• Nenhum resultado encontrado

Capítulo I -A doença crónica

3. A tipologia psicossocial do cancro e do acidente vascular cerebral (AVC)

3.2 O acidente vascular cerebral (AVC)

3.2.2 Classificação

A classificação dos AVC’s é feita com base nas suas causas etiológicas, podendo assumir três tipos: isquémicos (acidentes isquémicos transitórios – AIT), lacunares e hemorrágicos.

Os AIT’s surgem devido à interrupção temporária do suprimento sanguíneo ao cérebro (embolia cerebral), podendo os sintomas de deficiência neurológica perdurar apenas por alguns minutos ou por diversas horas. Depois de terminada a agressão, não há evidência de lesão cerebral residual ou de disfunção neurológica (O'Sullivan, 1993). Entende-se por embolia cerebral, a oclusão de uma artéria cerebral por partículas estranhas que previamente entram no sistema arterial (representam 15% a 20% dos AVC’s isquémicos) (Sabin, 1995). Os AIT’s são disfunções neurológicas de causa vascular (indicação de doença trombótica) por isquémia cerebral transitória, geralmente associados a espasmos do vaso cerebral ou hipotensão arterial sistémica e são a causa mais comum da trombose cerebral (75% do total), daí a necessidade da identificação do mecanismo fisio¬patológico, procurando o controlo imediato da situação clínica e visando uma intervenção futura no âmbito da prevenção.

Caldas (1996) afirma que 22% a 51 % dos doentes com AIT, vêm a sofrer de AVC no prazo de 5 anos. O'Sullivan (1993) refere que o AIT é responsável por 57% dos AVC’s. Um AIT é um marcador seguro de doença vascular generalizada, pelo que necessita de encaminhamento para a avaliação, diagnóstico e tratamento adequado, procurando desta forma prevenir a potencial ocorrência do acidente vascular cerebral.

Os AVC’s lacunares são enfartes muito pequenos (não superiores a 15 mm), que ocorrem somente onde as arteríolas perfurantes se ramificam dos grandes vasos, na região dos gânglios da base, na cápsula interna e no tronco cerebral. Ocasionam, uma

das cinco síndromes: hemiplégia motora pura, hemi-síndrome sensitivo puro, síndroma sensitivo¬motor, disartria e hemiparésia atáxica (Martí- Vilalta & Arboix, 1995).

Os AVC’s hemorrágicos dividem-se em: hemorragia intracerebral e hemorragia subaracnoideia (Wade, 1988).

As hemorragias intracerebrais ocorrem pela passagem de sangue para os tecidos do cérebro e acontecem por ruptura de um dos vasos cerebrais, com consequente sangramento para o cérebro, provocados por ruptura hipertensiva de um dos vasos cerebrais. O fundamental na produção da lesão é o desenvolvimento de urna na área isquémica cujo volume excede várias vezes o volume da hemorragia (Lecinana & Diez- Tejedor, 1998). Pode ser causada por hipertensão, arteriosclerose ou ocorrer por malformação vascular. A morte celular resulta da presença nos tecidos de constituintes do sangue e agentes químicos no sangue, do aumento da pressão resultante do coágulo em crescimento ou da ruptura do fluxo sanguíneo distal (Black &, Matassarin-Jacobs, 1996).

A hemorragia subaracnóideia ocorre a partir do sangramento para o espaço subaracnóide, podendo ser espontânea (causada por uma ruptura de um aneurisma saculado ou malformação arteriovenosa) (O'Sullivan, 1993). Esta lesão hemorrágica pode ser secundária a uma hemorragia intracerebral ou a um traumatismo (Toole, 1979). A hemorragia maciça resulta frequentemente de doença cardio-renal hipertensiva, com o vaso enfraquecido por aterosclerose. A morte em poucas horas ocorre, com frequência, na sequência de um sangramento cerebral maciço, como resultado de um rápido aumento da pressão intracraniana e do deslocamento e compressão do tecido cortical adjacente (O'Sullivan, 1993).

A sintomatologia do AVC depende de vários factores, incluindo: localização do processo isquémico, tamanho da área isquémica, natureza e funções da área envolvida e disponibilidade de um fluxo sanguíneo colateral. A sintomatologia pode, ainda, variar com a rapidez de oclusão de um vaso sanguíneo, pois oclusões lentas permitem que vasos colaterais assumam a circulação (Ryerson, 1984). O vaso afectado mais frequentemente é a artéria cerebral, seguindo-se a carótida interna (Schenk & Nosses, 1990).

Os principais factores de risco de AVC são os conducentes ao desenvolvimento de aterosclerose. Algumas condições e hábitos de vida ocorrem com maior frequência em indivíduos que apresentam a aterosclerose em comparação com a população geral. O conceito de factor de risco implica que o indivíduo com pelo menos um factor de risco apresente uma maior probabilidade de desenvolver um evento aterosclerótico, em

detrimento de um que não apresente factor de risco, sendo que, a presença em simultâneo de vários factores de risco acelera a aterosclerose (Harrison et al., 1998).

Conhecendo os factores de risco para a doença vascular é possível reduzir a incidência do AVC diminuindo a prevalência dos mesmos factores de risco na população, identificando os indivíduos no sentido de serem tratados de acordo com as recomendações do grupo de estudos das doenças cerebro-vasculares da Sociedade Portuguesa de Neurologia (1997).

3.2.3 Tratamentos

A primeira intervenção da equipa de saúde visa identificar o tipo de ajuda requerido pelo doente, através da análise das suas capacidades na realização de actividades. De seguida, os cuidados são organizados de acordo com o grau de (in)dependência do doente em cada actividade. A (in)dependência relaciona-se, principalmente, com o grau de lesão cerebral, mas é fortemente influenciada pela motivação do doente.

A intervenção da equipa de saúde na fase aguda envolve a resposta ao perigo de vida, sendo necessário implementar medidas, tais como: monitorização e controle de sinais vitais; controle do equilíbrio hidro e electrolítico; manutenção das vias aéreas livres; colheitas de sangue doseamento da gasimetria arterial; controlo da tensão arterial; controlo da temperatura corporal; monitorização da diurese; cateterismo de uma veia periférica (não puncionar o braço afectado).

Em geral, os doentes começam por ser tratados com o repouso no leito. Ocasionalmente, é possível que os sinais neurológicos de um doente piorem quando ele se mantém de pé, sentado ou quando levanta a cabeça (Caplan, 1993). O objectivo da terapêutica é a prevenção secundária, isto é, prevenir novo AVC e outros acontecimentos vasculares, incluindo a morte por causa vascular, após um acidente isquémico ou após o primeiro AVC (Ferro et al., 1998)

Aproximadamente, 25% dos doentes pioram durante as primeiras 24h a 48h após a hospitalização, sendo a deterioração difícil de prever, por isso se deve considerar todos os doentes em risco de piorar neurologicamente. O profissional de saúde deve estar atento para observar e reconhecer rapidamente as flutuações do estado neurológico do doente.

O cérebro humano possui um intenso metabolismo, que depende totalmente do aporte sanguíneo, pois praticamente não existe reserva de glicose ou oxigénio. A interrupção da circulação por 30 segundos causa diminuição do metabolismo neuronal, em dois minutos esta cessa e cinco minutos depois ocorre o início da morte celular.

No enfarte cerebral agudo, logo após a cessação do fluxo arterial cerebral, a nível global ou focal, desencadeia-se um processo de lise celular, devido às alterações metabólicas induzidas pela isquémia. A precocidade do tratamento nas diversas etapas metabólicas pode levar à diminuição da zona de enfarte e da zona perilesional, que conservam a integridade iónica num período de 3-4 horas. Daqui resulta a noção de “janela terapêutica”: período durante o qual o início de um tratamento (médico/cirúrgico) leva à diminuição da lesão cerebral e/ou da recuperação do doente, englobando a janela de reperfusão (período durante o qual a recirculação reverte completamente a isquémia, sem sequelas); e a janela de citoprotecção (período durante o qual pode haver reperfusão das células isquemiadas que já iniciaram o processo de citólise) (Rosas, 1997).

Um dos importantes componentes do tratamento de emergência é a manutenção de uma oxigenação adequada dos tecidos (Adams et al., 1995). Da hipoxia resulta o metabolismo anaeróbico e a exaustão das reservas de energia, capazes de aumentar a extensão das lesões cerebrais e piorar os resultados. As causas mais comuns de hipóxia são a obstrução parcial das vias aéreas, a hipoventilação, a pneumonia de aspiração e a atelectasia. A protecção das vias aéreas e a assistência ventilatória são componentes cruciais para ressuscitar os doentes graves (com um estado de consciência diminuído). Nestas circunstâncias, deve-se colocar um tubo endotraqueal se as vias aéreas se encontrarem ameaçadas. Não existem elementos que confirmem serem benéficos os suplementos de oxigénio, pelo que não há razão para se administrar rotineiramente esta terapêutica. No entanto, deve ser administrado sempre que houver sinais de hipoxia, detectados mediante determinação dos gases no sangue ou quando houver outras razões para se fornecerem suplementos de oxigénio.

Num doente com AVC isquémico, que na admissão hospitalar apresenta hipertensão arterial, esta não deve baixar-se bruscamente pois pode causar hipoperfusão cerebral e agravar a zona de isquémia (Adams et al., 1995; Rosas, 1997). A elevação da pressão arterial pode resultar do stresse do acidente, da bexiga cheia, de dores, de hipertensão subjacente, duma reacção fisiológica à hipoxia cerebral ou de maior pressão intracraniana. A pressão arterial pode descer quando se: muda o doente para uma sala sossegada; é esvaziada a bexiga; são controladas as dores; ou descansa.

Nos casos de hipertensão severa, deve proceder-se cuidadosamente à sua diminuição para evitar que o estado neurológico se agrave. Pode justificar-se a utilização precoce de medicamentos por via parentérica, quando a pressão arterial alta se associa a transformação hemorrágica, enfarte do miocárdio, insuficiência renal decorrente da hipertensão acelerada ou da dissecção da aorta torácica. Em geral, os

medicamentos anti-hipertensivos devem ser abandonados, a não ser que a pressão média calculada (a soma da pressão sistólica com o dobro da pressão diastólica, dividida por três) seja superior a 130mmHg ou que a pressão arterial diastólica seja superior a 220mmHg.

Não existem elementos clínicos acerca da utilidade da hipotermia ou dos antipiréticos, no entanto em estudos experimentais constata-se que a diminuição da temperatura do corpo reduz a extensão do enfarte. Deve determinar-se a origem de qualquer febre que ocorra após o enfarte e tratá-la com produtos antipiréticos.

Ainda permanece uma incógnita sobre se a hiperglicémia piora os acidentes cerebrovasculares. Em alguns estudos verificou-se uma correlação de mau prognóstico entre um AVC e um elevado nível de glicose no sangue (Pulsinelli et al., 1985). O tratamento de um elevado nível de glicose no sangue em vítimas de AVC deve ser semelhante ao aplicado a outras pessoas com elevados níveis igualmente. Reciprocamente, a hipoglicémia pode causar sintomas focais similares ao AVC, nesta situação, a administração precoce de glicose pode reverter esses sintomas (Adams et al., 1995).

A terapêutica aguda do enfarte cerebral assenta na utilização criteriosa de vários fármacos. Talvez o factor mais importante para o seu sucesso seja o rápido reconhecimento da situação e a chegada rápida do doente a um centro vocacionado para o tratamento do enfarte cerebral (Urgência Cerebrovascular), que têm demonstrado conseguir diminuir a mortalidade e morbilidade, assim como as intercorrências e controlar os custos (Rosas, 1997).