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Entendemos que a descrição é um dos processos utilizados para representar o conheci- mento dos arquivos, inferimos que tais arquivos, para ser representados da melhor maneira e proporcionar o controle e acesso às informações neles contido, devem estar baseados no princípio da proveniência.

O princípio da proveniência é considerado o principio básico da arquivologia, norteador das atividades desenvolvidas no arquivo como bem afirma Rousseau e Couture (1998, p. 79) «[...] todas as intervenções do arquivista devem ocorrer sob o signo do princípio da prove-

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A descrição arquivística como representação do conhecimento: desafios e perspectivas tema 1

1Arranjo é o processo de agrupamento dos documentos singulares em unidades significativas e o agrupamento em relação

niência e, à partida, do reconhecimento do fundo de arquivo como unidade central das ope- rações arquivísticas.»

O respect des fonds (princípio da proveniência), elaborado pelo francês Natalis de Wailly, foi emitido numa circular no dia 24 de abril de 1841, quarenta e dois anos após o término da Revolução Francesa, propondo uma nova forma de organização aos documentos reunidos no primeiro arquivo nacional criado no mundo pelo decreto de 12 de setembro de 1790, os

Archives Nationales de Paris, contribuindo para a diminuição da perda de documentos, oca-

sionada pela ordenação temática que era dada. Segundo Duchein (1983, p. 64) O princípio de respeito aos fundos significa agrupar, sem misturar a outros, os arquivos (documentos de qualquer tipo) criados por ou advindos de uma administração, estabelecimento, pessoa ou instituição. Esse agrupamento é chamado de fundo de arquivo daquela administração, estabelecimento ou pessoa.

Duchein (1983), explica que o respeito aos fundos consiste primeiramente em manter agrupada a documentação produzida e/ou acumulada por um órgão, e ao fazê-lo é estabe- lecido o fundo de arquivo daquele órgão, ou seja, para que o fundo exista, o princípio da proveniência deve ser aplicado.

Assim, todas as atividades realizadas pelos arquivistas estão centralizadas no fundo, e uma dessas atividades nucleares realizadas é a descrição arquivística, pois com a mesma pode-se representar e consequentemente dar acesso às informações contidas no fundo documental.

Os arquivistas holandeses publicaram o manual Handlciding vocr het ordenen en

beschreijven van Archieven, escrito por S. Muller, J. A. Feith e R. Fruin, em 1898, onde encon-

tramos o começo da elaboração de arranjo e descrição dos documentos que para a arqui- vística são processos nucleares, com o objetivo de classificar, ordenar, descrever e fornecer acesso aos documentos contidos no fundo. Os três holandeses não só compreendiam a importância do princípio de respect des fonds, bem como lhe deram justificativa teórica, no qual recebeu uma sanção oficial em 18972.

Assim, uma vez mais ratificamos a necessidade das atividades arquivísticas estarem vol- tadas e pautadas no princípio da proveniência. No caso em questão, a descrição, pois a mesma é:

[...] a análise realizada pelo arquivista sobre os fundos e os documentos de arquivo agrupados natural ou artificialmente, com o objetivo de sintetizar e condensar a informação neles contida para oferecê-la aos interessados [...] ela é a ponte que comunica o documento com os usuários. Na cabeceira da ponte está o arquivista que realiza uma tarefa de análise que supõe identi- ficação, leitura, resumo e indicação que transmite ao usuário para que este inicie a recuperação em sentido inverso a partir os índices (Herredia Herrera, 1991, p. 300).

Dentre a tarefa de análise, bem como as demais etapas do processo descritivo, aborda- mos a reconstrução do contexto arquivístico (Oliveira, 2012), para uma vez mais demonstrar 134

vi encontro ibérico edicic 2013: globalização, ciência, informação atas

a atuação do princípio da proveniência, não só para definir ou determinar o fundo a ser des- crito, mas também agregar informações que possam compor a descrição, pois segundo Theo Thomassem (2006, p. 10, grifo nosso)

[...] o contexto arquivístico são todos os fatores ambientais que determinam como documentos são gerados, estruturados, administrados e interpretados. Os fatores ambientais que determinam diretamente os conteúdos, formas e estrutura dos registros podem ser diferenciados em contexto de proveniên- cia, contexto administrativo e contexto de uso.

O contexto de proveniência é entendido por Thomassem (2006), como o contexto de produção dos documentos, trazendo informações sobre como esses documentos são orga- nizados, a estrutura interna do produtor e suas relações externas, e suas funções, informa- ções tais como: objetivos do órgão produtor do documento, quais foram às atividades que executaram para realizar determinadas tarefas. Assim, para realizar ou elaborar a descrição de um fundo é necessário dar atenção também ao contexto arquivístico, por ele teremos mais informações sobre o fundo, e poderemos oferecer ao usuário não só uma representa- ção do documento, mas da totalidade do fundo documentação.

Há, portanto, a necessidade de ligar o documento a todos os seus contextos, focando em todas as relações que foram estabelecidas entre ele e os órgãos que o utilizaram, para que sua natureza multifacetada possa ser inteiramente representada.

Logo, o estudo da proveniência como um pressuposto para a representação arquivística encontra fulcro não apenas na compreensão do conteúdo imediato do documento, mas também em sua relação com os criadores, as funções e os sistemas de gerenciamento e manutenção. Mais uma vez, todos os contextos devem ser representados no momento da classificação/arranjo e descrição do conhecimento arquivístico.

No entanto, há de se ter em mente que tanto o princípio da proveniência, quanto o con- ceito de fundo devem ser analisados enquanto algo conceitual e dinâmico, e não enquanto uma entidade física. Ou seja, o estabelecimento de um fundo documental deve fornecer parâmetros para uma representação adequada em um nível intelectual.

Durante as últimas décadas a aplicação do conceito de fundo de arquivo na descrição arquivística tem enfrentado um problema prático que advém, segundo Cook (1993, p. 24) de enxergá-lo exclusivamente enquanto uma entidade física ao invés de um princípio concei- tual. Essa visão reflete, de acordo com Bearman (1999), uma tradição de catalogação descri- tiva guiada pelo documento, em oposição a uma abordagem de gerenciamento de dados guiada pelo contexto do ciclo documental, entendendo o princípio da proveniência enquanto virtual e dinâmico que rege as atividades práticas e o estabelecimento de séries físicas.

Na visão de ambos os autores é fundamental que a descrição arquivística tenha seu foco na conjunção do contexto da atividade e do sistema de informação na organização e criação de documentos.

A conexão entre o documento e seu contexto é um processo intelectual que é materiali- zado por meio dos instrumentos de pesquisa resultados dos processos de representação do conhecimento arquivístico e entendidos como uma ponte entre o usuário e o documento. Para Cook (2001), o processo de descrição deve refletir a história do documento que está em constante mudança, uma vez que quando um usuário acessa o documento novas represen- tações são criadas a partir dos novos usos e interpretações.

Tais instrumentos como a ISAD (G) – General International Standard Archival Description – a ISAAR (CPF) – International Standard Archival Authority Record for Corporate Bodies – a

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EAD – Encoded Archival Description –, a RAD – Canadian Rules for Archival Description, entre outros apresentados anteriormente, apresentam um desafio ao profissional da informação em um contexto onde a desconstrução de rotinas padronizadas se faz necessária na medida em que os processos de produção, organização e representação dos documentos adquirem um status dinâmico na disciplina, indo contra a posição estática e neutra obser- vada até agora.

Outro problema apresentado pelas normas é o fato de elas não abrangerem as novas discussões sobre classificação e descrição por séries e itens documentais – embora a RAD apresente algo, ainda que superficialmente, sobre o assunto. Isso demonstra, ainda, um dis- tanciamento da teoria e da prática que parece longe de terminar, uma vez que tais instru- mentos não parecem estar comprometidos com a verdadeira realidade dos órgãos produ- tores e acumuladores dos documentos, criando instrumentos estáticos e padronizados para realidades completamente dinâmicas e diferentes.

Além dos problemas com os padrões internacionais para a descrição dos documentos de arquivo, a Arquivística enfrenta uma mudança conceitual, uma vez que seus princípios e definições nem sempre encontram um consenso entre os autores da área. O princípio da proveniência e o conceito de fundo são apenas alguns exemplos dentre os muitos concei- tos e termos que são interpretados de maneiras diferentes. Este problema conceitual tem um maior reflexo nos processos de organização e representação uma vez que um conceito ou princípio mal interpretado pode levar o profissional da informação a cometer erros irre- paráveis. É por essa razão que é tão importante e urgente discutir essas questões, uma vez que leva a disciplina a uma solidificação em um momento de mudanças e rupturas para- digmáticas diante das novas formas de criação e gerenciamento de documentos.

No entanto, o maior desafio enfrentado hoje pela Arquivística no que tange à represen- tação do conhecimento é fazer o arquivista compreender o sistema complexo de relações entre o documento e seu contexto (ou seja, todas as intenções existentes por trás da cria- ção do documento e da informação que ele leva) para que ele possa mover-se «de um legado monolítico da teoria arquivística passada, da abordagem antiga de uma-coisa-uma- entrada» (Cook, 2001, p. 32).

CONCLUSÃO

Podemos concluir que o objetivo da representação arquivística, mais precisamente da descrição, mudou ao longo dos anos. Hoje não basta apenas descrevermos os documentos, mas também evidenciar o contexto. Esse sim deve ser o foco do arquivista. Não podemos, ainda, nos ater somente às normas de descrição, aplicando-as como metodologias, mas entendendo-as de maneira que elas possam nos oferecer os elementos necessários para a compreensão e representação do contexto, tão importante no estudo dos arquivos.

A compreensão da representação do contexto, enquanto algo maior que o próprio docu- mento, é fruto de uma abordagem menos positivista e fechada, que aceita o diálogo com outras disciplinas – como a Ciência da Informação – possibilitando uma redescoberta dos princípios básicos assim como uma reinterpretação deles em um contexto contemporâneo de produção documental.

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Sobre a natureza