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A atividade intelectual no contexto da formação humana e a mistificação pedagógica

CAPÍTULO I QUESTÕES DO APRENDER: CADA LUGAR NA SUA COISA

1.1 RELAÇÕES COM O APRENDER: OS PRIMEIROS PASSOS

1.1.3 A atividade intelectual no contexto da formação humana e a mistificação pedagógica

É preciso defender a construção do conhecimento a partir da relação que as pessoas cultivam com o saber e, dessa forma, conceber uma perspectiva de processo de ensino-aprendizagem. Esse coletivo compartilha uma prática artística que considera o conhecimento precedente dos alunos e os mais diversos dados teóricos principalmente sobre as teorias da reprodução, surgidas desde a década de 1980. Porém, tudo isso sinaliza para a singularidade e a pedagogia do sujeito, especialmente porque essas teorias não dão conta de situações específicas, como é o caso da origem do fracasso escolar, fundamentada numa determinada visão sociocultural. Mas, também não

esclarecem os episódios marginais em que, apesar dos ambientes socioculturais sem privilégios, ainda assim conseguem sucesso escolar.

Creio que também seja interessante não esquecer alguns casos de alunos que, oriundos de famílias economicamente bem favorecidas, não conseguem sucesso escolar. Porque garantir que a origem social seja o motivo do fracasso escolar é empreender duas falhas.

Por um lado, significa passar de variáveis construídas pelo pesquisador (as posições) para realidades empíricas (designadas como origem ou fracasso escolar). Por outro lado, é interpretar um vínculo, também construído (a correlação) em termos de causa efetiva, de ação empírica. É verdade que o fracasso escolar “tem alguma coisa a ver” com a origem social (caso contrário, não haveria nenhuma correlação entre as duas variáveis), mas a origem social não produz o fracasso escolar. Uma das funções da pesquisa é precisamente transformar esse “alguma coisa a ver” em enunciados claros e rigorosos (CHARLOT, 2000, p. 25)

Dessa maneira, compreender que os alunos em condição de fracasso não são deficientes socioculturais nos remete a refletir que o fracasso escolar não deve nos aprisionar a uma visão do que está ausente ou em falta no aluno, observando-o na perspectiva de uma visão elitista e marcadamente valorativa. Ao contrário, devemos observar o que o aluno traz em sua trajetória e ação, como singularidade e sentido e, portanto, como ele se apresenta ao mundo. É preciso considerar, sobremaneira, a sua subjetividade, sua memória e sua atividade intelectual.

Ademais, é importante advertir que não há formação sem atividade intelectual. No entanto, o aluno que nunca se interessa pela atividade intelectual na escola é o mesmo que nunca se interessou efetivamente pelas lógicas simbólicas da escola, erroneamente qualificado como um sujeito carente e que, por essa condição, se evade da escola. A evasão escolar se torna pejorativamente atrelada à condição socioeconômica, como se apenas os carentes economicamente fossem vítimas dessa referida evasão. Todavia, sabemos que na maioria dos casos, não são os alunos que se evadem ou desistem da escola: eles jamais fizeram a suas entradas nesse contexto educacional. Normalmente, os olhares sinalizam para a explicação do porquê de eles abandonarem a escola, quando deveriam preocupar-se em descobrir por que alguns alunos não se interessam pelas lógicas simbólicas da escola.

Torna-se um desafio descobrir o que se tem de fazer para se aprender alguma coisa, principalmente para entender a existência de crianças que não conseguem aprender os conteúdos formais da educação. Charlot (2013) mostrou que alunos dos meios populares, e até mesmo entre os alunos de classe média, quando inseridos em meios populares, quer seja na França quer seja no Brasil podem ser considerados “fracassados” e vistos como alunos carentes, sob o referencial simbólico do aluno bem- sucedido. Para ele, essa dissonância quanto à questão da carência e do fracasso sobre algum saber não deve ser destacada, em especial porque isso se refere a um fenômeno derivado: trata-se de um desdobramento e não um elemento que origina as características de uma pessoa.

O que individualiza a pessoa é o modo com que ela se relaciona com o mundo, com os outros, consigo mesmo e, seguramente, com o saber e, consequentemente, com a atividade de aprender coisas. Interessante é observar que em seus devidos espaços socioeconômicos esses alunos ditos “carentes”, na relação com a visibilidade do êxito escolar, alertam sobremaneira para a importância de se aprender a vida na própria trajetória da vida. E apontam para a questão da pedagogia dos sujeitos, das histórias individuais e da especificidade das práticas pedagógicas e das práticas docentes. Assim sendo, por acreditar que a educação seja uma ação política, ela

Revoluciona o pensamento pedagógico ao pontificar que havia mistificações no discurso pedagógico e que a escola nova não necessariamente produzia uma melhor condição de ensino às crianças nem democratizava as relações sociais. Aliás, como afirma, a escola continua funcionando de forma socialmente injusta e inadequada. Aos que nada possuem, ela pouco oferece, além de produzir sentimentos de desvalia e comiseração, aos que são bem-dotados culturalmente ou socialmente, ela reforça as convicções de um saber elitista (FRANCO, 2013, p. 23-24).

Seguramente, a educação é vista como uma condição política, no sentido de comunicar modelos sociais, normas e valores, além de difundir ideias políticas, dentre outras mediações escolares. Porém, é importante observar o poder mistificador do discurso pedagógico sobre a realidade social e os processos ideológicos da teoria da educação, principalmente porque ao abordar a temática da educação, a sua preleção não

expõe o mundo social, o mundo do trabalho, a divisão social do trabalho e a exploração capitalista.

A mistificação pedagógica lança mão de discursos filosóficos para esconder realidades sociais, sobretudo as desigualdades sociais e, dessa maneira, legitima uma invisibilidade a respeito da relação que deveria se estabelecer entre a condição humana e a condição social dos sujeitos. Essa conformidade mistificadora nega ao discurso pedagógico a existência de uma transação social entre o trabalho e a pedagogia e se harmoniza com um jeito impositivo de instituir o trabalho escolar. Ao contrário, ele deveria defender uma prática pedagógica mobilizadora que se apropriasse dialeticamente tanto das pedagogias tradicionais quanto das pedagogias ditas inovadoras e pudesse propor a mediação de uma pedagogia social que considerasse, sobretudo, o mundo real da criança e o mundo social.