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Capítulo I -A doença crónica

2. O Paradigma sistémico da doença crónica

2.3 Fases da história natural da doença

As fases da história natural da doença permitem pensar longitudinalmente e perceber a doença crónica como um processo evolutivo, com marcos normativos, transições e exigências de mudanças. Rolland (1984) considera três fases principais: crise, crónica e terminal. Cada fase tem as suas características e exigências próprias que requerem diferentes competências, atitudes ou mudanças familiares (Figura 3).

Figura 3 - Linha temporal e fases da doença

(Fonte: Rolland, 1984:254)

Crise

A fase da crise ou inicial (Lewandosky & Jones, 1988) inclui o período que antecede o diagnóstico, caracterizado pelo aparecimento de sintomas, o período inicial de reajustamento pós-diagnóstico e o plano inicial de tratamento.

Nesta fase colocam-se ao doente e sua família um conjunto de tarefas: aprender a lidar com a dor, incapacidade e outros sintomas relacionados com a doença; aprender a lidar com o ambiente hospitalar e procedimentos relacionados com a doença; estabelecer e manter relações com a equipa de saúde. Existem outras tarefas de natureza mais existencial: criar um significado para a doença que permita preservar o sentido de domínio e de controlo; fazer o luto pela vida anterior à doença; aceitar gradualmente a doença como uma condição permanente, mantendo um sentido de continuidade entre o passado e o futuro; manterem-se unidos para enfrentar a crise imediata; e serem flexíveis na definição de objectivos futuros apesar da incerteza.

Os sentimentos de competência da família são fortemente influenciados pelos profissionais de saúde durante o período de crise. As consultas iniciais e os conselhos no momento do diagnóstico serão marcantes para as famílias, que se encontram muito vulneráveis. Por exemplo, um profissional de saúde pode ver a família sem o doente para lhes dar informação sobre a doença e o seu prognóstico, neste momento tão vulnerável a família pode assumir que está a ser instruída para excluir o doente das decisões sobre a doença. Os profissionais têm que ser cuidadosos para manterem a competência das famílias, evitando induzir, de alguma forma, culpa no doente por

FASES CRISE CRÓNICA TERMINAL

diagnóstico morte

pré-diagnóstico período de ajuste inicial

crónico pré-terminal luto

resolução de perda

LINHA TEMPORAL

ter contraído a doença (por exemplo, lembrar que deveria ter recorrido a consultas, ou que os pais foram negligentes, ou por estilos de vida pouco saudáveis).

Crónica

A fase crónica ou de adaptação (Lewandoski & Jones, 1988) pode ser longa ou curta. Corresponde ao espaço de tempo que medeia entre o diagnóstico ou o reajuste inicial e a fase terminal (caso esta exista na doença), sendo marcada pela constância, progressão ou mudança episódica. Trata-se do período em que se vive durante longo tempo com a sobrecarga decorrente da doença e em que esta se integra no quotidiano familiar. Frequentemente o doente e a família têm que se adaptar a mudanças permanentes tendo que desenvolver as suas rotinas habituais.

Durante este período a tarefa básica da família consiste em manter uma vida tão normal quanto possível, apesar da doença crónica e da incerteza que lhe está associada. Se a doença é fatal, este momento é vivido como o limbo. Para doenças muito debilitantes, mas não fatais (como embolias ou demências), as famílias podem sentir-se aprisionadas num problema sem fim, sentindo que uma vida normal só poderá ocorrer depois da morte do membro doente (gerando sentimentos ambivalentes normativas). Manter o máximo de autonomia de todos os membros da família no meio da adversidade prolongada ajuda a diminuir os sentimentos de impotência.

Terminal

A fase terminal é dominada pela inevitabilidade da morte. A família enfrenta problemas de separação, morte, luto e o reorganizar a vida após a perda (Walsh & McGoldrick, 1991). Ocorrem nesta fase frequentemente lutos antecipatórios (com início em fases anteriores) (Rolland, 1990): a família sente a perda do elemento doente, sofrendo com ele e com aquilo que não vai poder viver com ele, o doente antecipa a perda da família vivendo a angústia do que não pode fazer ou já não vai poder viver. Torna-se inevitável lidar com a separação, morte, luto e reiniciar a vida familiar após a morte. Viver este período adequadamente ou de forma ajustada supõe a expressão de emoções, assim como resolver problemas práticos, olhar para esta fase como uma oportunidade para partilhar o tempo precioso juntos reconhecendo o inevitável da perda, resolver os assuntos pendentes e despedir-se. É, ainda, o momento para tomar algumas decisões práticas como o testamento, preferências sobre morrer em casa ou no hospital e sobre o tipo de funeral.

Fases de transição

Existem uma série de momentos de transição que unem as três fases, são momentos em que as famílias reavaliam a adequação da sua estrutura de vida face às

novas exigências da doença e tratam de assuntos inacabados das fases anteriores (os quais podem complicar ou bloquear o movimento de transição, ficando as famílias presas a uma estrutura adaptativa que deixou de funcionar) (Penn, 1983).

A interacção entre as fases temporais e tipos de doença oferece um marco para um modelo de desenvolvimento psicossocial normativo da doença crónica semelhante às abordagens do desenvolvimento humano. As fases (crise, crónica e terminal) podem considerar-se como períodos de desenvolvimento na história natural da doença crónica. Os diferentes períodos comportam tarefas básicas independentes do tipo de doença, ainda que cada tipo de doença comporte tarefas suplementares específicas.