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Por uma formação mobilizadora: conteúdos filosóficos e políticos

CAPÍTULO I QUESTÕES DO APRENDER: CADA LUGAR NA SUA COISA

1.1 RELAÇÕES COM O APRENDER: OS PRIMEIROS PASSOS

1.1.2 Por uma formação mobilizadora: conteúdos filosóficos e políticos

Entendo mobilização no sentido da existência de uma dinâmica interna, em que o conhecimento é a consequência da própria atividade e experiência centrada no âmbito da subjetividade. Ao invés de uma motivação externa, onde verificamos as informações conectadas, a objetividade, em um movimento dialético, evidentemente, pois que em algum momento mobilização e motivação se misturam e podem afluir em suas definições conceituais, no sentido de podermos mobilizar para motivar ou o seu contrário.

Se o saber é ativado pelo sujeito quando esse se relaciona com os outros sujeitos, então a ideia de mobilização credita uma importância à dinâmica do movimento e, por isso mesmo, se desdobra em outros conceitos, tais como recurso e móbil, porque amparado na teoria da atividade, de Leontilev, faz o pesquisador compreender que o sentido de uma atividade é “a relação entre sua meta e seu móbil, entre o que incita a agir e o que orienta a ação, como resultado imediatamente buscado.” (CHARLOT, 2000, p. 56). Inicialmente, para se colocar em movimento e poder mobilizar-se. E, depois, para se buscar motivos para se executar uma atividade, uma dinâmica interna e fundamentalmente conjecturar uma troca com o mundo e com os outros sujeitos que habitam o seu espaço de relações sociais.

Aliás, nessa perspectiva, o húngaro István Mészáros também se refere à educação para além do capital, principalmente para lembrar que “a aprendizagem é a nossa própria vida, desde a juventude até a velhice, de fato quase até a morte; ninguém passa dez horas sem nada aprender” (MÉSZÁROS, 2008, p. 23). Seguramente, aprendemos desde o nosso nascimento e os primeiros anos de vida e, certamente, até mesmo antes de nascermos, uma vez que a família nos espera com informações já postas em recepção a nossa chegada e em nosso entorno familiar e social.

Aqui apreciamos a mobilização interna e seu interesse em investigar caminhos de uma prática pedagógica que produza esta mobilização, decididamente política e de toda maneira politicamente humana. Com ênfase nas relações com o saber, é sobre as várias possibilidades de aprender coisas que nosso olhar se debruça. E, fundamentalmente, para observar e refletir a finalidade da desconexão entre o discurso teórico e a realidade social e econômica, ainda que se compreenda o problema do sujeito e da filosofia dos sistemas simbólicos, porque somos sujeitos histórico-sociais, todavia somos sujeitos e sempre estaremos conectados consigo mesmo, os outros e o mundo.

Fundamentada em uma proposta de tendência dialético-materialista, Lev Semenovich Vigotsky também vai compreender o aluno como um sujeito concreto (histórico-social), logo, possuidor de um saber elaborado no plano do senso comum, cabendo à educação escolar promover a passagem desse saber - menos elaborado - para um plano de saber mais crítico e criativo - mais elaborado.

É interesse observar que, em seu ambiente familiar, Vigotski teve uma formação informal estimulante sobre o estudo, a poesia e as línguas e, de igual maneira, posteriormente, nos estudos formais universitários em que a sua formação humanista se afirmou com ênfase especial nos estudos da filosofia e da literatura. É preciso lembrar que ele é

Fundamentalmente um filósofo e um semiólogo. Interessam-lhe os problemas relacionados com os mecanismos psicológicos da criação literária e as questões semiológicas relacionadas com a estrutura e as funções dos símbolos, signos e imagens poéticas. Seu envolvimento com os problemas da crítica, estética e semiótica foi de um pensador ou de um filósofo que pretendia desvelar os mecanismos de construção estética a partir de uma concepção dialética global do homem e da cultura (FREITAS, 1999, p. 75).

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Freitas acrescenta que ele foi um pensador que tinha um particular interesse pela literatura e pela arte, inclusive e até teve o hábito de participar de círculos literários, chegando a criar uma revista dedicada à crítica e à literatura de vanguarda, além de também ter atuado como diretor de teatro, naqueles primórdios dos anos de 1920.

Ao refletir sobre o teatro como educação ética e política, Benevides (2013) lembra que os temas de estética, crítica e teoria literária lhe foram essenciais ao pensar

sobre a arte e a imaginação como o resultado de um trabalho da atividade humana, como uma prática do aprender e da Relação com o Saber, porque todo saber precisa de ser exercido em uma modalidade de atividade.

Nesse sentido, lembro Vigotski, que marcado culturalmente pelo simbolismo russo desde a poesia, até a pintura, o teatro e ainda o cinema, defende a natureza simbólica das funções mentais superiores e da consciência. Ele nos mostra que os estudos estéticos determinaram a construção de um tipo de psicologia da arte, a qual se debruça sobre a categoria da consciência, justamente porque envolve os processos de criação e de percepção estética e chega a essa seara oriundos da crítica, da estética e das criações artísticas e da cultura. Ele

Acreditava que o pensamento e o sentimento movem a criação humana, por isso defendia uma visão baseada na concepção de um organismo ativo, cujo processo é socialmente construído num ambiente que é histórico e social. Sua teoria afirma a importância do brincar e, nesse processo de desenvolvimento, a criança constrói o seu conhecimento na realidade do seu meio social, quando vai deixando de ser movida apenas pelos fatores biológicos, específicos da infância, e vai se tornando um sujeito ativo que interage com o meio social. Por isso, a cultura tem tanta importância na nossa formação, pois, desde crianças, internalizamos os fatores culturais do nosso meio que são passados de geração em geração; porém, sozinhos não avançamos, construímos nossas individualidades pela mediação do social. Há uma determinação recíproca entre o individual e o social, sendo este último o momento preponderante, o que dá a direção, pois a feitura do homem ocorre em um tipo de sociabilidade (BENEVIDES. 2013, p. 188-189).

De pronto, é importante a apreciação sobre a cultura como uma prática de socialização e construção de pertencimento social dos sujeitos contextualizados em suas individualidades e coletividades. E, ainda, em formação objetiva e subjetiva, pois devemos enfrentar naturalmente as eventuais divergências entre o universo cultural e o universo social e viabilizar um diálogo interativo entre as diferenças e especificidades do que nos constitui sobre nós mesmos e as coisas do mundo.

Por outro lado, é oportuno considerar essa situação sob o ponto de vista histórico a partir das contribuições de Pierre Bourdieu e J.C. Passeron no que diz respeito à relação do sujeito com a cultura, a linguagem e o saber. Elementos aqui reunidos que estabelecem as conexões em meio ao sistema escolar e a estrutura das relações de

classe, pois “se se quer compreender a desigualdade social perante a escola, é preciso se interessar por essa relação” (CHARLOT, 2005. p. 38) e isso é fundamental para pensarmos educação e cultura, sobretudo porque ainda é possível observar que muitos parecem indiferentes à luta de classes.

Essa tendência vai se irmanar com outros pensadores cujos estudos histórico- críticos atestam a relação da educação ou da arte e das questões estéticas com o marxismo, entre eles: Trotsky, Lenin, Bukharin, Eisentein, Maiakovski, Gorki, Gramsci, Bejnjamim, Piscator, Goldmann, Meyerhold, Garaudy, Brecht e Vigotsky, entre outros, que assim como ele promovem ideias marxistas. Elas fomentam um olhar de esperança sobre a luta de classes, especialmente porque é fundamental que não apenas o sujeito ocupe uma posição no mundo, mas que todos tenham uma atividade no mundo e sobre o mundo, principalmente, porque

O marxismo não é uma teoria da posição social; é antes de tudo uma teoria da luta social, da atividade, da práxis. Enquanto ser ativo, cada um luta, pode lutar, para mudar o que está acontecendo, para transformar a sua posição social, individual ou coletivamente (CHARLOT, 2013, p. 166-167).

Mészáros indica que “a educação não é um negócio, é criação” (MÉSZÁROS, 2008, p. 09) e entende que ela não deve qualificar para o mercado e sim para a vida. Educar tem um sentido marcadamente social, caracterizado por princípios e práticas pedagógicas, bem como alternativas criativas e emancipatórias, porque a atividade educativa de todo sujeito social deve recuperar o sentido estruturante do seu ofício e não se constituir apenas numa transferência de conhecimento. Na esfera pedagógica, a educação participativa, “não pode ser encerrada no terreno estrito da pedagogia, mas tem que sair às ruas, para os espaços públicos, e se abrir para o mundo” (MÉSZÁROS, 2008, p. 09-10), provoca o filósofo, estudioso da obra de Marx e defensor de que a sociedade só faz uma transformação pela luta de classes. Por conseguinte, ele questiona

Qual é o papel da educação na construção de um outro mundo possível? Como construir uma educação cuja principal referência seja o ser humano? Como se constitui uma educação que realize as transformações políticas, econômicas, culturais e sociais necessárias (MÉSZÁROS, 2008, p.10).

Ao orientar a educação como instrumento de conscientização e libertação, Paulo Freire nos provoca respostas sobre as questões apresentadas à medida que a coloca para além de uma mera transmissão de conhecimento, conceituando como “educação bancária” aquela em que o professor autoritário deposita o conhecimento no aluno. Além de um método, Freire desenvolveu uma Teoria do Conhecimento e trouxe a sugestão de que as pessoas podem aprender concomitantemente à construção do conhecimento coletivo.

Sua compreensão considera o processo dialógico entre os pares que a edificam porque, nessa situação, rompe-se com o elitismo da educação que a classe dominante propaga, consideram-se os dados reais da conjuntura social, ressalta-se o sujeito ativo, acolhe-se a troca de saberes dos indivíduos, valorizam-se os conteúdos contextualizados, quebra-se a hierarquia e se estabelece uma relação horizontal entre o professor e o aluno. Todavia, não deve haver nenhuma neutralidade a respeito do ato educativo, uma vez que qualquer atitude assumida revela uma ação política.

Assim, compreendendo o professor como um animador de debates, que coordena e problematiza as questões que entram em discussão no “círculo de cultura”, como se referia Freire, a ideia é que uma palavra geradora possa provocar reflexões entre os alunos e essa condição permita relações coletivas e participativas, sobretudo que valorizem a individualidade e a história de cada aluno. Seguramente, nos referimos

a um tipo de ação educativa legitimada pelo lugarda fala na expressão e construção da

vida e da sociedade; por isso, rejeitamos uma educação que conduza sua ação, utilizando-se de uma “força conservadora”.

Um processo de dominação, cujo efeito reprodutor é voltado unicamente para a manutenção a qualquer custo de valores e verdades que não se deseja ver contestados e que conduzem somente à acomodação. É, portanto, ou seja, da minoria que se beneficia com as instâncias do poder (CAMAROTTI, 1999, p. 32).

É preciso notar que, ao investigar a dominação de classes, ampliam-se esses estudos acadêmicos realizados a respeito da relação com o saber, obviamente para se alçar reflexões sobre o problema do sujeito e da filosofia dos sistemas simbólicos. Uma perspectiva filosófica seguramente vai permitir uma interessante leitura de mundo, uma vez que a propósito da questão da relação com o saber, é preciso considerar

fundamentalmente a sua reflexão filosófica. Entretanto, apenas a filosofia não é suficiente para compreender o universo que abarca as dificuldades de aprendizagem vivenciadas pelas crianças. Em especial as que nascem e/ou que vivem nos meios populares, onde se popularizou creditar seus insucessos à escola formal.

Epistemologicamente falando, é da efetividade da ação educativa para as classes populares e, em especial, sobre as questões escolares dos menos favorecidos. Pois que, aqui, a relação com o saber se volta mesmo para as classes populares, uma vez que o discurso de Freire traz um conteúdo que nos aproxima do entendimento da trajetória escolar de crianças de periferia. E podemos dizer que a afirmação do ser humano e seus desejos e essa subjetividade podem determinar uma desordem sobre a coerência estabelecida, ainda que se limite a um diminuto alívio à sua condição.

Nesse sentido, ao cruzar as perspectivas da filosofia e da educação, é possível indagar sobre o significado do ser humano e as dificuldades de aprendizagem das crianças, bem como pensar questões pedagógicas e epistemológicas, principalmente para provocar um tipo de olhar ou abordagem que vai nos permitir compreender o que está acontecendo com a história escolar de uma criança, quer seja no próprio âmbito institucional, quer seja além dos muros escolares.

1.1.3 A atividade intelectual no contexto da formação humana e a mistificação