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Capítulo III – A abordagem psicoeducativa

3. O Programa de intervenção psicoeducativa – O proFAMÍLIAS

3.2 O proFamílias

3.2.1 Pressupostos dos grupos multi-familias

O proFamílias tem subjacente os seguintes pressupostos: a doença crónica afecta cada membro da família e a família como unidade; à medida que a doença progride instala-se o seu domínio sobre a vida familiar; os membros da família geralmente experienciam isolamento social e emocional; e existe relação entre o estilo familiar e a doença que mutuamente se afectam (Sousa, 2004).

A doença crónica afecta cada membro da família e a família como unidade

O aparecimento de uma doença crónica (como o cancro e AVC) num membro de uma família provoca um impacto não apenas a nível individual (o paciente) mas também a nível familiar (os vários componentes individuais que interagem ao longo da vida em comum e que constituem a unidade familiar) colocando exigências à família que podem rivalizar em importância e consequências negativas com a condição física do paciente (Rolland, 1987, 1993; Welch, Wadsworth & Compas, 1996; Duhamel, 1995; Berkman et al., 1992).

O diagnóstico de uma doença crónica é uma crise de vida significativa para o doente e família (McDaniel, Hepworth e Doherty, 1994) por: falta de preparação para as alterações físicas, alterações entre períodos de estabilidade e de crise e a incerteza do futuro. A doença crónica exige novos mecanismos de coping, mudanças nas definições próprias de doente e família e períodos longos de adaptação. O paciente com a doença está sujeito a diversas perdas, incluindo saúde física e funcional, perda de papéis de responsabilidades, perda de sonhos e a possibilidade de aumentar a esperança de vida. Por seu lado, as famílias também experienciam perdas significativas e consideram-se diferentes, como famílias com “pouca sorte”.

Uma vez conhecido o diagnóstico, o doente e sua família têm de tomar uma série de decisões que se podem resumir em: compreensão da doença; examinar e maximizar a saúde e o estilo de vida; maximizar as potencialidades e limitar as debilidades; desenvolver estratégias para gerir os problemas criados pela doença; examinar as fontes internas e externas de recursos; explorar o efeito da doença no

sintomas de medo e ansiedade; integrar o diagnóstico na história passada (Gongora, 1996).

À medida que a doença progride instala-se o seu domínio sobre a vida familiar Normalmente, as necessidades das famílias estão subordinadas às necessidades e exigências da doença. Uma resposta centrada na doença, adaptativa na fase aguda, pode não o ser quando a condição clínica progride para uma fase crónica. As necessidades práticas e emocionais de outros membros da família e do doente minimizam-se ou negam-se, com um previsível aumento do stress e da frustração, e com um empobrecimento do poder comunicacional no seio da família (Gonzalez, Steinglass & Reiss;1987).

Na doença crónica é necessário que o significado da doença permita manter o sentido de competência e controle. O que normalmente acontece às famílias são duas situações: dão-lhes explicações biológicas ou outras que implicam uma responsabilidade pessoal, num contexto psicossocial vago ou inexistente. As famílias têm necessidades de procedimentos preventivos e psicoeducativos que as ajudem a antecipar as tarefas normativas dos diferentes estadios da doença permitindo-lhes o domínio e controle.

Na presença de uma doença crónica e sob uma perspectiva normativa sistémica as famílias necessitam de:

(i) perceber a doença sob uma forma psicossocial e sistémica, o que significa compreender a evolução da doença e o padrão normal que se espera de procedimentos práticos e afectivos, isto inclui um marco temporal que especifique as tarefas associadas às diferentes fases da doença;

(ii) terem a noção de que são unidades funcionais em termos sistémicos;

(iii) ter em conta os estadios evolutivos individuais e familiares de forma a poderem responder às diferentes alterações do desenvolvimento individual e familiar compatibilizando-as com as necessidades de uma doença crónica; (iv) entender as crenças que guiam o sistema de cuidados que constroem, o que

inclui os princípios que definem os papéis, as regras de comunicação, as definições de êxito e de controle e o encaixe com os profissionais de saúde. A compreensão de todas estas áreas permite uma visão holística da doença e da família como um sistema funcional composto pela família e pela saúde-doença que evoluem paralelamente no tempo.

Como resposta à doença crónica ou à exarcebação desta a família desenvolve alterações emocionais criando ligações entre alguns membros que se centram em lidar com a doença e nos cuidados que esta exige, o que implica o afastamento de outros membros com consequências negativas nas interacções familiares (Gonzalez, Steinglass & Reiss;1987).

Relativamente às respostas à doença crónica, é importante evitar assumir que todas as doenças têm o mesmo efeito na família ou que cada doença e família necessitam de ser tratadas completamente como únicas (McDaniel, Hepworth & Doherty, 1994). A reacção emocional e instrumental a qualquer doença é um processo transaccional que começa no choque inicial e eventual negação e vai até à assimilação gradual da informação e ajustamento ao novo estado da doença. Durante este processo os indivíduos podem reagir de modos muito diferentes. Acresce que uma doença física pode ter como complicações psiquiátricas, distúrbios de ajustamento, estados de ansiedade, estados depressivos e disfunção sexual.

Não é apenas a doença que influencia o sistema familiar, mas também a qualidade de vida (Burman & Murgobin, 1992). As interacções familiares podem promover um melhor ajustamento à doença, ao tratamento e favorecer a reabilitação. Isto porque se a família está envolvida com o paciente durante a doença, a dinâmica e interacção familiar surgem como uma plataforma para a promoção das interacções sociais com os amigos, colegas de trabalho e prestação de cuidados de saúde (Bloom, 1986). Se o paciente diminuir os contactos sociais, ficando impedido de continuar a participar na vida social, a família pode ser a única a interagir com o paciente. Por outro lado, a família também pode isolar-se dos amigos e família por se centrar excessivamente nos aspectos da gestão da doença (existe a crença implícita de que conversar sobre a doença tem um efeito negativo para o paciente e para a vida familiar) (Sousa, Mendes & Relvas, 2007).

A rigidez da forma de lidar com a doença sustém-se, em parte, pelo relativo isolamento para enfrentar as necessidades de uma doença crónica. Poucas famílias têm tido um contacto constante com outras famílias com doentes crónicos. Crêem que as famílias sem doentes crónicos não entendem as necessidades práticas e emocionais resultantes da situação e que têm que enfrentar no seu quotidiano. Inclusivamente, famílias muito numerosas e com uma boa rede social tendem a ocultar a doença para se manterem “o mais normal possível”. Mesmo que se trate de algo adaptativo, esta atitude priva-as de encontrar perspectivas alternativas e de formas diferentes de lidar com a doença. Os programas médicos de tratamento, inclusivamente aqueles que contêm uma componente educativa, geralmente não diminuem o isolamento da família. Normalmente, estes programas oferecem uma grande quantidade de

informação sobre a doença e o regime de tratamento, mas têm pouco em consideração o desafio que implica a incorporação da vida familiar e da condição médica em simultâneo, mantendo um equilíbrio com outras necessidades evolutivas familiares (Gonzalez, Steinglass & Reiss;1987).

Existe relação entre o estilo familiar e a doença que mutuamente se afectam As famílias perante uma situação de doença crónica e com o agravamento da situação assumem padrões de enfrentamento rígidos, que se mantêm mesmo quando a forma de enfrentamento é disfuncional, porque qualquer reajuste da sua estrutura precária de enfrentamento da doença poderá implicar o desmoronamento da situação (Gonzalez, Steinglass & Reiss;1987).

Com o evoluir da situação os padrões das relações familiares tornam-se menos flexíveis. As famílias mesmo tendo a percepção de que a gestão desenvolvida em torno da situação não seja a mais adequada continuam a mantê-la por temerem que qualquer mudança possa intervir na sensação de controlo que estão a viver mesmo tendo a noção de que não é satisfatória. Isto pode ser agravado pela percepção de impotência e castigo (na tradição judaico-cristã) face à doença crónica que surgiu (Sousa, Mendes & Relvas, 2007).

Numa fase inicial da doença a família centra-se nos sintomas físicos do paciente e no tratamento da doença, Rolland (1988) define esta fase como a situação inicial ou de crise. Nesta fase predominam os receios pelo futuro essencialmente relacionados com a morte do paciente, mas também surgem sintomas como a raiva, de humor depressivo, agressão e negação (Blank et al., 1989). Após esta fase inicial podem surgir duas situações impostas pelo desenvolvimento da doença do paciente: i) após terminar os tratamentos e a alta hospitalar, a família retoma as rotinas e dinâmicas familiares; ii) se a doença progride, a família é obrigada a alterar a sua organização, uma vez que o paciente se torna dependente, obrigando a modificar os papéis familiares, podendo o doente ser excluído. Estes comportamentos de exclusão, super- protecção e grande ansiedade, podem levar o paciente a sentir-se um fardo (Petter- Golden, 1982; Wortman, 1984). Tal pode ser negligenciado pela tendência para que todos os sintomas do paciente sejam interpretados como uma progressão da doença, enquanto o sistema familiar aguarda “as pioras”. Este estado é descrito como standing by (Stetz, 1987). Na fase terminal existe uma dependência total do paciente e a eminência da morte. Apesar do ajustamento poder levar à melhoria da interacção familiar, acontece alguma deterioração, comparada com o estado pré-mórbido (Litman, 1974).