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Capítulo III – A abordagem psicoeducativa

2. As intevenções psicossociais

2.4 Intervenções de carácter psicoeducativo

2.4.3 A avaliação familiar

No âmbito da humanização dos cuidados a família constitui uma unidade básica da sociedade, cujos membros estão motivados a cuidar uns dos outros, tanto física como emocionalmente.

Considerar a família alvo de estudo e intervenção implica que possa ser definida como uma unidade. Jackson (1981) apresentava e justificava assim esta evidência: “Temos necessidade de medidas que não reduzam a unidade familiar à soma dos indivíduos; temos necessidade de medir as características da unidade familiar (…) o todo é mais do que a soma das suas partes, é tudo o que nos interessa”.

Entender a família como um todo, implica que se considere continuamente dois aspectos: a sua individualidade e a sua complexidade. Cada elemento da família participa em diversos sistemas e subsistemas, ocupando em simultâneo vários papéis em diversos contextos, que implicam outros tantos estatutos, funções e tipos de interacção em variados graus de autonomia e importância. É impossível isolar o indivíduo do seu meio, ambos evoluem simultaneamente e mudam reciprocamente. Esta perspectiva sistémica da família leva-nos a esperar desta um desenvolvimento e complexificação. O desenvolvimento conduz a uma diferenciação estrutural, isto é, a mudanças na organização relacional, à criação e articulação de tarefas e posições de poder relativo aos diferentes subsistemas e a uma complexificação, ou seja, a alterações relacionadas, co-relativas, como resultado da interacção e da comunicação na sua vertente pragmática (Relvas, 1996).

Quadro 3 – Categoria 1: Estrutural Categoria 1 – Estrutural

Interna Composição familiar; Género; Posição na fratria (lugar que cada um toma na sua geração quando nasce); Subsistemas; Limites

Externa Família alargada; Sistemas alargados

Contexto Etnicidade; Raça; Classe social, Religião; Ambiente (Fonte: Adaptado de Wright e Leahey, 2002)

A avaliação familiar requer a utilização de instrumentos de colheita de dados que permitam conhecer a família e a sua dinâmica, de forma a potenciar a abordagem das equipas de intervenção psicoeducativas. O trabalho dos profissionais com a família é essencialmente interactivo e visa o estabelecimento de relação com a mesma. O Modelo de Avaliação Familiar de Calgary, desenvolvido por Wright e Leahey (2002), integra os contributos teóricos inerentes ao desenvolvimento das intervenções

psiceducativas. Este modelo organiza-se em três categorias: (1) estrutural, (2) desenvolvimental e (3) funcional, cada uma com subcategorias (

Quadro 3, Quadro 4, Quadro 5):

Quadro 4 – Categoria 2: Desenvolvimental Categoria 2 - desenvolvimental

Estádios Tarefas Ligações

(Fonte: Adaptado de Wright e Leahey, 2002)

Quadro 5 – Categoria 3: Funcional Categoria 3 - Funcional

Instrumental Actividades da vida diária

Expressiva Comunicação emocional; comunicação verbal; comunicação não verbal; comunicação circular; resolução de problemas; papéis; influências; crenças; alianças

(Fonte: Adaptado de Wright e Leahey, 2002)

A avaliação estrutural compreende três subcategorias: estrutura interna da família (identifica quem pertence à família, que significado é atribuído aos laços de pertença, avalia o funcionamento da família através de vários subsistemas que a compõe e identifica os limites que a família estabelece com o meio envolvente); estrutura externa (avalia a relação da família com pessoas externas a esta e outros sistemas, como a escola, o trabalho e as instituições de saúde); contexto (avalia as interacções entre os elementos da família no contexto das crenças familiares e padrões culturais, importância da classe social na definição de estilos de vida e comportamentos, e equaciona a influência da espiritualidade no estilo de vida e saúde da família). Para auxiliar a avaliação da estrutura interna e externa da família podemos recorrer a dois instrumentos valiosos, de utilização comum a outros profissionais de saúde: o genograma e o ecomapa, que têm como base fundamental a entrevista. O genograma é um diagrama que representa a constelação familiar e que, de forma fácil e rápida, nos dá uma noção da estrutura familiar e dos seus problemas. Por outro lado, o ecomapa é um diagrama dos contactos da família com outros elementos externos ao agregado familiar, como sendo a família alargada, a escola, o local de trabalho, as instituições de saúde, entre outros, permitindo também rapidamente ter uma

percepção da interacção entre os elementos da família e os vários elementos do sistema alargado (Carter e Mc Goldrick, 1989).

Na avaliação desenvolvimental da família, os terapeutas devem ser capazes de avaliar a etapa do ciclo vital em que a mesma se encontra, atendendo à sua história natural estruturada ao longo do tempo e durante o qual entram e saem novos membros. De acordo com a etapa do ciclo vital em que o doente e família se encontram, os terapeutas devem explorar os aspectos relacionados com as tarefas desenvolvimentais daquela etapa, assim como as ligações que se estabelecem entre os diferentes elementos. Esta avaliação deve ser realizada com sensibilidade, à medida que se estabelece uma relação de confiança com a família. Se tal for conseguido, aspectos importantes da história da família e da sua experiência podem ser revelados, nomeadamente, a forma como a família lidou no passado com doenças ou crises e a sua influência, positiva ou negativa, na situação actual.

A avaliação funcional deve contemplar dois aspectos: o instrumental e o expressivo, que se implicam mutuamente. O aspecto instrumental refere-se à avaliação da capacidade de resposta da família às actividades de vida diária, que são de extrema importância quando surge um problema de saúde. A avaliação do funcionamento expressivo nas diferentes subcategorias, tais como a resolução de problemas, as crenças, os papéis e as alianças, permite identificar e distinguir famílias emocionalmente saudáveis, das que experimentam uma dificuldade emocional superior ao habitual. Esta avaliação centra-se nas relações entre os diferentes elementos, sobretudo ao nível da comunicação.

O trabalho clínico com famílias nas quais existe uma doença crónica exige que os profissionais que intervêm com as famílias avaliem as suas próprias teorias sobre a família e a doença. Por exemplo, Peter Steinglass e Mary Horan (1988) identificam várias teorias que vêem as famílias como recursos ou como défices:

ƒ No modelo de recurso, o funcionamento familiar e apoio social positivo são redutores da gravidade da doença;

ƒ No modelo de défice, o stress familiar e padrões de interacção exacerbam a doença e impedem a qualidade dos cuidados.

ƒ As perdas vivenciadas na doença crónica devem ser abordadas, de modo a que a equipa de intervenção ajude a família a reconhecer os seus recursos, as suas qualidades e conquista.