• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO I QUESTÕES DO APRENDER: CADA LUGAR NA SUA COISA

CAPÍTULO 3 A CENA TEATRAL SERGIPANA (COM ZOOM SOBRE ARACAJU): FORMAÇÃO E PRÁTICA ARTÍSTICA

3.1.12 Secretária Municipal de Cultura de Aracaju

Entre os anos de 1986 e 1989, a Secretaria Municipal de Cultura, atual FUNCAJU, era presidida pela atriz e artista plástica Lânia Duarte. O organograma da secretaria mostra que havia três departamentos e, de acordo com Tadeu Machado, o Departamento de Administração era conduzido por Hamilton Andrade; o Departamento

de Patrimônio Artístico e Cultural, tinha a coordenação de Valfran de Brito e o Departamento de Difusão e Intercâmbio Cultural estava sob a sua responsabilidade e agregava uma Divisão de Artes Visuais, com ênfase em fotografia, galeria para exposição e artesanato e outro setor, das Artes Cênicas, assim organizados.

No Setor Circo, com Alex Najar e The Leão; Setor Dança, com Cleanis Santos; Setor Folclore, com Mestre Euclides e todas as manifestações do Guerreiro, samba de coco e reisado; o Setor de Teatro, com a presença de Bosco Scaffs e um trabalho de voz desenvolvido por Carlos Plesh (FARIAS, 2013).

No ano de 1987 foi criado o Grupo de Teatro Popular de Aracaju/TPA, uma ação artística vinculada ao Setor de Teatro, sob a direção artística do ator e diretor teatral Bosco Scaffs, quando se deu a sua volta ao estado de Sergipe, depois de uma temporada na Bahia e no Rio de Janeiro. O projeto apresentava uma preocupação pedagógica, no sentido de que se propunha a encenar espetáculos teatrais que apresentassem temas articulados com as questões e interesses do cotidiano sergipano. Scaffs, além de diretor, era autor dos textos encenados pelo grupo, nascido, sobretudo, com o compromisso de agregar os artistas que trabalhavam na própria secretaria e que, por conta da jornada de trabalho, se distanciavam do universo teatral.

Izete Souza Oliveira destaca que, naquela ocasião

O principal objetivo era o teatro de rua, com o objetivo de levar um espetáculo não só para distração, mas de conscientização, abordando temas atuais e de interesse geral. O grupo contava com a participação de 19 integrantes, a maioria funcionários da secretaria. O TPA não foi criado para competir com outros grupos, e sim para dar oportunidade aos artistas que trabalhavam no órgão e que, normalmente, (na maioria das vezes), deixavam a vida artística de lado por falta de tempo. O TPA foi uma alternativa para os artistas que trabalhavam na secretaria não perderem seu vínculo com a arte (OLIVEIRA apud SANTOS, 2010, p. 17).

Na história do teatro sergipano, o ator e encenador Bosco Scafs, que também foi professor de Teatro do Colégio Estadual Atheneu Sergipense e líder do Grupo Teatral Chekup, é uma referência teatral de grande relevância, tanto para a história do teatro,

bem como para a formação de outros artistas do teatro, entre eles Cícero Alberto, Valdelice de Matos Santos, a Tetê Nahas e Izete Souza Oliveira, atriz que protagonizou o primeiro nu frontal em cena, em encenação dirigida por Scaffs e, ainda, Fernando Petrônio e Antônio Vieira.

Seus espetáculos eram provocativos e agregavam simbologias no espaço cênico e traziam um conteúdo inovador, ousado, de vanguarda. Scaffs viveu vigorosamente o teatro sergipano nas décadas de 1970, 1980 e início dos anos de 1990, quando veio a falecer. Nahas explica que o teatro de Sergipe nos anos 1970 seguia uma tendência teatral clássica, com cenários grandiosos e textos de autores consagrados, como por exemplo, Jean Francesco Guarnieri e Maria Clara Machado. Por sua vez, Bosco Scaffs revolucionou o teatro sergipano

Ao discutir os problemas sociais, sem seguir as regras daquele momento. Ele criava as próprias regras. Apesar de chocar, ele não tinha essa intenção. Na verdade, Bosco Sacfs queria chamar a atenção. Ele gostava de discutir novas formas de pensar os temas e os assuntos. Tanto o Imbuaça quanto Bosco Sacfs estiveram à frente do seu tempo e mudaram as tendências pré-estabelecidas de vanguarda em Sergipe (SANTOS, 2010, p. 19).

Sobre Scafs, o iluminador teatral Denys Leão acredita que a sua postura na cena teatral sergipana se dava para

Negar o estabelecido e fazer diferente. A gente pode até criar um discurso para tentar explicar a importância dele, mas eu acho que ele fazia para mostrar e ser diferente. Se todos estão fazendo assim, eu vou fazer assado. Por isto que ele ficou famoso. Mas não me consta, na época, de pessoas que tenham dado tanta informação teatral a ele para ele ser diferente. Ele pode até ter ido estudar lá fora, não sei. Se estudou, não sei. Mas ele foi muito bom, Bosco foi muito importante para o teatro sergipano (LEÃO, 2012).

O músico sergipano Tonho Baixinhoconheceu Scafs bem antes dele se tornar a

referência teatral que veio a se tornar, um importante nome na história do Teatro Sergipano.

Ele ainda era um guri e vivia na cidade querendo fazer teatro. Era o tempo das bandas Top Kets, Os Nômades e The Tops, onde eu fui

vocalista, naqueles anos de 1970. A gente fazia aquele som bem pop e fomos referência na cidade, pelo trabalho social que desenvolvíamos, influenciando gerações nos figurinos que criávamos, e todos imitavam e nas músicas que apresentávamos. Bosco vestia aquelas roupas exóticas, da estética hippie e ficava dançando a noite toda, em nossos shows e era muito legal como ele se jogava, porque ele era bem solto. Depois que ele foi para o Rio de Janeiro. (PEREIRA, 2013).

Ainda criança, a atriz Tetê Nahas foi levada ao teatro, pelas mãos do ator João Batista de Souza, o Douglas, para trabalhar com o Grupo Teatral CRIFACACA, sob a coordenação do ator Severo D’Acelino, que depois a apresentou a Bosco Scafs. Mas a sua experiência humana e artística mais marcante, conforme ela destaca, foi ter convivido com três artistas da maior importância para o teatro sergipano. O próprio Douglas, “um tipo meio indiano, meio caboclão, alto, magro e uma pessoa agregadora, que trazia e afirmava a influência da cultura afro-brasileira” (SANTOS, 2013). Mariano Antonio “aquela coisa negra, esculpida, talhada na beleza cênica e muito inteligente (SANTOS, 2013) e Bosco Scafs, “macrobiótico, alto, branco, cabelos encaracolados, bonito, provocativo, do tipo ‘menino do rio’, como se chamava naqueles anos de 1980 (SANTOS, 2013)

Ela recorda que os três eram amigos e conversavam muito entre si, mas, não era uma discussão teórica. As discussões coletivas, nas entrelinhas, eram sobre o trabalho que ia ser “regido”, sempre com a presença da dança. Sob a inspiração desse aprender a fazer teatro, observando os três mestres, ela cresceu em sua formação cultural, sobretudo teatral. Todavia, apesar de constatar a importância de Douglas e Mariano Antonio, foi, definitivamente, Bosco Scafs a sua maior referência de formação e prática artística, que ela utiliza em seus trabalhos como atriz, diretora, coreógrafa e professora de teatro.

Os Anos de 1990 assistiram a um expressivo interesse e procura pelo ofício teatral e esta demanda foi responsável ou talvez tenha sido a força motriz de um projeto encampado pelo Secretário de Educação e Cultura, Luiz Antonio Barreto, que viabilizou diversos cursos de teatro, em Aracaju, com profissionais oriundos de muitas localidades

brasileiras. Entre eles, a cidade recebeu o ator e diretor teatral Lindemberg Monteiro 33,

33 SILVA, Lindemberg Monteiro da. Diretor de teatro, ator e produtor cultural. Nesta tese, a autora se

referirá ao artista através de seu nome artístico: Lindemberg Monteiro. Entrevista concedida em 30.05.2012.

que tem formação teatral na Escola de Atores Martins Pena e na UNIRIO, no Rio de Janeiro. Ele veio a Aracaju ministrar uma oficina teatral e acabou criando a Cia de Teatro Stultifera Navis e o espaço Teatro Rua Casa da Cultura, um Ponto de Cultura que se destaca na cena teatral sergipana.

Monteiro ainda desenvolve ações pedagógicas de prática artística, como professor de teatro e diretor teatral, mas desenvolve, também, um projeto artístico das produções da própria companhia teatral da casa, que interage com a coletividade teatral sergipana, pois que abre temporadas para outras produções e parcerias teatrais, criando, com isso, uma formação de plateia na cena social aracajuana. E ainda oferece cursos de artes variadas, de curta duração, inclusive de iniciação teatral, ministrados por atores da cidade.

Aliás, observando o contexto teatral dos anos 2000, em Aracaju, Amaral Cavalcante defende a importância das presenças de Jorge Lins, com o Grupo Raízes e Lindemberg Monteiro, com o Ponto de Cultura, Teatro Rua Casa Rua da Cultura, como sujeitos do teatro que conseguem afirmar o teatro sergipano, embora com muito trabalho de produção. Sem Lins e Monteiro, observa Cavalcante, “a cena seria muito mais parada, porque eles alimentam a cena e não deixam a coisa teatral parar” (CAVALCANTE, 2013).

De certo, este olhar leva em conta a necessidade do planejamento sobre a produção artística e a sua própria manutenção, é claro. Isso porque vender arte, ainda hoje, é visto por muitos como algo sem muita importância para o cotidiano da vida real, como se arte não casasse muito bem com o planejamento econômico que movimenta o mundo. Claro que são coisas distintas. Arte não é um bem de serviço, arte é arte, embora o teatro engajado também possa trabalhar em meio ao universo dos serviços.

Mas, não necessariamente, a arte deve ser engajada; política sim, porque toda expressão humana comunica algo. Comparar a arte a um bem de serviço, da vida ordinária, portanto, é tirá-la da sua função primordial, que é o contato com o mundo, sobretudo, da filosofia e das poéticas da arte. Contudo, a arte também tem sua própria produção e seu movimento faz parte do montante da produção cultural de uma cidade.

Aracaju, obviamente, está inserida nessa realidade, e de fato, há pouca profissionalização de bons produtores na área das obras artísticas. Justamente por isso, é preciso atenção especial para a preparação de bons produtores, para esse tipo de

formação, especialmente, porque curiosamente, percebo no povo sergipano uma habilidade especial no trato com o comércio, inclusive para o comércio das obras de arte que produzem. Aqui, a mobilização interna desses profissionais tem motivação na existência de uma produção teatral, com retorno econômico, porque o empreendimento é visto, também, como um negócio artístico.

Podemos destacar duas importantes referências de produtores sergipanos, através das figuras de Nilton Lucas e Jorge Lins. Parceiro de Lins, na experiência da prática teatral, em Aracaju, Flávio Porto adverte que

Jorge sabe realizar, porque veja: nos anos de 1980, tinham alguns atores sergipanos que passavam até seis meses ensaiando e depois montavam textos de Shakespeare, Brecht, etc, para apresentar no Teatro Atheneu uma ou duas vezes. Então, eram grandes textos, mas sem plateia. Mas Jorge Lins enchia um teatro. Dizem que ele é comercial; sim, ele vive de teatro. (PORTO, 2012)34

O diretor e também produtor cultural Milton Raimundo Leite considera Lins

Um grande produtor, um grande diretor e um grande ator, um cara criativo, comprometido e realizador, no sentido de que ele tem discurso, abre portas e agrega novos sujeitos ao mundo do teatro. Eu nunca tive problemas de grana com Jorge. (LEITE, 2013)

O jornalista Amaral Cavalcante acredita que são necessários métodos de venda desse produto teatral. Um desses métodos pode ser observado na ação artística de Jorge Lins, pois “aqui, em Aracaju, quem faz isso muito bem é Jorge Lins; faz, junta uma coisa com outra, é por isso que ele é um bom produtor” (CAVALCANTE, 2013), procurando explicar uma forma de fazer teatro.

Veja: o que acontece aqui é que as pessoas se metem a produzir e depois são vistas como aproveitadores. Porque o produtor é o que veste paletó, bota a pastinha 007 e vai vender o espetáculo, sabe? Vai viajar, vai vender, vai arranjar patrocínio com a empresa e tal, esse tipo de produção. Nós não temos em Sergipe. São pouquíssimos.

34 PORTO, Flávio José Menezes. Diretor de teatro, ator, professor de teatro e produtor cultural. Nesta

tese, a autora se referirá ao artista através de seu nome artístico: Flávio Porto. Entrevista concedida em 31.05.2012.

Quem produz são diretores e os atores, que não é a funções deles. Tá faltando esse complemento, em todas as áreas, na área de música, todas as áreas, nas áreas plásticas, não temos Marchant. Um dia desse, eu estava dizendo a um homem, eu acho que foi no Facebook, precisamos de reconhecer, que essa interlocução, do criador de arte com o consumidor, com o mercado de arte, precisa ser pensada, tá entendendo? Isso é coisa da economia de arte, que é uma preocupação moderna agora. Mas, hoje em dia, a prática da produção não é como o meu tempo, hoje em dia há vários projetos de incentivo à cultura. A prática é coroada de êxitos e de editais. Isso começou na gestão de Gilberto Gil, no Ministério da Cultura. Porque, antes, o gestor dava dinheiro se quisesse, se gostasse, porque tinha namorada no grupo ou porque ou porque simplesmente é simpático ou qualquer coisa. Hoje é diferente, é muito mais democrático. E, inclusive, porque o governo diz “eu tenho tantos milhões pra área de teatro, mandem os projetos” e que esses projetos são julgados. Então, Sergipe está em pleno processo de aproveitamento dessa nova prática democrática e tudo. Então, isso realmente tem que reconhecer. Recentemente, a FUNARTE, por exemplo, reconheceu 23 trabalhos sergipanos, no edital de folclore dela. Entre esses trabalhos, tem o trabalho do próprio Erê. Quer dizer, não precisou ele ir atrás de não sei quem, não precisou, ele escreveu um projeto, ele foi pra FUNARTE e ele foi contemplado. Tem também o Prêmio Mirian Muniz (CAVALCANTE, 2013).

A questão econômica com o teatro era também o propósito de outro produtor teatral, Nilton Lucas, diretor da Companhia Ciranda de Espetáculos, que inicialmente montava teatro infantil e, após um período ausente de Aracaju, retorna à cidade com “outra proposta comercial. Além de Jorge, o Projeto Literatura Viva, que montava até 12 romances por ano”, recorda Porto, explicando que Lucas trabalhou na TV Tupi, fez diversos cursos de formação teatral, inclusive na França, quando realizou intercâmbio pela SCAS.