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Funções e modalidades de avaliação

CAPÍTULO II. ENQUADRAMENTO TEÓRICO DA PROBLEMÁTICA

2.4 A avaliação em educação

2.4.4 Funções e modalidades de avaliação

A existência de diferentes modalidades traduz muitas vezes diferentes funções da avaliação e mesmo uma só modalidade pode atender a mais do que uma função. Afonso (2005) alarga, assim, o leque de funções atribuíveis à avaliação, em relação à ligação directa entre fase e momentos formativos e função da avaliação de antes/prever, durante/corrigir e depois/retroagir enunciadas. Afonso revê na politização da avaliação um conjunto muito maior de funções da avaliação, muito mais específicas e que respondem às questões de: prever, corrigir e retroagir para quê? A própria actividade avaliativa é, deste ponto de vista, uma actividade política: “Verificar a que interesses serve e como é que esses interesses são representados ou respeitados implica aceitar que a avaliação é uma actividade que é afectada por forças políticas e que têm efeitos políticos” (Afonso, citando House, 2005: 19). Deste modo, também são funções da avaliação: a promoção da competição entre alunos e escolas; a relação de conteúdos com formas de avaliação; a selecção e escolha diferencial de indivíduos; o condicionamento dos fluxos de entrada e saída do sistema escolar; o controlo sobre os professores (por administradores e pares); a definição das informações e mensagens a

transmitir aos pais e tutela, possibilitar a gestão da aula, influenciando aprendizagens, o sistema de disciplina e as motivações dos alunos; fornece ao professor informações importantes sobre a sua imagem profissional; regula todo o sistema educativo (Afonso, 2005). Mas para além de todas estas funções, a avaliação possui também funções simbólicas, na medida em que:

“Evaluation is something that organizations need to do if they are to be viewed as responsible, serious, and well managed, even though the results of evaluations are rarely for decision making” (Afonso, citando Weiss, 2005: 19).

Se a avaliação está conotada com uma forma correcta de trabalho, gestão e de optimização dos recursos, verifica-se tacitamente a imposição de agir em conformidade, revelando neste isomorfismo a verdadeira importância dada, não tanto à eficiência, mas à legitimidade e à aceitação social. Estes são mecanismos onde muitas vezes a avaliação, neste caso de isomorfismo institucional37, adquire um carácter ritual na relação da prática com a finalidade, ao contrário da retórica, onde predominantemente ela acontece por motivos de eficácia e eficiência ou de desenvolvimento. Também Barbier (1985) refere esta função como uma das principais da avaliação: “Dir-se-ia que o pedido de avaliação provém de actores externos à acção avaliada exercendo um poder de tutela sobre os actores desta acção, e este pedido incidisse mais sobre a própria existência desta intervenção de avaliação do que sobre os seus resultados” (Barbier, 1985: 256). Constata-se este facto quando os resultados da avaliação não têm efeitos sobre a formação, nem sobre os seus agentes, quando a avaliação fica longe do fim a que se propôs mas mesmo assim os pedidos de avaliação não diminuem e quando o incitamento à avaliação é devido quase sempre àqueles que ocupam posições de responsabilidade. Mas é a função de controlo que parece mais óbvia no campo da avaliação da formação:

“No domínio da origem social do pedido, não parece, portanto, haver diferença sensível entre intervenção de avaliação e intervenção de controlo: os actores, que podem pressionar para a introdução de um dispositivo de avaliação de acção, não são muito diferentes dos actores que directamente introduzem, para seu uso, um dispositivo de controlo desta acção” (Barbier, 1985: 257).

37 A perspectiva do isomorfismo institucional não concebe as organizações “como meros artefactos técnicos desenhados em função de objectivos prévios e validados pela sua subordinação às virtudes da eficiência e eficácia, contemplando-se, em alternativa, outras racionalidades, nomeadamente que enfatizam a «lógica da adequação» em detrimento da lógica das consequências» e, por consequência, conferem uma nova centralidade à «gestão da aparência» e à «gestão do significado», bem como à conformidade cerimonial com o ambiente institucional” (Sá, 2004: 91).

Afonso (2005) refere que o controlo social e a legitimidade política são das funções simbólicas mais importantes da avaliação e que têm grande “interesse analítico quando se problematiza a avaliação para além dos limites mais restritos do espaço pedagógico” (Afonso, 2005: 19), ainda que certas funções sejam mais predominantes em certos períodos históricos ou em determinadas conjunturas sócio-económicas, por exemplo, desde os anos 90, nos países anglo-saxónicos, as principais funções são as de selecção de indivíduos e aumento da produção e esta função mantém-se principalmente em países onde o mercado da educação é mais alargado e neste contexto a avaliação permite gerar informação sobre o sistema educativo e assim fundamentar as escolhas dos consumidores (Afonso, 2005).

Na sua função de legitimar, a avaliação torna-se um instrumento revestido de poderes, senão vejamos que na relação pedagógica do aluno com a avaliação está incutida uma relação de dominação, na medida em que impõe unilateralmente ao outro uma determinada visão e interpretação da realidade e que vai influenciar o aluno na sua vivência da escola e depois dela. É este o

julgamento de excelência

de que Perrenoud (Afonso, 2005) refere “que contribui para fabricar imagens e representações sociais positivas ou negativas que, consoante os casos, levam à promoção ou estigmatização dos alunos, justificando a sua distribuição diferencial na hierarquia escolar” (Afonso, 2005:21). Assim, segundo Afonso, na avaliação está presente o

poder de recompensa

, que na tipologia de Etzioni (1972) corresponde ao poder normativo, invocando normas e estabelecendo um padrão de obediência moral, que é de tal modo presente tanto na escola (seja através das classificações ou penalizações) como no trabalho (através do pagamento ou do estatuto social) que é um tipo de poder naturalizado. Tanto a escola como o

trabalho são espaços onde a avaliação é dominada por especialistas que exercitam um

poder

cognoscitivo

e um

poder autoritário

, uma vez que são estes especialistas que detêm o papel de poder conduzir a avaliação, detendo o conhecimento, sobre os que menos poder têm e que

assim se reconhecem na relação de papéis dominador/dominado. O

poder de punição

embora

não muito reconhecido nas funções da avaliação pedagógica, é salientado por Afonso como importante instrumento de manutenção da ordem e da assimilação dos comportamentos e valores adequados.

A função socializadora da avaliação também é realçada no discurso deste autor, pois a dimensão da avaliação enquanto instrumento dominante enquanto mecanismo de regulação pedagógica confere-lhe um carácter socializador, fazendo com que os avaliados não aceitem apenas sê-lo, mas também o desejem:

“As subtilezas dos processos formais e informais de avaliação, e as interacções públicas e privadas de comunicação dos seus resultados, vão-se construindo mediadas pelos comportamentos dos alunos, pelas crenças pedagógicas dos professores, pela distribuição explícita e implícita de recompensas e castigos, pelas muitas formas de fuga ou de adesão às expectativas institucionais” (Afonso citando Jackson, 2005: 23).

A avaliação enquanto instrumento de socialização parece interferir na escola de vários modos: na emancipação das crianças, na interiorização de normas e valores sociais, na diferenciação dos alunos segundo o seu sucesso e na aceitação de regras de competição próprias da estrutura social e económica e que nos remete essencialmente para uma socialização para as regras do trabalho, nomeadamente pelas práticas de difusão de um certo individualismo, se tivermos em atenção a tendência individual e de visão do produto do indivíduo como um produto individual. Também a avaliação faz entender o trabalho do aluno como possuindo características de produção mercantil, ao estabelecer um valor de troca: “o que é avaliado é o potencial de trabalho de cada um e este é comparado com o dos outros e trocado por classificações, certificados ou diplomas. A alienação resulta da percepção de que o trabalho escolar não é para ser apropriado por quem o realiza mas para ser entregue a um avaliador” (Afonso, 2005: 25), tal como uma mercadoria.

Todavia, estas matérias não podem ser vistas de uma forma reducionista, uma vez que a escola está longe de oferecer uma correspondência linear e funcional entre as formas de avaliação escolar, mecanismos de socialização e os contextos de trabalho. Pelo contrário, a escola é muitas vezes percepcionada, pela sua relativa autonomia, como importante produtor de transformações sociais. No entanto, ter esse facto em conta não impede que sejam percepcionadas as importantes e reais ligações entre a economia e a actividade de classificação e selecção realizada pela avaliação escolar.

“Sendo a avaliação um dos processos pedagógicos mais importantes, pode afirmar-se, por analogia, que a escola socializa através da avaliação, mas não de forma mecanicista. Assim, as diferentes modalidades de avaliação terão, elas próprias, impactos muito diferentes na socialização dos indivíduos em escolarização e nem todas serão igualmente funcionais para o mundo do trabalho” (Afonso, 2005: 27).

Dessa funcionalidade decorre uma tendência de substituição da modalidade de avaliação normativa, mais tradicional, pela criterial, que se relaciona, pelas suas características, com a promoção da aprendizagem por competências.

Deste modo, a avaliação normativa é muitas vezes referida como sendo o oposto da avaliação criterial, pelo que Afonso expõe:

“Enquanto que a avaliação criterial verifica a aprendizagem de cada aluno em relação a objectivos previamente definidos, a avaliação normativa – que presume que as diferenças individuais tendem a distribuir-se de acordo com a curva normal de Gauss – toma como referência, ou compara, as realizações dos sujeitos pertencentes ao mesmo grupo – o que lhe confere uma natureza selectiva e competitiva” (Afonso, 2005: 34).

Este tipo de avaliação traz vantagens pois permite comparações entre grupos, mesmo quando não são definidos os mesmos objectivos de ensino para esses grupos e até entre sistemas educativos diferentes.38 Assim, a avaliação normativa parece ser a mais adequada quando a educação se rege por valores de competição e comparação, por ser um tipo de avaliação exclusivamente centrada no produto final, reduzindo toda a complexidade do processo educativo ao produto visível. A avaliação normativa parece, então, estar estreitamente relacionada com uma ideologia de mercado e ganham sentido face às mudanças que se têm vindo a fazer sentir nas políticas educativas.

Como já foi referido, a principal característica da avaliação criterial reside na apreciação do grau de consecução dos objectivos de ensino, de acordo com o que cada aluno consegue ou não fazer e é, por este facto, também considerada a modalidade de avaliação que dá mais garantias de que são realizadas quer a transmissão quer a aprendizagem das chamadas competências mínimas necessárias ao mundo do trabalho e, ao mesmo tempo, é aquela que permite um maior controlo por parte do Estado. E talvez por isso seja esta a modalidade de avaliação pedagógica eleita para avaliar os cursos EFA e o processo de RVCC, facto a que voltaremos mais à frente. Quando se caracteriza a avaliação criterial face à avaliação normativa parece transparecer uma certa maldade ou bondade intrínsecas a cada uma delas, o que constitui um juízo falacioso. A avaliação como elemento político que é, será utilizada em função de certos objectivos e interesses, para além de que também a avaliação criterial tem, a um nível

38Afonso dá o exemplo do trabalho de avaliação da OCDE: “no âmbito de um projecto internacional para a construção de indicadores em educação (…) o primeiro indicador estabelecido para os resultados dos alunos foi, precisamente, a distribuição comparativa das pontuações. Defende-se, assim, que a distribuição das pontuações dos estudantes de um determinado país (…) deve ser relacionada com a distribuição conjunta das pontuações dos estudantes de todos os países participantes de modo a estabelecer um continuum internacional” (Afonso, 2005: 34).

macro, a mesma potencialidade de geração de informação para o mercado educacional, se for utilizada para recolher informações sobre o sistema educativo que depois serão divulgadas à opinião pública, nada impedirá que produza os mesmos efeitos que a avaliação normativa:

“Este argumento potencia, como é fácil de concluir, a desejabilidade social e política da avaliação criterial no contexto das práticas educativas contemporâneas; podendo ser utilizada como mecanismo de controlo por parte do Estado e, simultaneamente, como factor de mercado, a avaliação criterial (…) acaba por ser congruente tanto com as tendências de centralização curricular quanto com as tendências de criação do mercado educacional” (Afonso, 2005: 36).

Já num nível

meso

, a avaliação criterial é baseada nos objectivos definidos no contexto organizacional escolar, pelos seus órgãos de gestão e de direcção e que também devem representar interesses das comunidades locais que suportam a escola. No nível de sala de aula, micro, a avaliação criterial pode ser confundida com uma outra modalidade avaliativa, a avaliação formativa, na medida em que ambas requerem uma definição prévia dos objectivos.

Por seu turno, a avaliação formativa baseia-se em instrumentos de recolha criteriais, mas não exclusivamente, embora a clarificação de critérios da avaliação seja fundamental. A recolha de informação neste tipo de avaliação pode ser realizada por muitos métodos e técnicas, como a observação livre e sistemática, a auto-avaliação, o trabalho de grupo, entre outros, sendo muito mais do que testes referidos a critérios. Este é um tipo de avaliação que pertence ao professor e aos alunos e que representa uma ligação de confiança, existindo para melhorar o ensino e a aprendizagem uma vez que produz constantemente informação sobre o seu processo. Por outro lado, a avaliação formativa, pelo seu carácter contínuo e regulador, oferece-se como o instrumento de controlo por excelência.

Estas modalidades avaliativas enunciadas são referidas anteriormente na descrição da avaliação enquanto movimento porque estas fazem parte do desenvolvimento da avaliação e da forma de olhar a educação. A defesa de que a crescente importância dada à avaliação se relacione com a também “crescente dependência das economias nacionais em relação à produtividade dos sistemas educativos e a crescente proporção de recursos alocados à educação, intensificam pressões para medir a educação e avaliar o desempenho da escola” (Afonso, 2005: 42), não contradiz a outra perspectiva que salienta mais que a valorização da avaliação se deve, fundamentalmente, às características que detém, à sua componente “formativa e formadora” (Simão, 2008), como uma forma de fundamentação para as suas

práticas. Argumenta-se, em geral, que a avaliação é uma componente fundamental da educação e que os esforços para melhorar a educação exigem a melhoria das práticas de avaliação: “Para isso, após fazermos apelo ao constructo da aprendizagem auto-regulada, damos ênfase ao duplo valor regulador da avaliação (por um lado, com um papel formativo de regulação no ensino e, por outro, com o papel formador da regulação na aprendizagem)” (Simão, 2008: 125). Ainda que, estes autores sejam aparentemente dissonantes, eles encontram-se no ponto em que a avaliação é valorizada pelas suas componentes reguladoras, formativas, que permitam uma optimização, que fazem com que possua grande plasticidade. Mas no entanto, parece que Afonso, ao desconstruir e desocultar a politicidade da avaliação, torna evidente que essa mesma plasticidade encontra utilidade em função dos valores presentes nas perspectivas que orientam a prática da avaliação: é uma questão de poder e conhecimento.