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CAPÍTULO I QUESTÕES DO APRENDER: CADA LUGAR NA SUA COISA

CAPÍTULO 2 MEMÓRIAS E NARRATIVAS: POR UMA METODOLOGIA DE PESQUISA EM FORMAÇÃO E PRÁTICA TEATRAL

2.3 TRAJETÓRIA DE VIDA: HISTÓRIA ORAL

Ao definir a abordagem qualitativa, entre outras ações metodológicas, pude estabelecer um convívio diário com muitos sujeitos desta pesquisa, especialmente quando passei a residir no bairro de Cirurgia, locus de muitos saberes e trajetórias de vida, referência de relevante tradição cultural sergipana e ação teatral no estado. A oralidade presente nesse imaginário revela a necessidade do

Viver junto ao grupo, estabelecer condições de apreensão dos fenômenos de maneira a favorecer a melhor tradução possível do universo mítico do segmento é um dos segredos da tradição oral. Parente da etnografia, a boa resolução da pesquisa em tradição oral implica minuciosa descrição do cotidiano e de suas invenções. A complexidade da tradição oral reside no reconhecimento do outro nos detalhes auto-explicativos de sua cultura (MEIHY; HOLANDA, 2013, p. 40).

Percebi que aquela formação informal me daria uma proximidade vivencial junto aos sujeitos pesquisados e sobre a cultura artística daquela população, a qual se constituía como fontes de referência e me dizia coisas a respeito desses sujeitos, sobre suas vivências e seus processos de socialização. Observando o trabalho de campo, como espaço de descobertas e criações, é preciso atentar que a “relação do pesquisador com os sujeitos a serem estudados é de extrema importância. Isso não significa que as diferentes formas de investigação não sejam fundamentais e necessárias” (DESLANDES, 1994, p. 52).

Somente conhecendo o campo empírico, como perspectiva de novidades, eu poderia aprofundar qualquer questão teórica e metodológica da formação teatral sergipana, uma vez que era necessário aprofundar a relação com a cidade e os sujeitos,

principalmente, observar como o teatro surgiu em suas vidas e como eles aprenderam a fazer teatro. Isso, porque o trabalho de campo “pressupõe um cuidado teórico- metodológico com a temática a ser explorada” (DESLANDES, 1994, p. 56). Foi fundamental poder ouvi-los dizer que, mesmo sem uma formação formal em teatro, na cidade de Aracaju, eles praticaram o ofício teatral para afirmar a cena teatral, afirmar o espaço do fazer teatral e para ter respeito a quem faz teatro.

Além da relação cotidiana com os outros sujeitos e o mundo que os rodeia, pude estabelecer encontros em espaços privados, como suas respectivas casas, além de centros de culturas e teatros da cidade, geralmente, sem uma rigidez de tempo, para cada entrevista gravada em mídia, quando, também utilizei o diário de campo. Nessas conversas, descobri nomes e representatividades do teatro em Aracaju e permiti que uma entrevista levasse-me a outros contatos e, assim, a outros e outros e a outros, como que desamarrando um novelo cultural, no qual eu aprendia sobre o teatro que eles produziram. Entendi que é mesmo

No processo desse trabalho que são criados e fortalecidos os laços de amizade, bem como os compromissos firmados entre o investigador e a população investigada, propiciando o retorno dos resultados alcançados para essa população investigada e a viabilidade de futuras pesquisas (DESLANDES, 1994, p. 56).

A atividade da entrevista, como abordagem técnica presente na metodologia de história oral, é sempre um processo dialógico e corresponde a um princípio articulado entre as partes envolvidas no processo de pesquisa. Deve-se transformar, posteriormente, em documento de história oral, porém o seu projeto de realização foi iniciado, ainda, na elaboração do projeto inicial. Apropriar-se da oralidade de História de Vida Oral é

Um recurso moderno usado para elaboração de registros, documentos, arquivamento e estudos referentes à experiência social de pessoas e de grupos. Ela é sempre uma história do tempo presente e também reconhecida como história viva” (MEIHY; HOLANDA, 2013, p. 17).

Como metodologia, a história oral aponta um procedimento organizado e se coloca como uma forma de saber. Dessa maneira

A história oral é um recurso atento ao uso do conhecimento da experiência alheia, que se organiza com nítida vocação para a essência de trajetórias humanas. Muito menos preocupada com os enquadramentos técnicos, metodológicos ou científicos em geral, a aquisição de entrevistas como maneira de registrar, contar ou narrar, entender ou considerar casos se aproxima mais das estratégias ficcionais do que propriamente ao registro metódico exigido pelos demais procedimentos acadêmicos (MEIHY; HOLANDA,2013, p. 73).

A produção de projetos em história oral, contudo, precisa considerar que, independentemente dos recursos eletrônicos disponíveis como instrumentos de apoio à investigação e, posteriormente, na transcrição do material levantado, através da pesquisa de campo, coisa nenhuma supre a percepção do entrevistado na cena em que ocorre a gravação da entrevista, especialmente, porque

Uma entrevista não é apenas uma coleção de frases reunidas em uma sessão dialógica. A performance, ou seja, o desempenho é essencial para se entender o sentido do encontro gravado. Olhar nos olhos, perceber as vacilações ou o teor emotivo das palavras, notar o conjunto de fatores reunidos na situação da entrevista é algo mais do que a capacidade de registro pelas máquinas, que se limitam a guardar vozes, sons gerais, e imagens. A percepção das emoções é bem mais complexa do que aparenta, e sua captação se dá apenas pela presença física de pessoas. A mediação das máquinas ajuda muito, principalmente depois (MEIHY; HOLANDA, 2013, p. 22-23).

É sobre esta formação teatral que eu me reporto, independentemente dela ser observada pelos recursos humanos ou materiais encontrados nas fontes orais e documentais, sem nenhuma valoração a propósito da especificidade metodológica. Ao aprofundar as questões teóricas sobre a temática e as investigações particularmente ligadas às questões metodológicas, sobretudo da pesquisa de campo, os sujeitos irão aparecer nos depoimentos, seus processos de socialização e suas vivências, porque a memória formativa aqui conjecturada inclui a trajetória de formação e conta uma realidade prática que evoca uma teoria, porque foram as referências dos sujeitos que sinalizaram para a direção das teorias.

A partir desses dados coletados nas entrevistas e nos contatos com o documento oficial, busquei dialogar com o campo teórico considerando a não verticalização de saberes, da teoria sobre a prática, mas, sobretudo, possibilitar um diálogo entre as partes

desse contexto, partindo da fala dos sujeitos, como primeira etapa metodológica.

Assim, do ponto de vista metodológico, é interessante considerar a interação investigativa entre os documentos apreciados (objetos do método histórico) e a apreciação da subjetividade da narrativa desses sujeitos pesquisados, nesse caso, por conta da encruzilhada da vida individual com o social, que cumpre a experimentação prática e da sua memória.

A pesquisadora Maria Isaura Pereira de Queiroz considera que “um primeiro enfraquecimento ou uma primeira mutilação corre então, com a passagem daquilo que está obscuro para uma primeira nitidez – a nitidez da palavra – rótulo classificatório colocado sobre uma ação ou uma emoção” (QUEIROZ, 1987, p. 2.), mas ela também acredita que “o relatório oral, está, pois, na base da obtenção de toda a sorte de informações e antecede a outras técnicas de obtenção e conservação do saber; a palavra parece ter sido a primeira, pelo menos uma das mais antigas técnicas utilizadas para tal” (QUEIROZ, 1987, p. 3.) e antecede ao desenho e à escrita. Ao ser transcrita para um texto escrito, a narrativa oral se transforma em documento histórico, que é a materialização de uma ideia que a precede.

Esta pesquisa narra as metodologias utilizadas pelos sujeitos em suas respectivas formações teatrais, uma vez que a reconstrução do passado no presente interessa à minha tese à medida que expõe hoje o que aconteceu outrora, embora não pretenda apreender "o passado". Ao contrário, desejo construir uma narrativa presente acerca do passado, principalmente porque, quando se pesquisa a história, estamos arquitetando uma narrativa atual (feita em determinado momento) sobre um momento anterior, isso deve ser um dos princípios da noção de memória.

Foram entrevistadas quarenta e nove pessoas, sendo trinta e sete homens e doze mulheres, contribuindo com suas memórias para a confecção de uma manta de narrativas sobre a carpintaria teatral investigada, nas linguagens empreendidas por diretores, atores, iluminadores, cenógrafos, figurinistas, maquiadores e produtores teatrais. Porque eles são parte dessa história pesquisada e porque conhecem a história que viveram, só eles poderão me contar como tudo se deu, a partir de seu olhar pessoal. Talvez por isso mesmo eu tenha decidido apresentá-los concretamente no corpo do texto, pois tirá-los do anonimato é lhes dar visibilidade social e registro histórico, é disso que a história da formação teatral em Aracaju precisa e merecer ter.

Enquanto campo de investigação, a metodologia empreendida a respeito das trajetórias de vida contempla instrumentos de coleta sobre a entrevista reflexiva, semiestruturada, que é uma ferramenta de pesquisa que preza pelo caráter dialógico e pela dimensão social, principalmente porque agrega diversos discursos e circunscreve a trajetória da formação teatral como experiência objetiva e subjetiva. Assim

Ao considerarmos o caráter de interação social da entrevista, passamos a vê-la submetida às condições comuns de toda interação face a face, na qual a natureza das relações entre entrevistador/entrevistado influencia tanto o curso como o tipo de informação que aparece (SZYMANSKI; ALMEIDA; PRANDINI, 2002, p. 11).

Embora haja uma intencionalidade, por parte do entrevistador, principalmente pela necessidade de obter credibilidade junto ao seu entrevistado, também há uma intencionalidade por parte do entrevistado, à medida em que, ao aceitar ser entrevistado, ele sabe que terá uma escuta e poderá tentar capturar a condução da entrevista. De toda maneira, há um sentido que se constrói na relação entre o entrevistador, aquele que deseja conhecer algo, e o entrevistado, o outro que detém um conhecimento. Todavia, durante a entrevista, há um movimento de reflexividade em que vemos o entrevistado e o entrevistador, como protagonistas que organizam o pensamento de uma maneira que talvez, nunca antes tenha sido pensada. É preciso considerar a

Entrevista como um encontro interpessoal no qual é incluída a subjetividade dos protagonistas, podendo se constituir um momento de construção de um novo conhecimento, nos limites da representatividade da fala e na busca de uma horizontalidade nas relações de poder, que se delineou esta proposta de entrevista, a qual chamamos de reflexiva, tanto porque leva em conta a recorrência de significados durante qualquer ato comunicativo quanto a busca de horizontalidade (SZYMANSKI, 2002, p. 14-15).

Contudo

Isoladas, as entrevistas não falam por si, logicamente. Alinhá-las, contudo, é um procedimento capaz de sugerir, mais do que a condução do projeto, possíveis análises. Sozinhas, também, as entrevistas não se sustentam enquanto história oral; seriam apenas textos estabelecidos. A dimensão social é feita na medida em que são indicados os pontos de intercessão das diversas entrevistas (MEIHY; HOLANDA, 2013, p. 131).

É importante lembrar as etapas conferidas à metodologia da história oral, desde a elaboração do projeto inicial, passando pelo momento seguinte, quando ocorre a coleta e a análise dos dados, que tem sua própria dinâmica, são interpretados e podem sugerir o levantamento de novos dados. O terceiro momento da realização da pesquisa em história oral promove a confecção do documento escrito, aquele que acolhe a transcrição das entrevistas. Geralmente, muito solitário, o processo se deu de maneira sofrida e desgastante.

Apesar do prazer pelo rico aprendizado, o momento de escuta de todo universo de informações apanhadas exige muito do pesquisador. Concomitantemente, é o mesmo instante em que vamos estabelecer as relações com as teorias científicas referidas ao material levantado, embora sejam as entrevistas que suscitam as possíveis interações do conhecimento em questão. A etapa seguinte, de análise documental, pode ser vista, também como um prolongamento do momento anterior e até mesmo a própria confecção do documento, ou seja, o próprio texto escrito.

Outra importante etapa é o arquivamento do material levantado, infelizmente uma questão delicada no que diz respeito ao cuidado e responsabilidade histórica, porque nem sempre as pesquisas são realizadas através de projetos que pensem esse aspecto de preservação do material levantado. Os programas de Pós-graduação, por exemplo, não têm um espaço climatizado de preservação audiovisual. Conserva-se apenas o material escrito das pesquisas prontas, e, com o tempo, essa memória também se perde. Isso nos lembra a última etapa dos passos da história oral, apresentada como a devolução social da pesquisa empreendida, porque

Dizem respeito aos compromissos comunitários requeridos pela história oral que, sempre, deve prever o retorno ao grupo que a fez

gerar. Seja em forma de livro, exposição ou mesmo de doação dos documentos confeccionados, a devolução é capital (MEIHY; HOLANDA, 2013, p. 31).

Creio que a minha contribuição intelectual possa promover desdobramentos para as futuras investigações teatrais sergipanas. Nesta pesquisa, o conhecimento construído sobre essa formação teatral afirma a história oral como uma metodologia de registro baseada nas experiências construídas pelos artistas sergipanos, promotores que são de um trabalho cênico de repercussão pública, mas ainda não observado como um sistema de circulação de saberes. Porque um dos elementos que fortaleceu a história oral foi o fato dela se colocar atrelada a necessidade do registro. E, “em certo sentido, é válido creditar à história oral um caráter revolucionário, pois ela se tornou razão de ser de fatos locais de interesses coletivos” (MEIHY; HOLANDA, 2013, p.105).

No Brasil, infelizmente, a história oral ainda trava uma luta polêmica sobre o seu devido lugar, principalmente porque ela ainda

É uma promessa interna e externamente, prova-o a existência de grupos dinâmicos, organizados e criativos como, entre outros, os da Universidade Federal de Pernambuco, Brasília, Rio Grande do sul, Rio de Janeiro, Rondônia, Federal Fluminense, Estadual de Campinas, Bahia, PUC/SP. Na Bahia, destaque é dado a Universidade Estadual, que ostenta um programa exemplar de história oral voltada ao meio em que se inscreve (MEIHY; HOLANDA, 2013, p. 114-115).

É pela história do outro que nós nos reconhecemos cidadãos. Portanto, dar visibilidade às histórias silenciadas também se inscreve como um processo de inclusão social no qual é possível observarmos a singularidade do outro. A história contada é a verdade do indivíduo, narrada, sobretudo porque na história oral se apresenta o “nós colaborativo” do processo. Cumprir o dever da memória permite a oportunidade do outro falar e do prazer narrativo dele contar as próprias histórias. Porque a história oral, a qual se preocupa com a experiência e não com a verdade, ao mediar formas, se apresenta como um recurso de produção que gera a feitura de um outro documento. E, seguramente, deve-se constituir de três funções da maior importância no âmbito da pesquisa qualitativa (em história oral): a possibilidade de criar políticas públicas de inserção, afirmar a democracia, através de atividades e interações dos sujeitos e o cuidado dos direitos humanos.

Por fim, o próximo capítulo, A cena teatral sergipana (com zoom sobre

Aracaju): formação e prática artística abre a cortina de um passado teatral para

contribuir com a cena teatral sergipana (com enfoque particular sobre Aracaju), compreendendo, especialmente, a tarefa educativa presente no contexto das cidades e no valor da memória como uma questão contemporânea. Optei por uma metodologia qualitativa, de acordo com as trajetórias de vida dos artistas teatrais, e, também, com a memória teatral inserida nesse quadro sócio-político. Inicialmente, à partir do olhar sobre a cidade e, só depois, sobre o sujeito e seu fazer teatral em Aracaju o que compreende as redes de criação teatral dessa cidade.

A pesquisa aqui realizada é meu testemunho imbricado de oralidade e das narrativas dos artistas teatrais sergipanos. Ela se deu, eu estrangeira, quando percorri a cidade de Aracaju e conheci a cultura e a memória teatral. Portanto, aqui exponho as minhas percepções em recorte de uma grande colcha de retalhos que se chama teatro sergipano. Outros importantes trabalhos deverão vir à tona para que, de tal modo, seja possível garantirmos outros importantes aspectos em que se deu a produção teatral em Aracaju.

CAPÍTULO 3 - A CENA TEATRAL SERGIPANA (COM ZOOM SOBRE