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Capítulo II – O doente, a doença e a família

2. Impacto da doença crónica no paciente e sua família

2.3 Impacto da doença crónica na família

2.3.4 Derivados das características da doença

Existem impactos específicos relacionados com a natureza da doença designadamente: começo, curso, resultado, fases, nível em que exige cuidados e estigma (Rolland, 1988; Jacobs, 1992).

Começo

Relativamente ao começo as doenças podem dividir-se em doenças com um princípio agudo ou com um princípio gradual. O ajuste dos indivíduos e da família a um princípio agudo exige a mobilização de recursos num tempo menor. Quando a doença é gradual, a variação distribui-se ao longo de um tempo maior. Nas doenças de princípio agudo, por norma, a família desgasta-se com maior velocidade ao ter que compatibilizar a manutenção da sua identidade com a atenção a uma doença exigente.

Curso

O curso da doença pode tomar três formas gerais: progressivo (por exemplo, diabetes juvenil, doença de Alzheimer); constante (tais como, amputações e enfartes); ou por recaídas (como as colites ulcerosas, asma e úlceras péptidas).

Uma doença progressiva requer uma adaptação e uma variação contínua com o perigo de debilitar os recursos da família e do cuidador primário que têm de adicionar constantemente novas tarefas às suas funções de cuidadores. Quando os períodos de alívio são mínimos complica-se ainda mais a situação.

Nas doenças de curso constante, o doente sofre um início mais ou menos agudo do qual se recupera, pelo menos em parte, depois do qual a doença se estabiliza deixando algum défice ou limitação. A família depara-se com mudanças a diversos níveis, cuja duração se prolonga por tempo indefinido, provavelmente para o resto da vida.

As doenças com recaídas caracterizam-se pela alternância de períodos estáveis de duração variável com poucos sintomas, durante os quais a família pode desenvolver as suas rotinas, com períodos de exacerbação. As famílias vivem a constante ameaça de uma recaída, necessitando de flexibilidade que lhes permita responder às situações de crise e mover-se depois num funcionamento mais normal. Uma maior frequência das crises enfraquece as forças e coloca a família na expectativa de quando será a próxima recaída.

Resultado

Quanto ao resultado, uma doença pode não ter influência no tempo de vida, encurtá-lo ou ser fatal a curto, médio ou longo prazo. Quando a morte é um resultado previsível a morte é fundamental avaliar o seu impacto psicossocial. Naquelas doenças que ameaçam a existência, o doente pode pensar que ainda não completou os seus projectos de sua vida ou que morrerá sozinho. Os familiares podem temer ficar isolados, ou emocionalmente muito sós se perderem aquele familiar. Para ambos, a adaptação à doença é ainda mais abalada pela antecipação da despedida (luto antecipado) (Rolland, 1993). Há, igualmente, tendência para ver o doente “já morto”, o que acarreta respostas adaptativas incorrectas que deixam o doente à margem de responsabilidades importantes. Neste caso, o doente fica isolado tanto estrutural como emocionalmente, do resto da família. Este isolamento correlaciona-se com maior encurtamento da vida. Para aquelas doenças que encurtam a vida ou que podem provocar a morte súbita, o imprevisto da morte pode levar à sobreprotecção com ganhos secundários para o doente.

Incapacidade

A incapacidade pode ser de vários tipos (por exemplo, cognitiva, física ou estética), combinar esses aspectos e assumir diversos graus (ligeira, moderada ou severa). Em certas doenças progressivas, a incapacidade é um resultado inevitável a longo prazo que complica as últimas fases da doença. Por sua vez, quando aparece no final, permite à família ir criando recursos com antecedência. Os problemas que dão lugar à incapacidade dependem da interacção entre o tipo de incapacidade, os papéis exercidos pelo doente antes da doença, o que se espera do doente, a estrutura familiar, a capacidade de mudança e os recursos disponíveis.

Fases da doença crónica

A doença crónica caracteriza-se por três fases (Rolland, 1990): crise, crónica e terminal. Cada fase tem inerentes tarefas psicossociais específicas.

A fase de crise compreende todo o período prévio e posterior ao diagnóstico. O período prévio ao diagnóstico existe alguma manifestação dos sintomas, criando na família a sensação de que algo vai mal, mesmo sem conhecer a natureza exacta do problema. Nesta altura são reconhecidos os sintomas e os factores de risco que fazem com que a pessoa manifeste a doença, sendo necessário desenvolver estratégias para lidar com o medo. As tarefas neste momento são: reconhecer os perigos e os riscos, aprender a lidar ou a conviver com a incerteza ou com a ansiedade e desenvolver estratégias de recuperação da saúde.

Realizado o diagnóstico, a família e o paciente têm de resolver outras tarefas: aprender a conviver com a dor, a incapacidade ou outros sintomas relacionados com a doença; aprender a conviver com o ambiente hospitalar e seus procedimentos relacionados com a doença; estabelecer e manter uma relação de trabalho com a equipa de profissionais; dar à doença um significado que lhe permita um certo controlo e sentido competência; realizar o luto pela perda de identidade familiar prévia; aceitar a mudança permanente, enquanto mantêm um sentido de continuidade entre o passado e futuro; ajudar a ultrapassar crises iminentes de reorganização; e desenvolver uma certa flexibilidade para poder enfrentar o inesperado.

Uma vez conhecido o diagnóstico, o doente e sua família têm de tomar uma série de decisões. As tarefas podem resumir-se nas seguintes: compreensão da doença; examinar e maximizar a saúde e o estilo de vida; maximizar as potencialidades e limitar as debilidades; desenvolver estratégias para gerir os problemas criados pela doença; examinar as fontes internas e externas de recursos; explorar o efeito da doença no indivíduo (como afecta a auto-imagem) e nas relações com os outros; expressar os sintomas de medo e ansiedade; integrar o diagnóstico na história passada.

A fase crónica abrange o período de tempo entre o diagnóstico e a fase terminal, ou no caso desta não ser previsível ocorre para o resto da vida. É uma fase marcada pela constância, a progressão e a mudança em que a família e o doente lutam diariamente com a doença e tratamentos e têm de aceitar as mudanças permanentes que a doença introduziu nas suas vidas.

Uma das tarefas mais importantes é a de manter a máxima autonomia dos membros da família perante uma maior dependência que pressupõe a doença. Se a doença é fatal, a família experimenta um período emocionalmente forte, aproveitando todos os momentos que restam com o seu ente querido. Se a doença é claramente incapacitante a família vive esse momento como um problema sem fim. A família pode sentir que a sua única possibilidade de voltar a viver em paz, sem este tipo de angústias, é quando o membro doente falecer. Nesta altura ocorrem ambivalências normativas que geram sentimentos de culpa. As tarefas da fase crónica são: enfrentar os sintomas e os efeitos secundários; desenvolver estratégias para manter a qualidade de vida; prevenir e resolver as crises relativas à doença; gerir o stresse e reanalisar as estratégias de enfrentamento; maximizar o apoio social e reduzir o isolamento social; normalizar a vida apesar da doença; resolver os problemas económicos derivados da doença; redefinir as relações com os outros durante a doença; expressar os sentimentos e os medos. Durante esta fase crónica podem dar-se recuperações, se tal acontecer é necessário realizar algumas tarefas adequadas a este período: resolver

efeitos psicológicos, sociais e físicos da doença; enfrentar os medos e a ansiedade relacionadas com a possibilidade de uma recaída; revisão da vida e dos problemas relacionados com os estilos de vida; redefinir a relação com os cuidadores.

A fase terminal envolve o período pré-terminal, no qual a morte começa a ser expectável e domina a vida familiar, e inclui os períodos de luto e solução do luto. Esta fase ocorre quando a morte inevitável se torna aparente e domina a vida, ocorrendo com frequência lutos antecipatórios que podem ter início em fases anteriores. A família sente a perda do elemento doente, sofrendo com ele e com aquilo que não vai poder viver com ele. O doente antecipa a perda da família vivendo a angústia do que não pode fazer ou já não vai poder viver. Torna-se inevitável lidar com a separação, morte, luto e reorganizar a vida familiar para depois da morte. Viver este período de forma saudável implica partilhar o tempo precioso que resta, lidar com assuntos inacabados e dizer adeus.

As tarefas desta fase consistem em: aliviar os sintomas e dor; lidar com os procedimentos médicos e institucionais; enfrentar o stresse e rever as estratégias de enfrentamento; apoiar os cuidadores; preparar-se para a morte e despedida; preservar as relações com amigos e familiares; expressar os sentimentos e os medos; encontrar sentido para a vida e para a morte.

Os períodos críticos de transição que ligam as quatro fases são momentos em que as famílias reavaliam a adequação da sua estrutura de vida prévia, face às novas exigências da doença e tratam de assuntos inacabados de fases anteriores.

Grau de cuidados que a doença exige

A supervisão da doença e do doente pode condicionar a autonomia da família e do doente (por exemplo, efectuar análises diárias do nível de açúcar, administração de medicação e actividade física). O problema é particularmente importante nas populações que negam o auto-controlo, como os adolescentes ou quem abandona a medicação, e nas famílias cujos sistemas de valores enfatizam em demasia a autonomia dos seus membros.

Estigma

Os limites da família são profundamente afectados quando se deparam com uma doença que acarreta elevado estigma social, pois tende a diminuir ou cessar os contactos sociais, recusando ou limitando a informação sobre a doença a outras pessoas. Por exemplo, evitam convidar os amigos para sua casa, o que origina o aumento de sentimentos de vergonha e a estabilização de mitos prejudiciais.

As tarefas a realizar nestas circunstâncias são (Rolland, 1988; Jacobs, 1992): responder às necessidades físicas da doença; desenvolver medidas para enfrentar a

doença; preservar o auto-conceito e as relações com os outros, apesar da doença; e resolver os problemas afectivos, existenciais e espirituais reactivados pela doença.