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Conforme descrito na introdução a história esteve durante os estágios iniciais do desen- volvimento teórico da área, profundamente relacionados a como os arquivistas percebiam e compreendiam os documentos de arquivo.

A historia foi, então, enquanto disciplina, o fundamento para o desenvolvimento e apa- recimento das coleções arquivísticas, nos moldes contemporâneos, a medida em que, os arquivos, dentre outras fontes documentais serviam como base para a construção da histo- riografia moderna.

«Com a Revolução Francesa, os arquivos sofreram o efeito modelador de viragem estru- tural ocorrida no processo histórico, com particular destaque para as implicações político- ideológicas, institucionais e jurídico-administrativas» (Ribeiro, 2011, p.60).

Os catálogos iniciais e o próprio desenvolvimento de parâmetros organizacionais, desen- volvidos ao logo no século XIX existiram baseado em uma relação estreita entre os arqui- vos e a história.

A circular de 1841 do ministério do interior francês, a publicação em 1898 do manual de Muller, Feith e Furin, o Manual de Eugênio Casanova e de Hillary Jenkinson, em 1922, pos- suem em seu núcleo técnico relações com o positivismo histórico e o método de Leopold von Ranke e a relação subserviente entre os arquivos e a história.

Com grandes diferenças na abordagem do tema, no caso de Jenkison, sua abordagem é mais pragmática, no sentido em que buscava extrair dos documentos seu «assunto» baseado em um visão geralista e unilateral da proveniência.

Do outro lado, no manual de Muller, Feith e Fruin os autores trabalham de maneira mais proeminente a orientação histórica e contextual dos documentos, calcados no positivo his- tórico.

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Quando estamos discutindo estas relações entre a história e arquivística, nos referimos as relações dialógicas existentes entre ambas as áreas, não sua relação em sentido estrito do historiador enquanto arquivista ou do historiador enquanto usuário de arquivo, mas a história como campo norteador da atividade técnica do arquivista.

Assim, os arquivos e sua técnica foram durante os estágios iniciais da disciplina vincula- dos a história, a diplomática, a paleografia e todo um conjunto de «disciplinas auxiliares da história» que foram responsáveis por marcos para a organização dos arquivos na Europa.

A partir da década de 1950-1960 com os trabalhos desenvolvidos nos arquivos nacionais americanos apoiados nos preceitos estabelecidos por Schellenberg, W. Kaye Lamb dentre outros, e nas décadas de 1970-1980 as políticas e métodos desenvolvidos por alguns auto- res da tradição Australiana, irão sistematicamente refutar e desvincular a arquivística da história, aproximando-a da administração e gestão, das áreas relacionadas as tecnologias computacionais, com os cartões perfurados e fitas magnéticas e mais tarde aos documen- tos digitais, iniciando o percurso irreversível da produção de documentos em meios além do papel.

Na medida em que, a avaliação torna-se um função fundamental nos arquivos de ges- tão e uma possibilidade viável nos arquivos permanentes. A função da avaliação será um ponto fundamental para a reorganização das relações entre a história e a arquivística.

Assim, podemos destacar, como enumera Herredia (1995), que existiu até a década de 1980 dois momentos bem marcados do desenvolvimento prático e metodológico da área, um relacionado com a história e outro com a administração.

Esta mudança verifica-se em uma série de países, como por exemplo, o Canadá, a partir de 1972, irá surgir na comunidade arquivística uma preocupação com a formação e inde- pendência da profissão levando a separação da Canadian Historical Association(CHA) e a criação da Association of Canadian Archivis (ACA).

Nesmith1(2013) descreve que a criação da ACA promoveu em algumas situações discus- sões acaloradas sobre o que define ser um arquivista no Canadá e o que ele precisa saber para ser o arquivista que ele deveria ser, e se o arquivista era/é agora um profissional real- mente distinto – não um dissidente da profissão de historiador e mais importante, o que fazia dele distinto?

Eastwood(1985) estabelece dois motivos centrais para a dissociação da associação de historiadores em sua análise crítica do papel da associação 10 anos depois de sua fundação, a primeira delas era dar mais visibilidade para os arquivos na vida cultural canadense, a área, teria em primeira instância uma voz que representaria a perspectiva arquivística em grupo mais amplo de organizações e pessoas. «Os arquivos teriam seu lugar ao sol» (Eas- twood, 1985-1986, p.187, tradução nossa). Em segundo lugar os membros da associação que- riam criar a base para uma profissão e iniciar um debate mais efetivo no que se relacionava a formação de arquivistas no país.

É perceptível nos relatórios da seção de arquivos nos eventos da CHA durante (1970-1972) o inicio do debate e o embate pela manutenção ou separação da CHA alguns arquivistas em um primeiro momento defendiam a separação buscando uma aproximação com os

records managers, outros defendiam a manutenção da ligação com os historiadores a

medida em que eles passavam por situações analíticas semelhantes no período e a CHA dava um suporte financeiro e logístico a seção, diferente da Society of American Archivist, que na época passava por dificuldades financeiras.

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Arquivística, História e Ciência da Informação: diálogos e duelos tema 1

Porém, era inevitável a medida em que a área passava por mudanças na esfera prática e o aumento expressivo da quantidade de arquivistas, iria existir a necessidade de ampliação e de institucionalização movimento associativo dando maior apoio as instituições arquivís- ticas e aos arquivistas, o ponto final para a separação, como é destacado por Eastwood (1985-1986), é a necessidade cada vez maior de discussão da formação e do estabeleci- mento de cursos mais regulares a respeito da teoria arquivística.

Assim, podemos utilizar o exemplo canadense como um parâmetro ao que irá acontecer na Arquivística a partir da década de 1970, a medida em que a profissão cresce e especia- liza-se e se estabelece de maneira mais autônoma e inicia, no caso canadense, seu percurso universitário, existe um repúdio e o inicio de uma necessidade de superação pela arquivís- tica do seu status de «auxiliar» da história.

É claro que se comparado ao caminho dos arquivos e da Arquivística na Europa, difere-se a medida em que, seu crescimento é gradual durante o século XIX, porém, inclusive no caso europeu a partir da década de 1970 existe um distanciamento «aparente» das relações com a história.

Os estudos voltados para o rearranjo do método diplomático, iniciados na Itália, por Paola Carucci em il documento contemporaneo: Diplomatica e criteri di edizione e didifun- didos por Luciana Duranti em diplomatica: usos nuevos para una antigua ciencia na Amé- rica do Norte, ainda que não dito explicitamente, são um esforço de resignificação das rela- ções tradicionais da história com a arquivística, usando preceitos, clássicos para o trata- mento dos documentos eletrônicos.

É possível dizer que, as relações entre a arquivística e a história, irão apesar da «indepen- dência» profissional e do aumento exponencial do ensino universitário, a história irá per- manecer enquanto uma relação que fortemente marca a prática e o seu desenvolvimento teórico.

De tal modo, que os importantes desenvolvimentos durante a década de 1980, a irão levar a área a buscar renovações paradigmáticas no tratamento dos documentos e a uma reconfiguração desta relação. Como é o caso de Hugh Taylor no Canadá, seus artigos leva- rão ao desenvolvimento da macro appraisal e a arquivística pós-moderna ou funcional.

Neste sentido, o conhecimento histórico e inter-relação entre arquivística e história são irrefutáveis, porém, o que nos ensina a arquivística funcional é que é necessária uma inver- são desta relação.

Se apresentando como uma perspectiva inovadora a Arquivística funcional, irá apoiar-se no estudo contextual, na «redescoberta» do princípio da proveniência e no conhecimento histórico como chave para o tratamento, avaliação e acesso aos documentos tradicionais e eletrônicos.

Nesmith (2004, p.4) destaca que «[...] o arquivista pode relacionar-se de maneira mais profunda como a informação e interesses históricos, para desenvolverem de maneira mais completa seu trabalho arquivistico e seu desafio como uma profissão distinta»

Assim, o autor conjuntamente com Taylor (1987-1998), destaca que a informação contex- tual é fundamental, não só para o tratamento dos documentos em papel, mas também os documentos produzidos em meio eletrônico.

A proveniência apresentada por Cook (1997), Nesmith (1982, 2004) e Taylor (1987) apre- senta um novo momento para a arquivística, podendo levar para uma visão mais ampla do processo de criação dos documentos, a uma avaliação mais criteriosa e ao um processo des- critivo melhor definido.

Essa «nova» proveniência está relacionada ao conhecimento histórico e contextual dos documentos e compreendia, não mais da forma estática apresentada ao longo dos primei- 172

ros manuais da área ou aos autores que como Luciana Duranti (1996) e Antônia Herre- dia(1995) e Martín-Pozuelo (1996), ela está relacionada ao contexto de produção, portanto, a conjuntura histórico-ideológico e administrativa que produziu o documento.

Os acervos arquivistico não são neutros e passivos, mas são passíveis de resignificações, reinterpretações, deslocamentos e cabe o arquivista – munido da informação contextual moldar o que poderá ser lembrado, neste sentido, o arquivista deixa de ser um espectador do processo de construção histórica, mas torna-se um dos atores, a medida em que, ele organiza, descreve e avalia os documentos que permaneceram.

Assim a arquivística funcional, irá segundo Cook (2001a, p. 07, tradução e comentário nossa) estabelecer-se baseada no seguinte preceito:

O pós-modernismo desconfia e se rebela contra o moderno. As noções de ver- dade universal ou conhecimento objetivo baseados em princípios do raciona- lismo científico do Iluminismo ou emprego do método científico ou crítica textual clássica são dispensados como quimeras.[ Referindo-se ao pós- modernismo enquanto movimento, baseando-se em Derrida.] Usando aná- lise lógica sem remorsos, os pós-modernistas revelam o ilógico de textos ale- gadamente racionais. O contexto por trás do texto, as relações de poder que moldam a herança documental, e de fato, a estrutura do documento, sistema residente de informação e convenções narrativas são mais importantes do que o objeto e seu conteúdo. Nada é neutro. Nada é imparcial. Nada é obje- tivo.Tudo é moldado, apresentado, representado, reapresentado, simbolizado, significado, assinado, construído.

O pós-modernismo caracteriza-se como um movimento cultural e filosófico, não se esta- belecendo como uma corrente teórica ou uma escola de pensamento, suas pretensões eram a desconstrução e desumanização das artes plásticas, da literatura, da «teoria», etc.

Por exemplo, em relação as artes plásticas, Butler (2003, p.2 ) «a instituição da galeria[de arte] , ao invés de outras coisas, que faz de fato, um ´trabalho de arte´». Quando Cook e Nes- mith tomam a jornada pós-modernista como base para a compreensão da arquivística estão dizendo que a definição do que é ou não lembrado, avaliado e acessado no que diz respeito aos documentos jurídico-administrativos é instituição arquivo que irá defini-la. Moldando, representado, simbolizando a relação entre estes documentos e a sociedade. Seu objetivo final é a desconstrução, dos preceitos e sentidos clássicos presentes na teoria arquivística, buscando a uma ampliação das responsabilidades dos arquivistas.

Cook buscou transferir o «modelo» filosófico de Derrida, de crítica a linguística e ao modelo cartesiano de pensamento para a teoria arquivística, revelando as relações para além do contexto unilateral da proveniência e da perspectiva simplista da avaliação docu- mental de Schellenberg baseada na dicotomia valor administrativo/ valor histórico.

É possível também encontrar ao longo de sua bibliografia ainda que como um pano de fundo, a história social e o e análise arqueológica foucaultiana.

Foucault demonstra que as «verdades» constituídas por meio do conhecimento cientí- fico, dependem de noções, suposições ou conjunto de princípios, baseados na época em que fora criados, ou seja, sob sua perspectiva pode-se chegar a um entendimento renovado de um determinado princípio ou conceito contextualizado sob sua própria construção histó- rica e suas relações disciplinares e sociais.

Fundamentalmente, seu trabalho irá fixar-se em como um conceito ou prática irá modi- ficar-se, no decorrer do tempo e o que pode-se compreender do que ocorre hoje baseado no

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que aconteceu ontem, existindo assim uma relação arqueológica. Assim, a busca dos auto- res desta perspectiva é a de superação dos moldes clássicos da disciplina e do modelo posi- tivo de história.

Butler (2002) irá em uma nutshell define o pós-modernismo como uma desconfiança às metanarrativas, estas metanarrativas tradicionalmente servem para dar autoridade e legi- timar as práticas culturais.

Neste sentido, é fácil aceitar os preceitos enunciados por Cook, Fredriksson (2004, p.178, tradução nossa) expõe de maneira clara: «Os arquivos são produzidos em uma sociedade. As atividades arquivísticas são executadas em uma sociedade».

Os arquivos constroem metanarrativas, ou seja, a estrutura institucional, a legitimação da prática arquivística enquanto uma profissão, o desenvolvimento de uma teoria são fruto de uma relação entre a sociedade e seus documentos. O arquivista, na abordagem pós- moderna deve olhar estudar esta relação com desconfiança e perceber a multiplicidade de contextos que estão relacionados as produções documentais.

a partir do foco no contexto por trás do conteúdo; nas relações de poder que moldam a herança documental; na estrutura do documento, seus sistemas de informação residentes e subsequentes, e convenções narrativas e de pro- cesso como sendo mais importante do que seu conteúdo informacional (Cook, 2001b, p. 25, tradução nossa).

Existe portanto, uma mudança no ponto referencial fundamental do trabalho arquivis- tico, atividade não parte mais dos documentos para as funções, mas das funções para os documentos, o contexto e a estrutura das relações sociais são mais importantes e mais fun- damentais ao trabalho arquivistico, do que o conteúdo dos documentos em si.

O reflexo mais claro das teorias desenvolvidas no âmbito pós-moderno, ocorre na avalia- ção, o método que ficou conhecido como macro appraisal e na decomposição das relações documentais em funções ainda que, essa metodologia esteja passando por revisões na

Library and Archives Canada permanece hoje, com uma política de avaliação e de análise

documental fundamental e pioneira no que se refere a relacionar o conhecimento histórico, proveniência e a abordagem pós moderna.

Baseando-se nos preceitos da macro appraisal desenvolvidos por Cook (1991, 1992, 2002, 2005) e Brown( 1991a, 1991b, 1995), sua aplicação atingiu vários países como por exemplo, o Reino Unido, Austrália e Países Baixos.

É possível elucidar seus objetivos fundamentando-se na política de avaliação da Library

and Archives Canada (2001) que enuncia:

O objetivo da macro appraisal é selecionar documentos significantes e sufi- cientes dos departamentos de interesse primordial. As provas deve ser sucin- tas e refletir, da melhor forma possível, o impacto de uma função ou pro- grama nos canadenses e a relação do público com esta função ou programa.

O objetivo final da macro appraisial é obter no menor conjunto de documentos possível as informações mais representativas de uma determina atividade pública ou de interesse público. O método inicia-se a partir do momento em que o arquivista busca reconstituir o contexto destes documentos e as informações relevantes a repeito da situação da criação deste documentos.

A análise funcional irá levar a um esquema primordial de classificação de uma determi- nada função, facilitando o desenvolvimento dos relatórios de avaliação e da busca e con- 174

densação destas informações representativas levará ao desenvolvimento de descrições mais precisas dos acervos considerados importantes para a identidade.

Podemos estabelecer uma relação, interessante no percurso descrito aqui da relação entre os arquivos e a história.

O positivismo histórico leva ao desenvolvimento de princípios e métodos calcados na análise de assunto e no desenvolvimento de organizações passivas e o arquivista é visto como um «guardião dos documentos», os documentos são vistos como neutros e naturais, os princípios de proveniência e ordem original são vistos como unilaterais e compreendidos em sentido estrito.

Essa visão, ainda que no passado da disciplina proporcionou balizas e fundamentos para o desenvolvimento da prática arquivística, encontra-se distantes das demandas e narrati- vas necessárias ao mundo contemporâneo.

Assim, a perspectiva pós-moderna calcada em uma visão menos reducionista do papel e da importância do arquivo enquanto instituição e dos arquivistas enquanto profissionais, dá uma nova configuração ao panorama teórico e prático da disciplina.

O pós-modernismo de Cook, a chamada para novos parâmetros de Taylor e o conheci- mento histórico aplicado a análise funcional de Nesmith, configuram como um aporte fundamental para a atualidade da área, em quais quer que seja a realidade arquivística e documental.

A arquivística e a história, foram durante todo o período do desenvolvimento teórico- prático da área fundamentais e baseado no arcabouço conceitual apresentado pela arqui- vística no Canadá, é necessário dizer que esta relação permanece, provavelmente, mais pro- fícua do que nunca.

ARQUIVOLOGIA E CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO: A NEODOCUMENTAÇÃO COMO