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ABORDAGENS SOBRE ANÁLISE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS PERSPECTIVA AMERICANA

2.1 O MODELO APLICADO À ANÁLISE DA PTR

2.1.3 Análise dos atores e suas interações: ideias, recursos e estratégias

Os colegiados territoriais funcionaram como espaços de reflexão e de tomada de decisão sobre a PTR. Nesses espaços, as ideias foram debatidas, negociadas e os compromissos estabelecidos e convertidos em estratégias de ação, com o propósito de aperfeiçoar as políticas públicas de desenvolvimento rural.

Como parte da análise, inicialmente, vamos explicar como se deu o processo de decisão que resultou na configuração (recorte físico-geográfico) dos territórios investigados, que atores dele participaram, convocados por quem e quais conflitos e divergências que dele emergiram. Interessa-nos sobremaneira, investigar o processo de constituição e de composição desses fóruns (colegiados) e de que forma eles influenciaram as políticas públicas de desenvolvimento rural.

Nossa pesquisa de campo foi guiada por questões cujas respostas se constituem, em última análise, a própria análise em si, sempre contrastando as realidades distintas dos territórios analisados. Inicialmente, a pesquisa lançou luz sobre as questões que buscam caracterizar os espaços de debates acerca da PTR, isto é, sobre a configuração fórum assumida pelos colegiados territoriais:

• Quais comunidades de atores estiveram presentes nas instâncias colegiadas? • Quais atores com atuação no meio rural delas não participaram? Por quê? • Quem decidiu quais atores seriam convidados ou não?

• Como se davam as dinâmicas de debates nesses espaços?

políticas de desenvolvimento rural. São eles: a) Fórum da Comunicação Política; b) Fórum da Agroecologia; c) Fórum da Agricultura Familiar; d) Fórum da Segurança Alimentar; e) Fórum Científico.

O propósito aqui é identificar a quem coube a decisão de definir e convocar (ou não) os atores, e ao fazer isso precisar as proposições - com base nas ideias e nos valores por estes defendidos – que alimentaram os debates nos colegiados territoriais, bem como as divergências que deles emergiram, e como estas evoluíram (se isso ocorreu) nessas instâncias para conflitos visíveis ao grande público.

De forma muito interligada, explicitaremos as negociações e o processo de construção dos compromissos que levaram às decisões em termos de políticas públicas tomadas nessas instâncias, quando configuradas enquanto arenas. Para tanto, lançaremos mão das seguintes questões:

• Como as decisões eram tomadas?

• Como a configuração particular desses espaços influenciaram as políticas públicas de desenvolvimento rural, nelas inclusa a PTR?

Pretendemos, nessa parte da análise, caracterizar os colegiados territoriais como locais em que os atores em interação tomaram decisões de políticas públicas que influenciaram de forma diferente a implementação da política nos territórios potiguares. Acreditamos que as diferentes conformações assumidas pelos territórios investigados são, em grande medida, resultados da capacidade dos atores locais de construírem concertações em torno de uma visão comum de desenvolvimento territorial.

Essa visão é calcada em valores, alimentados com base em uma interpretação social, resultou em instrumentos de ação pública conforme defendem Lascoumes e Galès (2004, 2007). Estimulados pelos instrumentos de ação pública aportados pela PTR, os colegiados territoriais tomam, portanto, uma série de decisões que se materializam em procedimentos, ações estratégicas (construção de unidades de beneficiamento/processamento da produção, criação de espaços de comercialização, constituição de cooperativas, etc.), que também assumem, todas ou grande parte delas, a conotação de instrumentos de ação pública.

Temos interesse em identificar na análise:

• Que tipos de instrumentos de ação pública foram adotados durante a implementação da PTR para o alcance de seus objetivos e como foram traduzidos pelos atores locais? • Quais outros instrumentos da ação pública foram definidos pelos colegiados territoriais

Essas perguntas serão respondidas tomando por base a tipologia proposta por Lascoumes e Galès (2007), apresentada neste estudo.

Avançando de forma mais profunda na análise, passaremos à identificação das ideias – nelas incorporadas os interesses – encarnadas e defendidas pelos atores nos colegiados territoriais. Ou seja, analisaremos os debates entre os atores nos colegiados territoriais, as questões que os suscitaram, sua dinâmica e como eles resultam em decisões.

É sempre oportuno lembrar que Fouilleux (2003) define uma política pública como um agregado de ideias institucionalizadas (os instrumentos de política pública). A análise de toda ação pública deve, portanto, apreender as dinâmicas das ideias em jogo, ou seja, os debates e controvérsias presentes. Essas dinâmicas se fazem presentes nas decisões (formulação), mas também no processo de implementação da Política. Nosso estudo concebe a implementação de forma similar a um processo de tradução/reinterpretação42 no qual os atores locais, através de uma operação cognitiva, se mobilizam, negociam e interagem para introduzir mudanças numa política pública proposta em nível nacional, no caso em tela a PTR. Tal modificação se assemelha a um jogo político cujo resultado é determinado pelos atores que dispõem de uma correlação de forças mais favorável. Isso posto, nosso modelo adiciona às questões já existentes as seguintes:

• Quais foram as ideias defendidas pelos diferentes atores presentes nos colegiados territoriais?

• Quais foram as relações de força estabelecidas entre eles?

A capacidade de ação dos atores nos fóruns e arenas de políticas públicas não está somente condicionada pela defesa de suas ideias e interesses. Para que de fato suas posições possam efetivamente influenciar os rumos das políticas públicas é preciso que elas disponham do mínimo de recursos, de preferência de natureza diversa, os quais serão decisivos para definir suas capacidades discursivas. Em sua análise sobre o papel da FAO nos debates internacionais concernentes às políticas agrícolas e alimentares, Fouilleux (2009) propõe um quadro de análise das capacidades discursivas dos atores/organizações baseado na distinção de diferentes tipos de recursos (institucionais, financeiros e humanos) que podem determinar, no caso em tela, a capacidade de uma organização internacional de influenciar sobre as receitas e os instrumentos

42 Além dos trabalhos de Fouilleux que abordam a sociologia da tradução, buscamos fundamentação para fazer tal assertiva em um dos trabalhos do próprio autor (Élément pour une sociologie de la traduction. La

domestication des coquilles Saint-Jacques et des marins-pêcheurs dans la baie de Saint-Brieuc, 1986), bem como nos trabalhos de Hassenteufell e Maillard (2013) e Hanssenteufel et al. (2017) nos quais abordam a noção de tradução no contexto da transnacionalização de políticas públicas.

de políticas públicas, nesse caso, agrícolas e alimentares. A capacidade discursiva de uma organização está, portanto, diretamente relacionada às capacidades analíticas e prospectivas em um dado campo de ação, como a autora analisa no caso da FAO. Estas são particularmente importantes porque podem ajudar a compensar os recursos institucionais deficientes, por exemplo.

De igual modo, ao estudar a emergência e a afirmação transnacional de instrumentos de mercados específicos (padrões voluntários de sustentabilidade), através de procedimentos participativos, Fouilleux (2013) desenvolveu novas categorias de recursos. Com o propósito de analisar a capacidade de influência de diferentes atores presentes nas decisões tomadas nas organizações de padronização estudadas (as mesas-redondas para a sustentabilidade), a autora ampliou os tipos de recursos disponíveis (financeiros, humanos, sociais, analíticos, linguísticos e culturais) podendo ser utilizados pelos atores, neste caso pequenas ONGs locais e organizações camponesas, para participarem dos debates e fazer valer suas posições.

No mesmo sentido, Hassenteufel (2011) defende que as estratégias adotadas pelos atores são também determinadas, para além dos sistemas de representações e dos interesses, pela variedade dos recursos sobre os quais eles podem se apoiar para agir. Para ele, é a natureza e a importância desses recursos que determinam a capacidade de intervenção dos atores nas políticas públicas. O autor apresenta, em termos gerais, seis categorias principais de recursos, que entendemos serem semelhantes e/ou complementares aos apresentados por Fouilleux. São eles: posicionais, materiais, sociais, políticos, temporais e de saber.

Os elementos acima apresentados nos possibilitaram afunilar nosso quadro analítico, inspirando-nos a levantar a seguinte questão complementar:

• Que tipos de recursos estiveram à disposição dos diferentes atores nos territórios possibilitando-lhes (ou não) influenciar o debate e as decisões nos colegiados territoriais?

Partimos da premissa – já explicitada nas perspectivas analíticas do presente estudo – que a PTR potencializou recursos já existentes e aportou outros aos territórios rurais, acessados de maneira distintas pelos atores, o que os coloca em patamares distintos em termos de correlação de forças no interior das instâncias colegiadas. Callon (1986), ao detalhar as quatro operações que compõem o processo de tradução, refere-se ao trabalho de convencimento a ser feito junto aos atores envolvidos para que entrem no jogo (que pode ser uma política pública), a partir de seus distintos interesses, o que pode resultar em alianças (ou dispositivos de

“interessamento”) baseadas em uma certa interpretação do que são e querem tais atores. Quando isso acontece, institui-se uma rede de atores, criando assim uma relação de força favorável num dado sistema de ação, que como já dissemos pode ser um programa, uma ação pública. Desse modo, a capacidade (ou a falta dela) de um ator/organização estabelecer alianças e de construir estratégias de legitimação também podem, a exemplo dos recursos, contribuir para explicar seus potenciais ou deficiências discursivas. Desse modo, a capacidade (ou a falta dela) de um ator/organização estabelecer alianças e de construir estratégias de legitimação pode igualmente, a exemplo dos recursos, contribuir para explicar seus potenciais ou deficiências discursivas (FOUILLEUX, 2009; LOCONTO; FOUILLEUX, 2014).

Portanto, é a condição/disposição dos atores em estabelecer alianças com vistas à construção de compromissos que resultem na produção de instrumentos de ação, apoiados em suas capacidades discursivas, que determina uma intervenção mais eficaz nos rumos de uma política pública, como também uma maior capacidade de traduzir tal intervenção em resultados concretos (perspectivas de desenvolvimento), que, em última instância, corresponderá aos resultados por ela produzidos, no caso em questão pela PTR. Desse modo, concluímos a moldura de nosso modelo com a seguinte questão:

• Quais foram as alianças adotadas pelos atores, visando aumentar sua capacidade de influência nos debates e nas decisões ocorridas nas instâncias colegiadas?

Acreditamos que as grandes questões que estruturam o nosso quadro analítico estão postas. É momento de buscar elucidá-las na pesquisa empírica de modo a conseguir explicar as razões que levaram a PTR rural a ter assumido diferentes conformações nos quatro territórios investigados. Na Figura 4, apresentamos o desenho esquemático do quadro analítico fóruns e arenas aplicado aos propósitos da análise proposta neste estudo.

Figura 4 -Quadro analítico fóruns e arenas aplicado à análise da PTR no RN

Fonte: elaborado pelo autor.