• Nenhum resultado encontrado

Capítulo I -A doença crónica

3. A tipologia psicossocial do cancro e do acidente vascular cerebral (AVC)

3.1 O cancro

3.1.2 Classificação tumoral

Numa perspectiva clínica os tumores benignos diferem dos malignos, pois nos primeiros não há invasão local nem propagação para órgãos distantes (metastização). As características citológicas e histológicas permitem distinguir se uma neoformação é benigna ou maligna e prever o seu comportamento clínico. Existem situações de excepção como: tumores de células com aparência benigna que adoptam um comportamento biológico maligno e vice-versa; lesões pré-malignas como a metaplasia e a displasia (Marques & Pimentel, 1995).

Os tumores podem classificar-se segundo grau histológico, histogénese e a classificação TNM e estadiamento.

Grau histológico (grading)

O aspecto das células neoplásicas depende do tecido que lhe deu origem e do grau de diferenciação (DeVita & Hellman, 1989).

Os tumores benignos e malignos de crescimento lento são semelhantes aos tecidos normais. Os tumores que se diferenciam de forma moderada têm algumas características celulares e histológicas do tecido de origem, mas apresentam alterações citoplasmáticas ou nucleares, de dimensão ou forma ou da relação núcleo/citoplasma anormais. Os tumores indiferenciados apresentam alterações vincadas que podem impedir a determinação do tecido de origem. Nestes casos é

utilizada a imunocitoquímica e a microscopia electrónica para detectar alguns antigéneos ou ultraestruturas características do tecido de origem.

O grau de diferenciação pretende avaliar a agressividade, definindo-se os graus 1 (bem diferenciado), o 2 (moderadamente diferenciado) e o 3 (pouco diferenciado) (Wittes, 1991). O grau histológico comporta um grande valor diagnóstico e prognóstico para a maioria dos tumores, sendo a conjugação do grau histológico, tipo histológico e estadiamento que permite uma melhor avaliação prognóstica e que determina o tratamento (Wittes, 1991).

Histogénese

Os tecidos orgânicos podem dividir-se em quatro grupos: tecido epitelial; conjuntivo e músculos; hematopoiéticos e linfóide; e nervoso (DeVita & Hellman, 1989). Os tumores podem classificar-se de acordo com a localização nestes grupos.

Nos tecidos epiteliais inclui-se: a pele, mucosas do tubo digestivo, aparelho respiratório e vias urinárias; algumas vísceras sólidas como o fígado, pâncreas, glândulas salivares, tecido mamário e o rim (compostos de glândulas ou túbulos).

Os tumores epiteliais benignos designam-se papilomas, se provêm de epitélios de superfície malpighianos (como a pele ou epitélio de transição urinário) ou adenomas se provêm de epitélios glandulares.

Os tumores malignos denominam-se: carcinomas se provêm de um tecido epitelial (são os tumores malignos mais frequentes no homem); adenocarcinomas, quando derivam de epitélios glandulares (como a mama, estômago, pulmão, cólon); carcinomas escamosos, se resultam do epitélio escamoso (como a pele, esófago, pulmão); carcinomas de células de transição se advêm do epitélio de transição.

O tecido conjuntivo e músculo são analisados em conjunto uma vez que apresentam características em comum. O tecido conjuntivo é composto por vários tipos de tecidos: fibroso (abundantes fibras de colagéneo entre as células); adiposo (células que acumulam gordura); osso (formação de matriz fibrosa que calcifica); cartilagem; e sinovial (reveste as articulações). O tecido muscular é composto por dois tipos de tecido: muscular liso e muscular estriado.

Na denominação dos tumores benignos destes tecidos é utilizado o sufixo oma, enquanto os malignos são designados por sarcoma. Mas, todos são referenciados pelo tecido de origem.

Existem sarcomas com nomenclaturas associadas a alguma característica específica. Por exemplo, o sarcoma de Kaposi é conhecido pela associação à SIDA (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida), tendo sido descritos três tipos: na sua

forma epidémica, descrita em 1872 por Kaposi, em que a doença tinha expressão essencialmente cutânea; a forma endémica, frequente na África a Sul do Sahara, atinge os jovens e caracteriza-se por um curso agressivo e expressão visceral; a forma associada à SIDA, que também tem um curso agressivo, atinge a pele, mucosas e vísceras.

O tecido hematopoiético compreende os intervenientes das células sanguíneas, distribuindo-se pela medula óssea, distinguindo-se quatro tipos: a eritróide (origina os glóbulos vermelhos); a mielóide (dá origem à maioria dos glóbulos brancos e aos leucócitos granulares); a monocítica (dá origem os monócitos e os macrófagos) e a megacariocítica (dá origem às plaquetas). O tecido linfóide (origina os linfócitos e plasmócitos) distribui-se pelos gânglios, tecido linfóide da orofaringe, paredes intestinais (placas de Peyer), medula branca do baço (corpos de Malpighi) e timo.

A classificação das neoplasias originadas nestes tecidos é complexa. Adquire a nomenclatura de leucemia quando existe uma proliferação neoplásica generalizada das células hematopoiéticas ou linfóides. A doença inicialmente pode limitar-se à medula óssea, mas frequentemente manifesta-se por o sangue periférico com leucocitose e células malignas circulantes e pela infiltração difusa de órgãos como os gânglios, baço, fígado e os rins. A classificação das leucemias baseia-se no nome das células que as originam e dividem-se em agudas e crónicas de acordo com a sua agressividade e tempo de evolução.

Adopta a nomenclatura de linfoma a proliferação de células linfóides limitada aos gânglios. Os tecidos extra ganglionares (como a medula, fígado, timo ou baço) podem ser atingidos, mas não há células malignas circulantes, nesta situação trata-se de um linfoma leucemizado ou de uma leucemia linfobástica. A Doença de Hodgkin (DH) distingue-se dos Linfomas linfocíticos (linfomas não Hodgkin - LNH) pelas características histológicas e clínicas. Na primeira aparecem as células de Stenberg e as células de Hodgkin (pensa-se que são as malignas) num meio rico em linfócitos e tecido conjuntivo. A DH divide-se em quatro tipos de prognóstico progressivamente pior: DH de predomínio linfocítico; DH de esclerose nodular; DH de celularidade mista; DH de deplecção linfocítica. Actualmente sabe-se que esta classificação está incompleta, uma vez que existem formas de transição DH e LNH.

Apesar de controverso é aceite de que os linfomas se podem classificar baseados em dois aspectos: i) arranjo celular em padrão folicular ou difuso; ii) tipos de células grandes e células pequenas. Os linfomas difusos ou de células grandes evoluem de forma agressiva, ao contrário dos linfomas foliculares ou de células pequenas. Recentemente, conclui-se que se podem classificar consoante o fenótipo imunológico

em linfócitos B ou T, que ajuda à compreensão da biopatologia mas tem pouco interesse prognóstico, generalizando: 80% dos linfomas são B e 20% são T.

Podem ainda ser divididos segundo o grau de agressividade, em linfomas de alto e baixo grau de malignidade. Os linfomas de baixo grau B (constituídos por pequenos linfócitos com ou sem linfócitos grandes), surgem normalmente em estádios avançados, são incuráveis, mas têm um bom prognóstico devido à sua evolução lenta, podendo evoluir para linfomas de alto grau. Os linfomas de baixo grau T incluem os linfomas cutâneos T, a micose fungóide e o seu correspondente com células circulantes, a síndrome de Sesary. Os linfomas de alto grau de malignidade são mais agressivos que os de baixo grau e incluem: os centroblásticos (células B); os imunoblásticos (células B e T); os linfoblásticos (células B e T); linfoma de tipo Burkit (células B); leucemia-linfoma de células T adultas (recentemente descrita e relacionada com o HTLV-1 é altamente agressiva).

À semelhança de outros tecidos, existem tipos especiais de neoplasias não integrados nas classificações como o linfoma linfoplasmacitóide, os linfomas que surgem no tecido linfóide das mucosas ou linfomas do MALT (Mucose Associated Lymphoid Tissue), os linfomas anaplásticos de grandes células T ou linfomas Ki+ (CD30+), o linfoma esclerosante do mediastino e os linfomasde células T periféricas.

O tecido nervoso é constituído fundamentalmente por dois tipos de células: os neurónios e as células de suporte ou glia (incluem os astrócitos, oligodendrócitos, células ependimárias e a micróglia). Nos nervos periféricos existem as células de Schwan e os fibroblastos. A classificação dos tumores benignos e malignos baseia-se no nome das células que as originam.

Os tumores da glia ou gliomas não obedecem a uma divisão clara em maligno e benigno por critérios histológicos (mesmo os mais diferenciados não são capsulados e invadem o tecido normal adjacente). São classificados através de uma graduação que varia entre 1 (bem diferenciado e baixa malignidade) e 4 (pouco diferenciado e alta malignidade). Em comum têm a dificuldade em serem curados, devido à sua tendência infiltrativa e à impossibilidade de ressecção completa.

Faz-se, ainda, a referência a tumores especiais e/ou de outros sistemas, tais como: i) tumores do sistema endócrino (carcinóides que são cancros do epitélio com baixo grau de malignidade, mas que se podem disseminar, provêm das células de Kulchitski; tumores neuroendócrinos que provêm das células Amine Percursor Uptake and Decarboxilation); ii) tumores das células germinais (tumores seminomatosos ou degerminomas e tumores não seminomatosos); iii) coriocarcinoma (com origem no trofoblasto, surgem na mulher grávida); iv) melanoma maligno (tem origem em melanócitos da pele ou olho e o prognóstico relaciona-se com a sua espessura ou com

o grau de penetração na pele, o prognóstico é mau se metastisado); v) tumores embrionários das vísceras (com origem em células embrionárias já programadas na diferenciação visceral e surgem mais frequentemente nas crianças); vi) tumores do tecido Cromafim e Paragânglios (ambos raramente malignos); vii) tumores do timo (os timomas têm origem no epitélio tímico e associam-se a várias doenças sistémicas autoimunes como a miastenia gravis, a aplasia medulare hipogamaglobulinemia, sendo bem delimitados e tendo um crescimento lento, ao contrário do carcinoma tímico que é bastante agressivo).

Classificação TNM e estadiamento

A avaliação da extensão do tumor é o aspecto mais importante na clínica oncológica, pós-diagnóstico de malignidade, pois condiciona o tratamento e o prognóstico.

Esta classificação baseia-se na evolução das doenças malignas: a extensão local (dimensões tumorais e invasão local – parâmetro T); a extensão regional (localização e número de gânglios – parâmetro N); e a extensão à distância (metastização visceral – parâmetro M). Estes parâmetros reflectem diferentes estádios ou fases da doença a que correspondem diferentes prognósticos (Beahrs & Myers; 1983): T, define-se pela dimensão do tumor e pela invasão dos órgãos vizinhos, tendo implicações de ordem terapêutica e prognóstica (o T1 é normalmente curável pela cirurgia, enquanto o T4 se refere a um estádio de doença incurável, localmente avançada e de mau prognóstico); N, caracteriza-se pela ausência de adenomegalias patológicas na zona de drenagem linfática do tumor (o N1 indica adenomegálias patológicas móveis e livres entre si, o N2 ou N3 reflectem aglomerados ganglionares ou gânglios aderentes); M, deve ser pesquisado como estadiamento inicial na vigilância e na avaliação da progressão da doença. A extensão da doença pode ser estratificada com base na avaliação do T, N e M desde localizada a generalizada (estadiamento) (Quadro 1).

Quadro 1 - Estádios do cancro Estádio Características

Estádio I Tumor primitivo de pequenas dimensões (T1) sem adenopatias (N0), nem metástases (M0).

Estádio II Maior extensão local (T2) associada a invasão ganglionar mínima (N1). Estádio III O tumor primitivo invade o órgão (T3) e/ou existem adenopatias

importantes (N2 ou N3).

Estádio IV Tumor não operável, demasiado extenso, acompanhado ou não de adenopatias importantes e/ou existência de metástases.