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2. O acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva

3.5. O papel da União Europeia no Acesso ao Direito e à Justiça

Embora o acesso ao direito e à justiça não tenha sido até ao momento uma prioridade absoluta dentro do sector da justiça, tem-se registado um acréscimo de preocupações em relação ao tema, principalmente no que diz respeito, em primeiro lugar, a questões de morosidade e eficiência da justiça, e em segundo, no que toca a conflitos decorrentes da abertura de fronteiras, em especial, questões relacionadas com a família e menores e com os direitos dos consumidores.

As preocupações da União Europeia, na área da justiça, têm-se centrado quase exclusivamente no reforço da cooperação judiciária na área penal, em particular em matérias relacionadas com a criminalidade transfronteiriça, o tráfego de droga, as redes de imigração ilegal, o racismo e a xenofobia, o tráfico de seres humanos e a pornografia infantil.

79Isabel Celeste Fonseca, aponta como exemplo o processo Gouveia da Silva Torrado c. Portugal, 2003 e Paulino Tomás c. Portugal,

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Com o Tratado de Amesterdão, a Comissão Europeia começou a preparar intervenções igualmente no âmbito da justiça cível e comercial. As propostas legislativas incidiram essencialmente em assuntos de competência, reconhecimento e execução de decisões em matéria matrimonial e de regulação de poder paternal em relação a filhos comuns; citação e notificação dos atos judicias e extrajudicias em matéria civil e comercial.

O Conselho Europeu, em 16 de Outubro de 1999, definiu um scoreboard com objetivos claros a alcançar nos anos seguintes, uma das medidas preconizadas, foi no sentido da criação de um espaço de justiça europeu. Este espaço teria como principais objetivos o estabelecimento de um melhor acesso à justiça para os cidadãos da EU, a execução de um sistema de reconhecimento mútuo das decisões judicias e o avanço para uma maior convergência e cooperação em matéria de direito civil. No que toca ao apoio judiciário, os governos dos Estados-Membros chegaram ainda a acordo quanto à introdução de padrões mínimos para o apoio jurídico, por forma a que os arguidos tenham direito a um julgamento justo em toda a UE.

Relativamente à atuação da Comissão Europeia, designadamente, através do Comissário da Justiça e dos Assuntos Internos, em Junho de 2002, emitiu um Comunicado dando conta de Planos de Ação de Âmbito administrativo e judicial80 e da monitorização desencadeada pelos países em processo de negociação de acesso à Comunidade Europeia. As medidas de ação passam pela implementação de uma reforma estratégica do sistema judicial, a adoção de legislação básica, a introdução de medidas para garantir o adequado financiamento do sistema judicial, a simplificação dos procedimentos judicias, o desenvolvimento de serviços de mediação, e o reforço dos sistemas de apoio judicial através de campanhas públicas.

MANUEL CAVALEIRO BRANDÃO, em 2002, pronunciou-se no Boletim da Ordem dos Advogados sobre a assistência judiciária a nível europeu. O autor entende que a progressiva integração do espaço europeu conduz ao adensamento de relações pessoais, económicas, comerciais e empresariais e, consequentemente, ao disparo em flecha dos litígios jurídicos transfronteiriços, conflitos esses que não envolvem apenas empresas, mas também cidadãos. A pessoa individual ou coletiva, que se considere titular de direitos, na eventualidade de se envolver um litígio num Estado da EU distinto do sei, tem de vencer três fases de dificuldades: “no aconselhamento pré-contencioso

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(…), na assistência para a declaração de executoriedade da sentença estrangeira ou diretamente na execução da mesma”. Estas dificuldades serão agravadas se estiver em causa uma pessoa com dificuldades económicas, necessitando de recorrer a um sistema público de assistência judiciária. Neste sentido, com a publicação do Livro Verde sobre assistência judiciária em matéria civil em 2000, e a adoção de uma proposta de Diretiva em 2002, com o fim de estabelecer um sistema europeu de assistência judiciária gratuita nos processos cíveis transfronteiriços refletem a atenção que a Comissão Europeia dispensa a este problema.

Com esta proposta, a Comissão pretendeu garantir que ao demandante do outro Estado-Membro seja garantido o mesmo tratamento que à parte do foro, assegurando que as dificuldades inerentes ao conflito transfronteiriço não se traduzam num obstáculo à concessão de assistência judiciária.

De acordo com o Livro Verde da Comissão Europeia sobre assistência judiciária civil81, elaborado sob a égide dos Tratados de Maastricht e Amesterdão, o apoio judiciário pode assumir um dos seguintes sentidos: prestação de conselhos jurídicos gratuitos ou a baixo custo, ou representação em tribunal por um advogado; isenção parcial ou total de outras despesas; ajuda financeira direta para compensar qualquer despesa relacionada com o litígio.

Quanto à consagração desses mecanismos em cada Estado-Membro, é notável que tais mecanismos divergem de Estado para Estado, de facto, o Livro Verde sobre a assistência judiciária em matéria civil refere que há diferenças fundamentais na filosofia, organização e gestão dos sistemas de assistência judiciária nos Estados- Membro. As razões por detrás de tal divergência são principalmente políticas e financeiras.

Em 2002, constata-se, por parte da União Europeia uma maior preocupação e interesse pelos ADR, em parte porque foi tomada consciência da renovação registada na prática pelos ADR, a favor dos cidadãos, cujo acesso à justiça sai melhorado. Assim, na mesma linha de raciocínio, a Comissão Europeia publica o Livro Verde sobre os modos alternativos de resolução de litígios em matéria civil e comercial82 em Abril de 2002. Uma das razões do desenvolvimento dos ADR, prende-se pelo facto de estes darem uma resposta às dificuldades de acesso à justiça com as quais se confrontam vários países, nomeadamente, o aumento do volume de litígios, a morosidade processual e o aumento

81 Em: http://ec.europa.eu/green-papers/index_pt.htm . 82Ibidem.

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dos custos processuais. Também o aumento da complexidade e tecnicidade dos instrumentos legislativos contribuem para a referida dificuldade, a dificuldade no acesso à justiça, direito fundamental consagrado na CEDH, no art.6.º, n.º3.

Ora, o fenómeno dos ADR insere-se num contexto de políticas sobre o melhoramento do acesso à justiça, desempenhando, de facto, um papel complementar em relação aos procedimentos jurisdicionais, na medida em que os métodos aplicados nos ADR são muitas vezes mais adaptados à natureza dos litígios.

De acordo com ao fim do Livro Verde sobre ADR em matéria civil e comercial, alguns Estados-Membros concedem o benefício da assistência judiciária para cobrir os custos associados a tais meios de resolução de conflitos, bem como os custos de representação jurídica.

4.Balanço

Neste ponto de trabalho, consideramos pertinente fazer um ponto de ordem, sem nos alongar demasiadamente no primeiro Capítulo, sob pena de não alcançar outras metas que pretendemos densificar para o intuito final.

O art.20º da CRP, consagrando o direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, é uma norma-princípio estruturante do Estado de Direito democrático e de uma Comunidade de Estados (União Europeia) informada pelo respeito dos direitos do homem, das liberdades fundamentais e do Estado de direito (TUE, art.6.º). Tratando-se de um corolário lógico do monopólio tendencial da solução dos conflitos por órgãos do Estado ou dotados de legitimidade pública.

No entanto, apesar de se estar perante uma garantia de natureza universal e geral, o direito de acesso aos tribunais não exclui, por exemplo, o estabelecimento de prazos de caducidades, nem a obrigatoriedade de meios preventivos de resolução extrajudicial, como por exemplo, a conciliação ou mediação ou o recurso administrativo (não jurisdicional).

Por outro lado, o direito de acesso ao direito não é apenas instrumento da defesa dos direitos, é também integrante do princípio da igualdade, art.13.º da CRP e do próprio princípio democrático.

O n.º4 da CRP dá acolhimento ao direito à decisão da causa em prazo razoável e ao direito ao processo equitativo, ora o processo, para ser equitativo, deve, desde logo compreender vários direitos. Positivado na Constituição portuguesa, deverá ser

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entendido num sentido amplo, não só como um processo justo na sua conformação legislativa, mas também como um processo materialmente informado pelos princípios materiais da justiça nos vários momentos processuais.

A densificação do princípio do processo equitativo pressupõe a análise dos textos fundamentais de carácter internacional, desempenhando um importante relevo a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, em torno do art.6.º e o papel da União Europeia na efetivação do acesso à justiça nos conflitos transfronteiriços.

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CAPÍTULO II A Arbitragem

1.Intróito

Tecidas algumas considerações sobre o direito fundamental de Acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, não ignorando a influência dos textos fundamentais internacionais, nomeadamente, ao nível do direito comunitário e europeu e densificado o regime legislativo do Acesso ao Direito em Portugal. Consideramos ser agora oportuno introduzir as problemáticas relacionadas com a Arbitragem, interligando-a com a primeira premissa deste trabalho.

Relembrando a questão por nós colocada, “A (in)existência de Apoio Judiciário na Arbitragem Administrativa: O Direito de Acesso à Tutela Jurisdicional Efetiva?”, é incontornável nesta sede a explicitação e densificação de conceitos, como a Arbitragem Administrativa e a respetiva relação com a jurisdição nacional, com o intuito de responder à questão: em que medida a dignidade do instituto da Arbitragem exigirá que se lhe estenda a Lei do Apoio Judiciário?

Com a densificação do primeiro Capítulo e com a afirmação de que o acesso à justiça e aos tribunais, sendo uma imposição do Estado de Direito, deverá ser entendido numa máxima e efetiva proteção, e neste sentido, falando-se no princípio da tutela jurisdicional efetiva, o direito à justiça e aos tribunais nunca poderá ser denegado por insuficiência de meia económicos. Neste Capítulo, como que alcançando mais um degrau, colocamos a questão de saber até que ponto o carácter da máxima proteção do direito de acesso à justiça e aos tribunais abarca a Arbitragem.

2.A Arbitragem em geral