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O pacto da formação: o colonizador

CAPÍTULO IV. APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

4.1 O pacto da formação: o colonizador

Ao nível dos procedimentos da acreditação, intimamente relacionados com as lógicas avaliativas e de gestão da qualidade na formação, a avaliação é realizada à distância, através do preenchimento de formulários que, à partida, estandardizam os objectivos a atingir e em relação aos quais se constituem critérios objectivos segundo os quais a acreditação é obtida ou prolongada.

Aparentemente, o processo de acreditação pouco interfere no desenvolvimento e afectação dos cursos desenvolvidos pela ACMVV, na medida em que, não é ainda uma entidade acreditada e como tal não se rege pelas suas lógicas mais formais e controladoras (como são

exemplo: a falta de dados actualizada sobre a formação, sobre o volume de formação, falta de documentos que regulem o seu funcionamento, a falta de parâmetros rígidos para a selecção dos formandos, entre outros factores). Por outro lado, os cursos que desenvolve só ali existem devido a uma parceria com uma empresa já acreditada, e esta sim parece cumprir de modo mais formal esses requisitos, nomeadamente, em duas questões mais visíveis e que nunca falharam: 1) ter presente na sala de formação um representante que apresente e encerre o curso, ao mesmo tempo que apresenta o formador, representante esse que é simultaneamente a figura de contacto para dúvidas e que é interpretado como o responsável e figura de confiança, que aparece, aos olhos dos formandos, como a pessoa responsável, que tem poder para resolver os seus problemas (os formandos preferem contactar o representante, como o fizeram em várias situações); 2) também esta figura é um embaixador da avaliação, encarregue de tornar válida toda a operação que decorreu, ele faz a avaliação da formação através da administração de inquéritos por questionários que avaliam o formador e a formação. A informação que se recolhe com esses suportes não é fornecida à ACMVV mas é importante para a justificação dos financiamentos conseguidos e da forma como foram geridos e administrados, tal como refere a Coordenadora da formação:

“A avaliação é feita pela Competir [entidade parceira], que avalia os formadores e a formação através de pequenos inquéritos passados aos formandos. Gostaríamos de implementar nós uma metodologia de avaliação. Não sei como a Competir depois faz a análise dos dados. Sei que têm depois que prestar contas à DGERT, pela acreditação deles e ao nível do POPH, para emitir os certificados. (…) O tipo de avaliação realizada é mais ao nível da satisfação. Para além disso desconheço se fazem mais alguma coisa. Este tipo de avaliação não tem impacto a nível da reformulação dos cursos porque estão baseados no referencial”.

Nesta perspectiva, a instituição na qual decorrem os cursos tem um papel reduzido, no que parece ser uma relação simbiótica, em que ambas as partes recebem benefícios, ainda que

de diferentes tipos (recompensas monetárias

versus

recompensas de expansão e

reconhecimento social/ de mercado). A parceria foi estabelecida, ainda que a ACMVV possa aparentemente ter poderes e capacidade de negociação limitada, havendo também a ideia de que esta parceria também consiste num negócio para a entidade acreditada. E isso é transmitido pela própria coordenadora da formação da associação:

“Implicação não diria [das características e fins diferentes de ambas as organizações], mas há aspectos aos quais eles não dão valor e eu dou. Porque estou inserida numa instituição sem fins lucrativos que existe para servir as pessoas e estar próxima das pessoas, enquanto que provavelmente a Competir tem uma ideia mais instrumental da situação. Para eles, a nossa parceria também é uma forma de ganhar dinheiro e fazer publicidade. Querem é que as coisas funcionam e que as metas sejam cumpridas. Eu sou um pouco avessa às metas, porque há outras coisas que também temos que ter em consideração, não é só cumpri-las por cumprir. Esta é a minha posição mas que se insere na política da Associação” (Coordenadora da formação).

Existe assim a perspectiva, por parte da associação, de que neste acordo pela formação há situações que devem ser mudadas, no sentido de atribuição de maior responsabilidades e domínio sobre o trabalho formativo por parte da associação, havendo também percepção de que também já foram conseguidos outros tipos de trabalho e novos recursos que outrora eram inexistentes e que esta cooperação permitiu surgir e manter.

“Na relação com a Competir gostaria de ver algumas coisas melhorar, uma delas é a nível dos formadores porque parece-me pertinente, já que fazemos nós a selecção dos formandos, que tenhamos informação de quem é o formador e conversar com ele antes da começar a formação, para que nós, enquanto entidade coordenadora e detentora do projecto, possamos fazer a nossa avaliação do formador. Isso já foi falado mas ainda não está a ser cumprido. Eles têm feito questão em fazer isso, mas acho que deveria ser feito por nós, para haver maior proximidade, uma vez que a formação é realizada cá. Outra coisa que se prende com a falta de pessoal e como as formações decorrem à noite, era importante que alguém da Associação acompanhasse a formação, o que ainda não acontece. (…) Não há uma regularidade específica para as reuniões [entre as entidades parceiras na formação], fazemos uma mais ou menos por trimestre, nas quais discutimos assuntos ligados à formação, com os formandos, com formadores e resolver problemas que existam. Existe algumas falhas nalguns pontos da partilha de formação, nomeadamente no ponto dos formadores como já referi. Mas tem que existir troca de informação porque as turmas são feitas aqui, depois enviadas para a Competir, que depois faz os contratos e trata dos dossiers mas a informação parte daqui” (Coordenadora da formação).

Nesta relação parceira, parecem existir elementos que orientam no sentido de negociação tendencialmente desigual, o que parece acontecer devido ao estatuto de cada uma em relação a normas de avaliação consagradas e a partir das quais existe uma diferenciação. Com efeito, não se pode dizer que a ânsia da associação em constituir-se uma organização acreditada para a formação seja devido única e exclusivamente à sua relação com uma organização que colhe já as consequências desse estatuto, tal como referem Lima e Afonso (2006) sobre as tendências das mudanças organizacionais neste tipo de organizações. A maioria das experiências associativas sofre actualmente uma transformação ao basearem-se no capital de candidatura e serem subordinadas à formação vocacional, à qualificação dos recursos humanos e ao mercado de aprendizagem. Mas por outro lado, esta relação parece acelerar este tipo de transformação, pelo contacto pelo modo de trabalho com uma empresa especializada de formação e serviços e cujo modo de trabalho é considerado um modelo, nomeadamente pela perspectiva e pelo esforço no sentido de criação de estruturas na associação que permitissem o trabalho como a acreditação e o modelo prevêem46. A empresa parceira de formação e serviços actua assim como um elemento catalisador, que divulga e promove acções baseadas no CNQ junto de várias e diversificadas organizações, que utiliza como também como forma de captação de recursos, papel aqui perspectivado enquanto

colonizador –

mobiliza e promove valores. Este tipo de acção não está, todavia, desligado de políticas educativas que implementam valores de mercado, nomeadamente através de estratégia subtil de “adopção de medidas tendentes a atenuar as fronteiras entre o sector público e o sector privado, de modo a que se torne menos nítida a distinção entre os direitos sociais e os direitos individuais” (Afonso, 2005: 115), incentivando uma economia mista e de bem-estar social.