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Capítulo II – O doente, a doença e a família

3. A rede social pessoal

Além da família, a rede social pessoal assume grande importância na vida e desenvolvimento do indivíduo e da família. Inicialmente o indivíduo relaciona-se de modo fusional com a primeira figura de vinculação (habitualmente a mãe ou o seu substituto) e progressivamente diferencia-se através da introdução do exterior. Esta tarefa de crescimento e desenvolvimento depende não só das variáveis pessoais, mas também do modo de transição entre as diferentes fases do ciclo vital do indivíduo. Por ser intrinsecamente sociável, o indivíduo conta com a rede social em que está inserido, como recursos mais ou menos activos ou disponíveis para o ajudarem nas tarefas de crescimento, principalmente nas fases de transição, momentos de mudança e crise. Desta forma torna-se pertinente explicar o que é a rede social pessoal, como se classificam as redes sociais, abordar as características e saber qual a sua importância.

3.1 Conceito

O conceito de rede social encontra-se historicamente associado à Antropologia e Sociologia, e mais tarde à Psiquiatria, à Psicologia e ao Serviço Social. O estudo da rede social em termos sistémicos, insere-se inicialmente num tipo de intervenção, que é a intervenção em rede (Speck & Attneave, 1990). Estes autores consideram que a rede social inclui o núcleo familiar e todos os parentes de cada integrante, mas também os amigos, vizinhos, colegas de trabalho e todos aqueles que, pertencentes a uma igreja, escola, organização assistencial ou qualquer tipo de instituição, atribuem uma ajuda significativa e demonstram capacidade e vontade de assumir o risco que implica a participação. Com o modelo de intervenção proposto pelos autores e o aprofundamento do estudo das redes sociais considerou-se redutor considerar os fenómenos psicopatológicos dum ponto de vista individual e/ou familiar, e alargando- se às dimensões sociais, políticas, económicas e culturais. A intervenção em rede respeita a visão do indivíduo como sistema único, inserido num sistema particular que, por sua vez, está inserido noutros sistemas cada vez mais vastos, isto é, num domínio da complexidade e da multidimensionalidade (Speck & Attneave, 1990).

Sluzki (1996:42) define rede social pessoal de um indivíduo como “o conjunto de relações que o indivíduo percebe como significativas ou que define como diferenciadas da massa anónima da sociedade”. Corresponde ao nicho interpessoal do sujeito, logo

para o seu auto-conceito. Assim, a rede social constitui uma das chaves da experiência individual de identidade, bem-estar e competência, contribuindo para a capacidade adaptativa do sujeito em situação de crise.

Sluzki (1996) considera que a rede social pessoal pode ser apresentada graficamente em forma de mapa (mapa de rede), no qual se incluem todos os sujeitos com os quais o indivíduo focal interage de modo significativo. Esse mapa é dividido em quatro quadrantes: família; amigos; relações de trabalho ou estudo; relações comunitárias, de serviços ou de religião (por norma subdividido em relações de vizinhanças e com instituições/técnicos). Sobre estes quadrantes inscrevem-se três círculos: um mais interior e próximo do indivíduo (que representa as relações mais íntimas); um círculo intermédio de relações pessoais com menor grau de compromisso (relações com contacto pessoal mas sem intimidade); um círculo externo de conhecidos e relações ocasionais (como conhecidos de escola, de trabalho, bons vizinhos, familiares afastados). O conjunto dos elementos representados nesse mapa constitui a rede social pessoal do indivíduo, num determinado momento, podendo ser enriquecida pelas ligações entre os elementos representados, caracterizando assim a dinâmica de interacção entre os seus membros, sendo essas ligações representadas por linhas rectas entre os membros que se conhecem entre si.

As redes sociais podem ser classificadas de acordo com algumas características, podendo ser consideradas como primárias e secundárias com base no tipo de vínculo relacional existente entre os membros (Sluzki, 1996). Uma rede primária refere-se ao conjunto de indivíduos em interacção com afinidades pessoais num quadro não institucional (relações entre familiares, amigos, vizinhos e colegas de trabalho/estudo). Os vínculos são de carácter afectivo, negativo ou positivo, não havendo qualquer sentido de obrigação ou formalidade na relação. Uma rede secundária alude ao conjunto de pessoas reunidas para cumprirem uma dada função num quadro institucionalizado, envolvendo relações de carácter formal e com objectivos funcionais ou de prestação de serviços. Dentro das secundárias podem ainda considerar-se as formais e as informais (por exemplo, uma associação de moradores), consoante a existência de um carácter mais ou menos oficial e estruturado.

3.2 Características

A rede social pessoal pode ser avaliada segundo (Sluzki, 1996): as suas propriedades globais ou características estruturais; as funções dos vínculos ou características funcionais; as propriedades específicas de cada relação ou atributos do vínculo.

Características estruturais

As características estruturais descrevem as características morfológicas básicas da rede, identificam os elementos e os padrões de relações que unem os indivíduos. Neste âmbito considera-se: tamanho da rede; densidade; composição ou distribuição; dispersão; homogeneidade/heterogeneidade.

Na composição ou distribuição é analisado quem compõe a rede e como é que esses elementos se distribuem pelos vários quadrantes. Existem quatro quadrantes principais (Sluzki, 1996) que são: a família, as amizades, as relações profissionais/escolares (colegas) e as relações comunitárias, de serviço o religiosas. Pode assim analisar-se a proporção ocupada por cada quadrante na rede e em cada círculo do mapa de rede. As redes muito localizadas, em determinado quadrante na rede ou círculo, são menos eficazes e flexíveis apresentando menos opções para os seus membros aumentando a dependência, enquanto que redes mais amplas apresentam mais inércia perante a necessidade de activação (Sluzki, 1996).

O tamanho de uma rede refere-se ao número de indivíduos que a constituem, considerando o número de indivíduos que mantêm contacto pessoal com o indivíduo central (Barrón, 1996). Esta característica influencia a eficácia da rede, uma vez que uma rede de tamanho médio (na Europa considera-se uma rede normal média com um número de 25 indivíduos, nos Estados Unidos da América (EUA) Ross von Speck aponta para um número de 60 a 70 indivíduos) é mais eficaz do que uma rede pouco ou muito numerosa (Sluzki, 1996). As redes pouco numerosas são menos eficazes em situações de sobrecarga ou de tensão de longa duração, porque implica um evitamento de contacto dos indivíduos entre si para evitar a sobrecarga, ou por outro lado, podem ficar sobrecarregados. As redes muito numerosas correm o risco de passividade, por suporem que alguém se ocupará de determinado problema, delegando por excesso. O tamanho da rede depende de alguns factores, como as migrações e recolocações (que reduzem o seu tamanho, por diminuição da acessibilidade entre os seus membros) e também o ciclo vital (os idosos vão progressivamente reduzindo a sua rede por desgaste ou morte dos seus elementos, assim como pela falta de acesso a uma renovação da mesma).

A densidade da rede refere-se à quantidade de ligações que existem entre os vários elementos da rede, independentemente do indivíduo em torno do qual se estabeleceu a rede. Uma rede de densidade média favorece a máxima efectividade do grupo porque permite a troca de impressões. Uma rede com um nível de densidade elevado favorece a conformidade podendo implicar a exclusão do indivíduo, apresentando um maior grau de inércia e menor efectividade. Uma rede com um nível

de densidade diminuto reduz a sua efectividade por falta do efeito potenciador da troca de impressões entre elementos.

A dispersão relaciona-se com a acessibilidade dos vários elementos da rede (distância geográfica), determinando a sensibilidade da rede a variações espaciais do indivíduo, bem como a eficácia e a rapidez de resposta da própria rede perante situações de crise.

A homogeneidade ou heterogeneidade demográficas e socioculturais incluem semelhanças ou diferenças ao nível de variáveis como a idade, sexo, cultura e nível socioeconómico, que pressupõem determinadas vantagens ou inconvenientes relativamente à identidade, reconhecimento de sinais de stresse, activação e utilização da rede. A este nível as redes homogéneas como aquelas cujas interacções mais reforçam os elementos constituintes das mesmas (Barrón, 1996).

Características funcionais

As características funcionais caracterizam as funções exercidas pelos vínculos anteriormente identificados. Embora frequentemente interligadas, é possível distinguir seis funções: companhia social (realização de actividades conjuntas, estar juntos ou partilhar a rotina do quotidiano); apoio emocional (refere-se a trocas que conotam uma atitude emocional positiva, um clima de compreensão, simpatia, empatia, estímulo e apoio); guia cognitivo (refere-se às interacções destinadas a partilhar informação pessoal ou social, a clarificar expectativas e a fornecer modelos de papéis, o que pressupõe, uma relação de confiança); regulação ou controlo social (considera as interacções que relembram ou reafirmam responsabilidades e papéis, neutralizando os desvios de comportamento que se afastem das expectativas colectivas, dissipando a frustração e a violência, favorecendo a resolução de conflitos, sendo exemplo disso os ritos ou rituais sociais); ajuda material e de serviços (considera-se a colaboração específica de técnicos especializados ou ajuda física, incluindo os serviços de saúde, apoio técnico ou de serviços, fornecer ajuda monetária, efectuar tarefas domésticas. Barrón (1996) divide esta função em duas vertentes, a primeira refere-se às acções que facilitam a realização das actividades de vida diária o que implica a diminuição da carga do indivíduo a segunda refere-se a uma colaboração que tem subjacente um conhecimento técnico, prestado por membros da rede que estão ligados a serviços ou instituições); acesso a novos contactos (refere-se à abertura das conexões a outros indivíduos ou redes que até então não faziam parte da rede social do indivíduo, ou realizavam contactos pouco frequentes).

Os atributos do vínculo

Os atributos dos vínculos reportam-se às propriedades específicas de cada relação, ou de cada vínculo, sendo possível distinguir, fundamentalmente, três atributos diferenciados: multidimensionalidade e versatilidade (quantas e quais dessas funções são desempenhadas ou não), reciprocidade (se o tipo de função que se recebe é o mesmo que se fornece, ou se é equivalente) e frequência de contactos (o facto dos elementos se encontrarem a uma grande distância geográfica implica uma maior solicitação para manter activo o contacto de modo a manter a intensidade do mesmo). Barrón (1996) na sua abordagem às características das redes sociais e apoio social enfatiza o apoio social e apresenta a sua abordagem com base em três perspectivas: perspectiva estrutural (tamanho da rede, densidade, reciprocidade, homogeneidade); perspectiva funcional (apoio emocional, apoio material ou instrumental, apoio informacional); perspectiva contextual (características dos participantes, momento em que se dá o apoio, duração e finalidade).

A identificação destas variáveis da rede social permite não só a visualização da própria rede como orienta no modo de a ela aceder com objectivos terapêuticos, quer por permitir a selecção mais adequada da parte (ou todo) a activar, desactivar ou modificar em momentos de crise, quer porque potencia um conjunto de recursos que determinado indivíduo pode utilizar na realização de tarefas internas ou do seu meio. O indivíduo perante um diagnóstico de doença crónica poderá necessitar da activação da rede primária, da rede secundária, ou de ambas.

4. Doente crónico e família em relação com o sistema de cuidados de