• Nenhum resultado encontrado

B. O critério da patrimonialidade na NLAV

4.1. Processo Equitativo à luz da CEDH

A Convenção Europeia dos Direitos do homem, no seu art.6.º estabelece o direito a um processo equitativo, complementada com os já referidos Protocolos Adicionais, nomeadamente o art.1.º, 2.º e 4.º do Protocolo Adicional nº.7200. Refira-se que o direito

198Ibidem, pág. 8.

199Acórdão de 9/10/2003, em que foi relator Pires Rosa, louvando o acórdão do STJ de 2000 quanto à não imputabilidade da culpa, escreveu “… não negue a ninguém a possibilidade de defesa dos seus direitos e interesses legítimos pelo recurso aos tribunais, mas que reconheça a cada um, no domínio dos direitos de que possa dispor, a possibilidade de recorrer a outras formas de obtenção de justiça, fora dos tribunais estaduais, mas não já de um princípio que supra a insuficiência de meios de quem- como as sociedades comerciais- sé existe, ontologicamente, enquanto puder assegurar os meios económicos necessários à sua própria existência”, em www.dgsi.pt .

200Nomeadamente, “il diritto dei cittadino stranieri di cui sai stata disposta léspulsione di far valer ele proprie ragioni e di farsi

95

a um processo equitativo não é um princípio exclusivo da CEDH, vem outrossim previsto em Declarações e Convenções de carácter universal e mesmo regional, quer anteriores quer posteriores à CEDH, referimo-nos a este respeito, em particular ao artigo VVIII da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem; no art.10.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem; no art.14.º do Pacto Internacional das Nações Unidas sobre direitos civis e políticos; no art.7.º da Carta Africana sobre Direitos do Homem; no art.19.º da Declaração dos Direitos e Liberdades Fundamentais adotada pelo Parlamento Europeu e no art.19.º da Declaração do Cairo sobre os direitos Humanos no Islão.

Disposições sobre o processo equitativo estão também presentes no art.21.º do Estatuto do Tribunal das Nações Unidas para crimes cometidos na Ex- Jugoslávia; no art.20.º do Estatuto do Tribunal das Nações Unidas para crimes cometidos no Ruanda e no art.55.º e 65.º a 67.º do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional.

A disposição a um processo equitativo, consagrada nos textos internacionais, geralmente elenca uma série de garantias diferentes que se identificam entre si, operando no curso de um processo ou quanto ao seu conteúdo e fim, com o objetivo de se obter uma decisão justa e equitativa e não arbitrária201.

Cumpre salientar que é no contexto especial da CEDH que se tem destacado o direito ao processo equitativo, previsto no já referido art.6.º.

No que diz respeito ao art.6.º da CEDH, para além do direito a um processo equitativo, a disposição consagra também o direito a um processo público, o direito a uma sentença pública, o direito a um processo razoavelmente célere, o direito a um tribunal independente, imparcial e estabelecido por lei. O direito à publicidade do processo e da decisão com o objetivo de tornar o processo controlável externamente; o direito a uma duração razoável do processo, com o objetivo de limitar a duração do processo ao extremamente necessário para a obtenção de decisão em tempo razoável evitando-se a prolação da situação de incerteza jurídica. O direito a um tribunal imparcial, independente e constituído por lei, neste sentido, o direito a que o destinatário possa influir para a boa decisão da causa de modo a obter uma decisão favorável, reconhecendo-se assim os direitos de defesa que lhe são inerentes.

giudicati o puniti per un reato per il quale si è già ottenuta un’assoluzione o una condanna com sentenza defitiviva”, FOCARELLI,

Carlo, in “Equo ...”pág. 3. 201Ibidem, pág. 6.

96

Quanto ao n.º2 do art.6.º, consagrando a presunção de inocência, evitando-se as consequências de uma decisão negativa, mesmo quando os factos em que se baseia a decisão ainda não terem sido comprovados e, em especial, quando o destinatário não teve a possibilidade de se defender ou quando não teve a possibilidade de influenciar o juízo de culpa.

Por fim, quanto ao n.º3 do art.6.º, prevê-se uma série de garantias processuais ou direitos de defesa, entendida em sentido amplo, e em particular, o direito à informação oportuna e de forma detalha quanto à natureza da acusação numa língua compreensível ao acusado. O direito a um tempo adequado e necessário à preparação da defesa; o direito de defesa através de assistência legal de sua própria escolha e, na ausência de meios para suportar os custos da justiça, o direito a ter assistência jurídica gratuita.

Mas uma simples leitura do art.6.º da CEDH não é suficiente para a respetiva interpretação, é assente que o direito a um processo equitativo é um direito que deve ser entendido em sentido amplo. Pela primeira vez, no caso Golder c. Reino Unido, em 21 de Fevereiro de 1975, o TEDH reconheceu, por unanimidade, o direito de acesso a um tribunal como inerência do art.6.º, n.º1, quer seja interpretado em conjunto ou separadamente com outros artigos da Convenção. Nesse sentido, o Tribunal de Estrasburgo tem feito uma interpretação extensiva do art.6.º, com o fundamento de que os direitos nela garantidos têm uma importância vital para o funcionamento da democracia, não havendo justificação para uma interpretação restritiva das garantias nele consagradas202.

Como nos diz ISABEL CELESTE FONSECA, este direito, que é designado pelos órgãos da Convenção como direito ao processo equitativo, tem um conteúdo verdadeiramente rico e elástico, tendo sido objeto de constante ampliação pelos órgãos da Convenção e ao procurarem esclarecer o seu núcleo específico têm vindo a anunciar as garantias processuais que nele estão incluídas, sendo que de decisão após decisão novas garantias são reveladas como co-inerentes ao direito ao processo equitativo.

A este propósito, há abundante jurisprudência dos órgãos da Convenção e mesmo do TEDH que, servindo-se da “técnica das noções autónomas” e da “teoria dos elementos necessariamente inerentes ao direito”, têm vindo a dissipar as incertezas que

202Nesse sentido, o acórdão Delcourt c. Belgica, de 17 de Janeiro de 1970;o acórdão Airey c. Irlanda, de 9 de Outubro de 1979 e mais recentemente o acórdão Niederböster c. Alemanha, de 27 de Fevereiro de 2003; em http://hudoc.echr.coe.int/ .

97

se foram colocando neste domínio, realizando uma interpretação mais reconstrutiva do que consensual203.

Na perspectiva de SUDRE, o “dinamismo interpretativo-construtivo das normas da Convenção”204

, que é realizado com alguma discricionariedade pelo TEDH, tem resultado no alargamento da aplicabilidade deste direito e na extensão do seu conteúdo. E assim, através de uma jurisprudência mais “reconstrutiva” que consensual205

, o tribunal tem esclarecido que este integra cada vez mais “outros novos direitos”, incluindo mais recentemente e no que no presente trabalho diz respeito, o direito de acesso à justiça na vertente do patrocínio judiciário, para além daquelas garantias processuais stricto sensu.

Por tudo o que supra se expôs se poderá afirmar que o art.6.º constitui uma “verdadeira trave mesta da Convenção”206

verificável, não só, mas também, pelo número crescente de vezes que é invocado e aplicado pelo TEDH.