionalização da PTR no Rio Grande do Norte, conforme se observa no Quadro 8.

Esses instrumentos concebidos nacionalmente foram interpretados, traduzidos e adequados pelos atores locais, resultando em outros instrumentos ou ações estratégicas por estes deliberadas nas arenas territoriais, dentre as quais destacamos a constituição de cooperativas agropecuárias e os espaços de comercialização de produtos da agricultura familiar (feiras, redes e central de comercialização), com destaque para a viabilização da Cecafes, definida como prioridade por todos os territórios potiguares.

Chamamos a atenção para o fato de que as ideais e os interesses dos atores que suscitaram tais estratégias podem ser entendidos pelo viés da busca de superação do desafio da inserção dos produtos da agricultura familiar nos mercados. Em outras palavras, os problemas enfrentados por este segmento não são restritos à produção (fragilidade de estrutura de produção, inconstância da Ater, dificuldade de acesso ao crédito, etc.), revelam-se também presentes na comercialização de seus produtos, evidenciados, conforme já relatado por Nunes et al. (2020) e Souza (2011), nas análises que desenvolveram sobre os Índices de Condições de Vida nos territórios Açu-Mossoró, Sertão do Apodi e Mato Grande. Essa problemática possibilita compreender as energias canalizadas pelos atores territoriais e suas organizações para acessarem em seus territórios parte das dotações orçamentárias destinadas pelo PAA e Pnae.