• Nenhum resultado encontrado

A avaliação na agenda das políticas educativas

CAPÍTULO II. ENQUADRAMENTO TEÓRICO DA PROBLEMÁTICA

2.4 A avaliação em educação

2.4.1 A avaliação na agenda das políticas educativas

Principalmente depois da década de 60, em alguns países, como os EUA, sentiu-se um crescente investimento na educação e uma preocupação com a ligação desta e a preparação para o trabalho, o que criou a necessidade de justificação e de prestação de contas, que envolveram amplamente as actividades avaliativas31. Afonso defende que “há uma relação entre avaliação e responsabilização que faz com que a primeira se desenvolva e adquira maior visibilidade em épocas em que os movimentos de reforma exigem uma maior participação e controlo sobre a implementação das políticas para a educação” (Afonso, 2005: 44). Ainda que se possa defender a neutralidade da prestação de contas, a insistência neste ponto pode ser perspectivado como um sintoma do domínio crescente da economia de mercado sobre o sistema educativo, sendo a avaliação um pré-requisito para que seja possível a implementação dessa prestação de contas.

Neste âmbito de reflexão sobre as reformas, Ginsburg, Cooper, Raghu e Zegarra (Afonso, 2005), identificam quatro modelos interpretativos ideal-típicos, que apontam diferentes explicações na origem das reformas educativas: 1) a tendência natural das mudanças, ao nível nacional, é uma evolução para níveis mais elevados de desenvolvimento, à parte das lutas sociais, pelo que as reformas são algo que acontece naturalmente no caminho do desenvolvimento; 2) explicam as reformas pelo conflito e competição dos grupos sociais e o papel do Estado é o de mediar esses conflitos; 3) as reformas surgem pelo movimento de convergência cultural de nível mundial e que cada vez mais aproxima e assemelha os sistemas

31 Afonso (2005) refere inclusive que a tendência competitiva deste tipo de Estados face às exigências de inovação e qualidade internacionais foi traduzida, a partir dos anos 80 pela expressão Estado Avaliador.

educativos e em relação ao qual as agências internacionais são mediadoras; 4) veicula o paradigma do conflito, chamando a atenção para os lugares de dominação e subordinação ocupados por certos países em certos momentos no sistema capitalista mundial, explicando assim, as exigências e solicitações realizadas aos sistemas educativos sobre os quais pesam as reformas. Efectivamente, estes são modelos que explicam a ocorrência de reformas a vários níveis, mas relacionado com as duas últimas perspectivas está o movimento da globalização, implicando uma unidade de análise mais ampla.

É no contexto da globalização que Jarvis (1998) constata rápidas e grandes mudanças na sociedade que provocam uma reconceptualização do conhecimento, dando origem a quatro principais mudanças. A primeira diz respeito à relatividade do conhecimento, perspectiva que toma relevo em 1984 quando Lyotard (Jarvis, 1998) defende que o conhecimento é uma narrativa. Os factores que intervêm neste ponto são os avanços da investigação científica, que suplantam as teorias anteriores que tinham sido dadas como adquiridas. A ideia da relatividade do conhecimento reporta a um processo de construção e assim o termo conhecimento vai sendo substituído pelo de aprendizagem, quando se afasta a concepção do produto acabado. Uma outra refere-se à tendência de legitimação do conhecimento pelos seus critérios de desempenho e portanto deixa de ter um fim em si mesmo. A sua transmissão deixa de ser só da responsabilidade dos académicos, passando a ser baseado no pragmatismo e na sua utilidade. O autor dá-nos também, um exemplo destas transformações, “as universidades estão a ser pressionadas a procurar fundos para a investigação na indústria e comércio (…) e é necessário transmiti-lo a quem carece dele” (Jarvis, 1998: 58), como provável reflexo desta obsessão com a utilidade na ânsia de captação de investimento e atracção do capital. O meio de transmissão dos conhecimentos, que tem tradicionalmente a sua tónica na oralidade e escrita move-se para novas formas de comunicar, que foram introduzidas com a internet e o mundo electrónico. A quarta mudança é aquela que perspectiva conhecimento como uma mercadoria negociável, algo que até então era inédito. O conhecimento pode ser empacotado e comercializado mundialmente, com o rótulo de aprendizagem ou material de aprendizagem. Estamos perante uma sociedade movida pelo conhecimento de informação e que o transforma numa mercadoria como qualquer outra e estas são mudanças que se têm feito sentir nos sistemas educativos ao nível global.

Mas o papel da avaliação nessa tendência de

homogeneização

global pode ser também

restaurar os valores e formas de controlo tradicionais, ameaçados pela globalização (…) a avaliação parece proporcionar uma arena adequada para reassumir o controlo e restabelecer a identidade nacional” (Afonso, 2005: 72).

De um modo muito breve, se olharmos a história da avaliação nas reformas educativas em Portugal, verificamos, com algum espanto, que a origem do sistema de avaliação mobilizava valores que estavam em contra-ciclo em relação às tendências nos países centrais. Em Portugal foi implementado um sistema de avaliação predominantemente formativo proposto na reforma educativa que se seguiu à LBSE de 1986 e que estava distante das tendências políticas neoliberais. Todavia, os anos que se lhe seguiram vão assistir ao debate político que se tem vindo a referir – entre a avaliação com propósitos de selectividade ou não – e que tendencialmente vem a aceitar política e socialmente a selectividade como uma característica da escola obrigatória desde que se cumpra a oferta de igualdade de oportunidades, defendendo assim já “uma versão meritocrática legitimada pelo princípio da igualdade (formal) de oportunidades” (Afonso, 2005: 81). Apesar disso, Portugal assistiu a um movimento contraditório das políticas avaliativas em relação ao momento de fragilização do Estado- Providência na educação, na medida em que introduziu formas de avaliação formativa, acompanhadas de medidas promotoras da escolaridade básica e que está claramente em contradição com o regresso dos exames que se notou em iguais períodos noutros países centrais da Europa.

Por outro lado, a concretização efectiva destes discursos acabou por ir sendo suspensa, assim como foram contornados os discursos oficiais e as exigências das escolas e professores por melhores condições.

“Esta actuação ambígua do Estado – caracterizada pela discrepância entre princípios que este legalmente consagra e regulamenta e as práticas que, também da parte dele, frequentemente os inviabilizam (e que Boaventura de Sousa Santos designou de Estado Paralelo) – não terá sido indiferente à emergência de pressões sociais e políticas mais favoráveis à introdução de outras modalidades de avaliação, mais selectivas e meritocráticas, exigidas agora explicitamente pelos sectores que queriam deslocar o eixo democrático (…) para uma rota mais congruente com um maior controlo sobre os

resultados/produtos da educação escolar, e com a promoção da selectividade, da competição e do mercado educacional” (Afonso, 2005: 83).

Face às pressões do controlo de qualidade e da promoção da validação externa dos diplomas, a tendência crescente é a da desvalorização da avaliação formativa e sua substituição por formas de avaliação que defendam interesses de outras visões da escola, debate ao qual certamente não é inocente a preocupação bem recente32 com a avaliação de professores e a revisão do Estatuto do Aluno. Porém, a persistência de formas de avaliação mais congruentes com uma escola de massas democrática pode evidenciar um indicador de vontade para realizar a consolidação de uma escola desse tipo, ao mesmo tempo que se constata a existência de uma crise/ debate que convocam outras formas e funções da avaliação.

À imagem do que decorre com a avaliação escolar, a avaliação em formação também coloca valores de participação, de igualdade e princípios democráticos em debate, nomeadamente pela sua forte pertença ao âmbito profissional, que decorre da sua apropriação pelas organizações, que a relacionam com o trabalho e com as mudanças de gestão organizacional (Lima, 2008 e Estêvão, 2001), como já tem vindo a ser dito. A avaliação da formação surge então como forma de induzir auto-transformação como prática integrada de gestão, reflexo de uma reinterpretação das lógicas de controlo:

“O desenvolvimento relativamente recente das práticas de avaliação, provavelmente, não deve ser imputado a um progresso qualquer dos conhecimentos ou da metodologia, mas com muito mais verosimilhança, deve ser relacionado com o aparecimento de mudanças nos modos de organização do trabalho, nomeadamente no sentido de uma descentralização das responsabilidades e das decisões” (Barbier, 1985: 258).

A avaliação passa a ser, assim, algo dominador e quase omnipresente nos processos formativos, ela é parte do processo cíclico da orientação para as acções, desde a determinação dos objectivos passando por toda a planificação das acções, ela é a ligação entre os momentos diferentes da acção: “Tudo se passa como se a avaliação constituísse a condição prévia, directa, de uma nova etapa dos processos de determinação de objectivos e de planificação das acções” (Barbier, 1985: 264).

32 O último regulamento do sistema de avaliação do desempenho dos docentes data de 23 de Junho de 2010, emitido no XVIII Governo Constitucional, instituído pelo partido socialista.