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Capítulo II – Avaliação Externa: Quadro Teórico

3. A avaliação externa de escolas

3.2. A avaliação externa de escolas em Portugal

Numa análise diacrónica que incidiu sobre a leitura crítica da legislação educativa portuguesa, desde a LBSE, Silvestre, Fialho e Saragoça (2014) verificaram que, em termos de avaliação das escolas estão presentes, nos vários normativos analisados, os conceitos-chave de qualidade/melhoria, prestação de contas e autonomia. De um modo mais específico, esta análise permitiu que os autores percecionassem que a legislação que tem fundamentado as medidas de macro política educativa, em relação à avaliação das escolas, assenta em quatro pilares essenciais que, em quase três décadas, têm sustentado as políticas educativas. São esses pilares: i) uma cultura organizacional de avaliação; ii) o alargamento da prestação de contas; iii) a melhoria da qualidade (medida essencialmente pelos resultados dos alunos) e a melhoria da prestação do serviço educativo; iv) a autonomia das escolas.

Em Portugal, a implementação da avaliação externa de escolas, conforme os moldes atuais, iniciou-se em outubro 2006, embora a Lei n.º31/2002, tenha sido publicada quatro anos antes. De acordo com Pacheco et al. (2014), este espaço de tempo que mediou a publicação do normativo e o desencadeamento do processo é o resultado do impacto provocado pelo ensino superior, que, cada vez mais, descende de uma abordagem

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supranacional, como é o caso dos standards e orientações da European Association for Quality Assurance in Higher Education (ENQA). Desta forma, para estes autores, a avaliação externa de escolas é um efeito político da avaliação utilizada no ensino superior, sendo essencial contextualizá-la, ainda que de forma geral, nas políticas de accountability e responsabilização social (Afonso, 2010), bem como nas políticas de partilha de conhecimento (Steiner-Khamsi, 2012), cujos contextos são marcados pela globalização (Spring, 2009), cujo alcance vai produzindo, inevitavelmente, efeitos positivos e negativos.

De acordo com Afonso & Costa (2011), com a publicação da Lei n.º31/2002 surge a intenção de mudar o sentido atribuído, até aí, à avaliação das escolas, que se pretendia, agora, menos inspetivo e normativo e mais direcionado para o desenvolvimento de dispositivos de autoavaliação, embora o conceito de cultura organizacional de avaliação surja como um dos temas recorrentes e mais pertinentes, encontrando-se intimamente associado ao atual conceito de accountability ou prestação de contas (Silvestre, Fialho & Saragoça, 2014). Neste sentido, predomina a lógica da monitorização e da pilotagem (Afonso & Costa, 2011), que se focaliza na produção de informação relevante sobre a qualidade dos desempenhos que simplifica a supervisão do Estado, que governa à distância, transformando-se o trabalho do conhecimento das escolas em “resultados”, “níveis de desempenho” e “evidências de qualidade”.

3.2.1. O modelo de avaliação externa de escolas português

O modelo de avaliação externa de escolas adotado em Portugal tem-se inspirado na metodologia aludida pela European Foundation for Quality Management (EFQM) e o modelo escocês How good is your school, caracterizando-se por ser um processo implementado pela IGEC em colaboração com as universidades. Para Afonso & Costa (2011, p.187), esta inspiração no modelo escocês, a par dos movimentos de eficácia e melhoria das escolas, constitui, do ponto de vista teórico, a coluna vertebral do modelo, “do ponto de vista dos fundamentos formais (indicadores, liderança forte, expetativas positivas, etc.). Além disso, a importância do Modelo de Excelência, da EFQM, indicia uma viragem nas políticas, com enfoque na melhoria da qualidade do desempenho”.

Na intenção de integração das perspetivas organizacional, curricular e pedagógica, o modelo português de avaliação externa de escolas é, na ótica de autores como Leite e Pacheco

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(2010) e Simões (2011), “um instrumento formativo de avaliação da qualidade escolar” (Pacheco et al., 2014, p.33).

Do ponto de vista de Afonso (2010, p.164), os procedimentos de avaliação externa das escolas públicas em Portugal “revelam a presença de dimensões importantes de um modelo de accountability.” Para o autor, neste modelo é patente a centralidade do pilar da prestação de contas, que se estrutura na produção de informações, argumentações e justificações. Presente em dois momentos distintos está, também, o pilar da avaliação: na autoavaliação e durante o processo de avaliação externa. Porém, é evidente o obscurecimento do pilar da responsabilização, mesmo prevendo-se, nos normativos legais, algumas consequências decorrentes dos resultados da avaliação externa. Deste modo, para o mesmo autor, o modelo de avaliação externa das escolas não constitui um modelo completo de accountability, embora contenha, na sua configuração, “diversas formas parcelares de accountability” (Ibidem, p.165).

Tal como já foi referido no primeiro capítulo desta dissertação, faz parte do atual modelo a avaliação das dimensões relativas aos resultados (académicos ou outros resultados educativos e reconhecimento da comunidade educativa), à prestação do serviço educativo (gestão do currículo, práticas de ensino, práticas de monitorização e avaliação e práticas de inclusão e equidade) e à liderança e gestão (visão, estratégia e planeamento, gestão dos recursos, desenvolvimento pessoal e organizacional, autoavaliação e melhoria).

Várias críticas têm sido apontadas a este modelo, a par de se lhe reconhecer também aspetos positivos.

Na opinião da OCDE (2013), este modelo caracteriza-se pela particularidade de não interligar de forma plena toda avaliação do sistema escolar, isto é, a avaliação das instituições escolares, a avaliação das aprendizagens e a avaliação do desempenho docente. Aliás, segundo Santiago et al. (2012) o foco nas aprendizagens, por parte do modelo de avaliação externa de escolas português, é claramente insuficiente.

Ainda no âmbito das aprendizagens, para Pacheco et al. (2014), o debate em torno da qualidade das mesmas, ou do sucesso académico deve ser realizado segundo indicadores curriculares. Para estes autores, a justificação desta posição deve-se à falta de consenso entre responsáveis políticos, pais, encarregados de educação e professores, por um lado, quanto à atribuição da responsabilidade pelo sucesso escolar e, por outro, quanto à forma de como esse mesmo sucesso se torna visível. Assim, se se constata que a qualidade do sucesso é, por um

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lado, cada vez mais “uma variante política” (Ibidem, p.9) associada à valorização dos resultados obtidos pelos alunos nos exames ou provas nacionais externas, os pais, encarregados de educação e responsáveis pela definição das políticas educativas atribuem a responsabilidade do sucesso a fatores internos à escola, enquanto, para os professores, o sucesso é muitas vezes fortemente condicionado por fatores externos.

Uma outra crítica, apresentada pelos autores anteriormente citados, face a este modelo de é a valorização do valor acrescentado do contexto relativamente ao valor acrescentado da escola propriamente dita, sobretudo no que diz respeito ao grau de ação dos professores.

Para Gonçalves, Fernandes e Leite (2014), embora a abordagem portuguesa da avaliação externa de escolas tenha várias caraterísticas de uma boa prática, o modelo focaliza- se muito na análise documental e nos processos administrativos e de gestão, em detrimento da qualidade e eficácia da educação e do ensino. Também para Pacheco et al. (2014), apesar de a avaliação pretender evidenciar práticas escolares adequadas ao padrão definido na base das boas práticas, a linguagem do modelo é algo errónea, usando uma terminologia que legitima os standards.

Por outro lado, ao serem privilegiados os resultados, e dependendo deles a classificação a fazer nos domínios da prestação do serviço educativo e da liderança e da gestão escolares, “a avaliação externa de escolas fica comprometida nos seus processos, na sua legitimidade e nos seus efeitos” (Gonçalves, Fernandes & Leite, 2014, p. 86).

Fazendo uma análise do modelo de avaliação externa de escolas, à luz das teorias, paradigmas e modelos de avaliação, através da análise do documento “Avaliação externa das escolas. Referentes e Instrumentos de avaliação” (IGE, 2009), Pacheco et al. (2014, p.43) referem que “não se encontra qualquer referência à noção de avaliação, nem tão pouco a paradigmas e abordagens. O documento, uma síntese de outros documentos, é essencialmente uma opção técnica, explicativa dos objetivos e da sua estrutura interna.” Tratando-se ainda de um modelo “ateórico”, por carecer de uma teoria de avaliação, na opinião dos autores anteriormente referidos, este modelo corre o risco de se tornar numa “referencialidade técnica” (Ibidem, p.43), que, mesmo após a reformulação para o início do segundo ciclo avaliativo, em 2012, não é suficientemente discriminativo em termos do que deve ser considerado, na linguagem da avaliação, como um critério, um standard e um indicador.

Contudo, para além da função de melhoria, como já referimos no início deste capítulo, a avaliação tem como objetivo formular um juízo sobre o mérito ou os defeitos de algo ou

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alguém, através da atribuição de um significado entre um “referido” e um “referente”, comparabilidade esta que requer que o avaliador se posicione externamente e tenha ainda uma visão racionalista e objetiva da realidade. Desta forma, e como referem Pacheco et al. (2014), é praticamente inevitável, em matéria de avaliação, este “jogo” entre uma teoria formativa, de abordagem mais compreensiva (Stake, 2006), mais subjetiva (Rodrigues, 2002), e uma teoria normativa de abordagem mais objetivista (Ibidem), baseada em standards (Stake, 2006), relacionada com a regulação e padronização do que acontece nas escolas, podendo mesmo dizer-se que “a avaliação, em teoria e na prática, vive desta contradição existente entre, por um lado, a busca da objetividade (e da comparabilidade, no caso da avaliação externa) e, por outro, o caminhar no sentido da compreensibilidade (Pacheco et al., 2014, p.44)”. Há uma permanente circulação “entre o objetivo e o subjetivo, o quantitativo e o qualitativo, o sumativo e o formativo (Ibidem)”. Nas palavras de Sobrinho (2008, p.206), a avaliação “não separa o mundo objetivo e as visões subjetivas, não opõe os enfoques quantitativos e os qualitativos, nem separa os fatos dos valores.”

Desta forma, no âmbito da avaliação externa de escolas, “mesmo que não seja possível prescindir dos modelos de quantificação, presentes numa avaliação centrada em critérios e standards, (…) a avaliação de escolas requer uma interpretação de contextos e dinâmicas, nem sempre suscetíveis de serem padronizados (Pacheco et al., 2014, p.48), por se tratar de “realidade social única, que não funciona na base de receituários nem de lógicas de mera quantificação (Ibidem). Há ainda a necessidade de ajustar o equilíbrio entre o que a OCDE (2013, p. 385) chama de “scholl improvement” – melhoria da escola - e “school accountability”.

Para Pacheco et al. (2014, p.44), as teorias e paradigmas que sobressaem no modelo português de avaliação externa de escolas dependem “do modo como os resultados são lidos e trabalhados pela tutela, pela própria escola e pela comunidade”, não colocando de parte a hipótese de haver “escolas que atribuem um valor mais formativo e compreensivo ao relatório do que outras escolas, podendo interessar, a estas últimas, somente o registo quantitativo do número de bons e muito bons e àquelas uma análise crítica do seu funcionamento”.

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3.3. Impactos e efeitos da avaliação externa de escolas

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