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Capítulo II – O doente, a doença e a família

2. Impacto da doença crónica no paciente e sua família

2.3 Impacto da doença crónica na família

2.3.1 Estruturais

O impacto ao nível estrutural centra-se na potencial rigidez da interacção familiar e da relação família-paciente, na rigidez interaccional entre os serviços assistenciais e a família (ou o paciente), na escolha do cuidador familiar primário e no tema do isolamento social da família (Gongora, 1996).

Rigidez da interacção familiar e da relação família-paciente

Frequentemente, nas famílias com doentes crónicos, os padrões de interacção tornam-se rígidos, por norma por a família ter dificuldade em alterar a sua organização perante as exigências derivadas da doença. Por exemplo, é comum que a família tenda a substituir o doente nas mais variadas tarefas, quando este, graças à reabilitação, pode fazê-las de uma forma independente. Desta forma, instala-se um padrão de protecção por parte da família que aumenta a incapacidade do doente e diminui a sua autonomia, elevando a sobrecarga de tarefas dos familiares e, em consequência, acarretando a diminuição da possibilidade de normalizar a vida quotidiana. Certas distinções na família (tais como, entre quem tem a doença e quem presta os cuidados) e exclusões (por exemplo, retirar ao pai doente o papel de aconselhamento a um filho adolescente) são importantes e reveladoras da rigidez, principalmente se persistem e são sentidas como inalteráveis.

Em sequência da doença crónica a família tem de operar mudanças nas suas funções e papéis, alterando hábitos, prioridades e planos familiares e individuais. Essas mudanças nas funções e nos papéis chegam a ser dramáticas quando a doença afecta um dos pais ou um dos filhos pequenos, sobressaindo o problema emocional. As funções que o doente crónico deixa de poder assumir têm de passar para outros elementos, o que exige negociação entre quem deixa a função (o doente) e quem a assume. Algumas dificuldades são comuns nesta negociação, nomeadamente, o doente pode entender que pode assumir mais funções e papéis do que a família sente possível e desejável. Acresce que a perda de funções e papéis leva o doente a reconhecer-se como incapacitado.

Um tipo de interacção rígida, particularmente prejudicial, ocorre quando o cuidador familiar protesta pela sobrecarga de tarefas, desejando que o seu esforço

ou soluções ao nível das tarefas desempenhadas, o que não corresponde aos desejos e/ou necessidades do cuidador. Este tipo de pedido de apoio e resposta torna-se num padrão autoalimentado, que deteriora o clima familiar. Tendo em conta o papel que o doente representa no seio familiar, ocorrem diferentes reacções consoante o membro familiar envolvido na prestação de cuidados directos ao doente.

Rigidez na interacção entre serviços assistenciais e família

Com frequência os profissionais de saúde enviam mensagens à família de doentes crónicos, de forma inadvertida, que lhes induz culpa e retira recursos. Por exemplo, “se o rapaz não tem evoluído é porque não o estimulam em casa”, “se a criança tem problemas de conduta é porque são demasiado permissivos”. Outras vezes, os profissionais são menos directos, mas igualmente eficazes no que se refere à sua capacidade de induzir culpa ou limitar os recursos. Sempre que um profissional envia mensagens de incompetência a uma família está a fomentar a delegações de funções, o que se torna num padrão autoalimentado: quanto mais o profissional indica a incompetência da família, mas esta tende a solicitar o apoio do profissional; quanto mais isto acontece, mais o profissional confirma a sua ideia de que a família é incompetente.

Escolha do papel do cuidador familiar primário

Uma das mudanças estruturais mais importantes relaciona-se com a escolha do cuidador familiar primário. Alguns critérios tendem a orientar essa escolha: aspectos culturais que designam as mulheres (mães, filhas e esposas) para estes papéis; a proximidade física, designadamente a coabitação; e a proximidade emocional. A mudança na vida de quem assume o papel de cuidador é enorme: a dedicação à vida profissional diminui, podendo ter mesmo que deixar de trabalhar; alguns projectos pessoais têm de ser adiados ou, até, abandonados. É comum que quem assume o papel de cuidador principal atinja um nível preocupante de exaustão, dependendo do tempo que dedica à prestação de cuidados, das estratégias de coping utilizadas, dos períodos de respiro e descanso e do apoio e reconhecimento que recebe por parte da sua rede formal e informal.

Isolamento social da família

Perante uma doença crónica num elemento da família, há tendência para o isolamento familiar e dos seus membros. Tal ocorre, principalmente, porque as famílias sentem que os outros as tratam de forma diferente quando sabem que um dos seus membros sofre de uma doença crónica grave. O isolamento decorre, igualmente, de a família ter mais tarefas para desempenhar e por isso menos tempo para socializar. A isto acrescem algumas experiências emocionais decorrentes da

doença crónica: sentir que para a rede informal é um peso relacionar-se com alguém em tal sofrimento pela doença crónica; desmotivação porque prestam cuidados ao doente e não observam melhorias. Há casos em que a incapacidade do membro doente é sentida como um estigma conduzindo a algum tipo de exclusão social, devido à dificuldade em se movimentar, não lhe restando tempo para a vida social. Quaisquer que sejam as razões do isolamento, estas potenciam o impacto negativo da doença crónica, aumentando a vulnerabilidade do doente a transtornos mentais.

As doenças crónicas são, quase inevitavelmente, acompanhadas de medo, ansiedade, dor, perda da força, e para melhorar é necessário ter a ajuda dos outros. A variedade das incertezas e medos que os doentes e seus familiares enfrentam podem aumentar devido às necessidades de informação, e desta forma deve ser assegurado que tais medos são uma reacção normal da doença. A disponibilidade de uma rede social, que segundo Sousa (2004), constitui um sistema de comunicação e um instrumento de suporte dentro da sociedade, é fundamental para ajudar o indivíduo com doença crónica e a sua família a enfrentar as incertezas e medos.

A expressão dos sentimentos positivos, oferecer ajuda material e/ou informação e criação de sistemas de apoio mútuo constituem elementos fundamentais de apoio por parte da rede social do indivíduo. O apoio social só exerce a sua influência quando são tidas em conta as áreas adaptativas desenvolvidas, e quando o tipo de apoio prestado é relevante para a sua execução. Em certas ocasiões receber apoio social pode ser negativo, porque pode diminuir a auto-estima ou aumentar o sentimento de incapacidade, desta forma, torna-se necessária uma compreensão adequada da situação por parte de quem ajuda.