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SUMÁRIO

1. MICROCRÉDITO E DESENVOLVIMENTO: A EVOLUÇÃO DOS CONCEITOS DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO.

1.16 A busca de uma nova concepção de desenvolvimento

As crises econômicas em alguns países, e a constatação do sucesso de outros modelos levaram ao questionamento do modelo neoliberal, em especial após a crise financeira de 2007-200816. As novas visões do conceito de desenvolvimento expandem seu significado, trazendo novos desafios para o Direito.

Hoff e Stiglitz (2001) definem o desenvolvimento como um processo de mudança organizacional, em uma perspectiva evolutiva que abrange também as instituições sociais, econômicas e políticas, e não mais apenas o processo de acumulação de capitais. Nas palavras de Hoff e Stiglitz (2001):

Não há fórmulas seguras para o desenvolvimento; se houvesse, haveria mais casos de sucesso. Algumas estratégias parecem funcionar por algum tempo e depois parar de funcionar; algumas estratégias parecem funcionar em alguns países e não em outros. [...] [O] desenvolvimento não é mais visto primeiramente como um processo de acumulação de capital, mas de mudança organizacional. [...] Ver o desenvolvimento a partir de uma perspectiva evolutiva introduz novos elementos na dinâmica do processo. ë

16 Stiglitz (1999, p.1) relata que o Produto Interno Bruto da Rússia reduziu-se a metade após na década após

1989, e o número de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza na Rússia elevou-se de 2 milhões para 60 milhões de pessoas, enquanto que o PIB da China dobrou no mesmo período.

uma questão de traçar não apenas as dinâmicas de acumulação do capital – focada pelos modelos tradicionais da teoria neoclássica – ou mesmo a transmissão do conhecimento – focada pela teoria de Schumpeter – mas também de instituições sociais, econômicas e políticas. (HOFF, STIGLITZ, 2001, p. 389 e p.400)

Stiglitz (1999) criticou o enfoque restrito dado ao conceito de desenvolvimento sob a ótica neoliberal:

Não é apenas a criação de uma economia de mercado o que conta, mas a melhoria dos padrões de vida e o estabelecimento das bases para um desenvolvimento democrático, equitativo, e democrático (STIGLITZ, 1999, p.3).

Stiglitz (1999, p.6) lembra que uma economia mais eficiente exige o remanejamento de recursos de atividades menos produtivas para atividades mais produtivas. A mudança de trabalhadores de um emprego de baixa produtividade para o desemprego reduz a produtividade; o empreendedorismo exige habilidades que devem ser desenvolvidas na prática, e capitais. A criação e manutenção de postos de trabalho, por meio da promoção do empreendedorismo e de estímulos keynesianos, devem ocorrer simultaneamente ou precedendo a reestruturação dos mercados (STIGLITZ, 1999, p.7). O economista defende que as normas, as instituições sociais, o capital social e a confiança têm papel crítico no sucesso dos mercados. O contrato social implícito, necessário a uma sociedade, não é implantado por decreto: é necessário tempo para a sua implantação. Face à complexidade dos fatores políticos e sociais, Stiglitz (1999, p.14) defende a descentralização: a tomada de decisão deve ser feita com a participação dos envolvidos nos processos de mudança.

O enfoque na melhoria da qualidade de vida e a participação democrática são pontos comuns da visão de Stiglitz (1999) com a visão de Evans (2008). Evans (2008) defende que as novas teorias do desenvolvimento, como a teoria do desenvolvimento como liberdade, a nova teoria do crescimento e a abordagem institucional, consideram que o crescimento econômico depende de instituições políticas e da capacidade de estabelecer objetivos coletivos, que requerem a ação do Estado. Para Evans (2008), há uma convergência entre as teorias.

A nova teoria do crescimento enfatiza os retornos crescentes das ideias como a chave para o crescimento; a abordagem institucional foca no papel chave da manutenção do compartilhamento de expectativas normativas, ou das regras do jogo, permitindo ações econômicas prospectivas. [...] Há uma convergência interessante entre o conceito do desenvolvimento [como

expansão das capacidades] e a nova teoria do crescimento. Sen enfatiza que a expansão das capacidades é simultaneamente o objetivo primário do desenvolvimento e o meio principal por meio do qual o desenvolvimento é alcançado. A ênfase dos teóricos do novo crescimento nos conhecimentos e habilidades incorporadas às capacidades dos indivíduos (e às redes que os conectam) são fatores chave para o desenvolvimento é consentânea à ideia de que a “expansão das capacidades” é o principal fator para o crescimento. Simultaneamente, há um tipo diferente de convergência entre as abordagens institucionais e a abordagem das capacidades. Os defensores da “virada institucional” focam de maneira crescente nas causas e consequências da determinação coletiva de objetivos, que Sen coloca no núcleo da abordagem das capacidades. Rodrik, por exemplo, argumenta que a democracia é uma meta-instituição que promove “instituições de alta qualidade” (EVANS, 2008, p.5).

O autor formulou uma visão do desenvolvimento para o século 21, unindo as visões das três teorias, que destaca o valor estratégico dos ativos intangíveis e do investimento nas capacidades humanas17.

A confluência da nova teoria do crescimento com a abordagem institucional ao desenvolvimento e a abordagem das capacidades ajustam-se ao contexto histórico em mudança, pois o desenvolvimento no século XXI dependerá da geração de ativos intangíveis (ideias, habilidades e redes) ao invés do estímulo ao investimento em máquinas e ativos tangíveis orientados à produção de bens tangíveis. Assim, o investimento nas capacidades humanas – que inclui o que é denominado tradicionalmente como capital humano – se torna economicamente mais crítico. [...] A aceleração do crescimento no século 21 requer a expansão do acesso ao estoque de ideias, aumentando a utilização efetiva deste estoque e gerando novas ideias específicas adaptadas às circunstancias específicas de um país. Tudo isso depende da expansão das capacidades humanas. Os mercados, por si sós, não fornecerão um estoque ótimo de serviços de expansão das capacidades. Apenas um comprometimento empresarial eficiente e agressivo por parte das instituições públicas pode fornecer o que é necessário (EVANS, 2008, p.13).

O comprometimento dos atores sociais é fundamental na proposta de Evans (2008):

[o] comprometimento dos atores sociais na implantação é crucial para as estratégias de expansão das capacidades bem como em obter informações quanto a seus objetivos. [Os] serviços e expansão das capacidades são sempre coproduzidos por seus receptores. A educação é coproduzida pelos estudantes (e suas famílias). A saúde é coproduzida pelos pacientes, suas famílias e suas comunidades. O estado precisa de seu comprometimento ativo para o fornecimento desses serviços de forma a assegurar que os investimentos produzam os efeitos desejados. O fornecimento a receptores passivos produz na melhor hipótese resultados subótimos e algumas vezes contraprodutivos. Mais uma vez, as habilidades e capacidades

17 Evans (2008, p.14) cita o exemplo da China: “Seus investimentos em saúde e educação, de base ampla,

organizacionais requeridas para estimular este tipo de comprometimento são mais complexas e mais difíceis de construir porque são mais políticas que tecnocráticas. (EVANS, 2008, p.16)

O autor destaca a importância da organização da sociedade civil para a concretização do desenvolvimento:

Para poder criar ligações efetivas entre o estado e a sociedade, o estado deve facilitar a organização das contrapartes na sociedade civil. A interação do estado desenvolvimentista do século 20 com as indústrias deu às elites industriais uma razão para tornar-se uma classe coletivamente mais coerente. O Estado desenvolvimentista do século 21 deve fazer o mesmo com uma seção transversal muito mais ampla da sociedade. Não será fácil. A sociedade civil é uma fera complicada, repleta de interesses particulares conflitantes que repleta de indivíduos e organizações que afirmam representar o interesse geral. Apesar disso, os interesses compartilhados na expansão das capacidades são amplos e profundos, Além disso, como o perigo da captura é menor na construção de ligações com indivíduos que não pertencem à elite, as instituições públicas podem concentrar-se no lado positivo desse projeto político (EVANS, 2008, p.16).

O modelo proposto por Evans (2008) valoriza a singularidade local, opondo-se ao modelo único do neoliberalismo.

O economista Fajnzylber, da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), defendeu na década de 90 um conjunto de sete “ideias-força” que deveriam orientar as políticas de desenvolvimento (BIELSCHOWSKY, 2009, p.178). Essas ideias tiveram grande influência e levaram ao desenvolvimento de uma nova corrente, denominada pela CEPAL como neoestruturalismo, que buscava associar a transformação produtiva com a melhoria da equidade, compatibilizando o crescimento econômico sustentável com uma melhor distribuição de renda. Desde então, o neoestruturalismo tem sofrido refinamentos, porém permanece central no pensamento cepalino atual.

As sete ideias-força apresentadas por Fajnzylber são as seguintes:

a) O progresso técnico é central para de elevar a produtividade e a competitividade;

b) A competitividade autêntica surge da aplicação constante e crescente do progresso técnico, da qualificação do capital humano e da equidade. Por outro lado, a competitividade espúria se baseia em desvalorização cambial, baixos salários e destruição ambiental;

c) A indústria é central ao progresso técnico, embora deva articular-se com os demais setores, a fim de permitir efeitos de derrame (“spillovers”) e encadeamentos produtivos;

e) É necessário amplo pacto social para inovação e progresso técnico; f) O papel das instituições é chave;

g) A democracia fortalece a transformação produtiva e social (BIELSCHOWSKY, 2009, p. 179).

A CEPAL defende a modificação da estrutura produtiva com a incorporação das parcelas da população não empregadas em atividades de elevado valor agregado:

A mudança estrutural que sustenta o processo de desenvolvimento é o que diversifica a economia e amplia a participação na estrutura produtiva dos setores com maior intensidade em conhecimentos (eficiência schumpeteriana) e com maior taxa de crescimento da demanda (eficiência keynesiana). A combinação destes dois tipos de eficiência da estrutura produtiva se denomina eficiência dinâmica, porque gera taxas mais altas de crescimento da produtividade, da inovação e do emprego. A mudança estrutural desejável, isto é, a que fortalece os setores com eficiência dinâmica, é definida e avaliada em função de seus efeitos agregados sobre o sistema econômico. Não há mudança estrutural virtuosa se meramente se multiplicam enclaves de alta tecnologia ou se apenas se modifica a ponta mais eficiente do sistema produtivo. A difusão de tecnologia e a expansão da demanda devem impulsionar não só um pequeno grupo de empresas, mas o conjunto da economia, por meio de encadeamentos para trás e para frente. Emerge deste processo uma distribuição mais homogênea das atividades de média e alta produtividade, que, ao mesmo tempo, torna mais densa a matriz produtiva. Neste processo de mudança estrutural surgem novos agentes e a mão de obra se desloca dos setores de baixa produtividade aos novos setores que “povoam” o espaço existente entre as atividades de ponta e as de subsistência. Assim, a dinâmica do emprego é um elemento central em todo processo de mudança estrutural. As economias em desenvolvimento se caracterizam por apresentar uma forte heterogeneidade, com parte significativa da força de trabalho em condições de informalidade ou em atividades de subsistência. Este contingente de trabalhadores têm baixíssima produtividade, o que afeta negativamente a distribuição da renda e a renda média da economia. Com a mudança estrutural virtuosa criam-se novos setores e atividades que absorvem a reserva de trabalhadores em empregos mais produtivos, de maior qualidade e mais bem remunerados. A força que reduz a heterogeneidade é a diversificação associada à mudança estrutural. (CEPAL, 2012, p.14)

No Brasil, Sicsú, Paula e Michel (2007, p.508) desenvolveram uma proposta para o desenvolvimento, com base nas ideias de Keynes, Stiglitz, e Davidson, e nas ideias do neoestruturalismo, que denominaram novo-desenvolvimentismo, termo utilizado por Bresser Pereira em artigo no qual critica o modelo ortodoxo de política monetária. A proposta dos economistas defende a necessidade de estratégias de desenvolvimento, onde mercado e Estado sejam fortalecidos, que incluem a adoção de uma política que desenvolva a competitividade das exportações de maior valor agregado e o desenvolvimento de uma

infraestrutura voltada para a competitividade sistêmica, que deve incluir o desenvolvimento de um sistema nacional de inovação (SICSÚ, PAULA E MICHEL, 2007).

As teses que norteiam a proposta de novo-desenvolvimentismo de Sicsú, Paula e Michel (2007) são:

a) não haverá mercado forte sem um Estado forte;

b) não haverá crescimento sustentado a taxas elevadas sem o fortalecimento dessas duas instituições (Estado e mercado) e sem a implementação de políticas macroeconômicas adequadas;

c) mercado e Estado fortes somente serão construídos por uma estratégia nacional de desenvolvimento;

d) não é possível atingir o objetivo da redução da desigualdade social sem crescimento a taxas elevadas e continuadas. (SICSÚ, PAULA e RENAUT, 2007, p. 509)

Bresser Pereira (2006) defende uma proposta de novo-desenvolvimentismo semelhante à de Sicsú, Paula e Michel: uma estratégia de desenvolvimento abrangente, porém com a manutenção de um modelo exportador semelhante àquele utilizado pelos países do Leste Asiático, com destaque para o desenvolvimento do capital humano. Para Bresser Pereira (2006),

um país se desenvolverá aproveitando as forças do mercado, desde que: a) mantenha a estabilidade macroeconômica; b) conte com instituições gerais que fortaleçam o Estado e o mercado e com um conjunto de políticas econômicas que constitua uma estratégia nacional de desenvolvimento, e c) seja capaz de promover a poupança interna, o investimento e a inovação empresarial (BRESSER-PEREIRA, 2006, p. 19).

Bresser Pereira (2010) destacou ainda a importância da compatibilidade das instituições para o desenvolvimento com as demandas da sociedade:

Uma estratégia nacional de desenvolvimento ganhará sentido e força quando suas instituições – sejam elas de curto prazo (políticas públicas) ou de relativamente permanentes (leis, instituições propriamente ditas) – responderem a necessidades da sociedade, quando forem compatíveis com a dotação de fatores da economia, ou mais amplamente, quando foram compatíveis com os elementos que formam a estrutura da sociedade. (BRESSER PEREIRA, 2010.)

Para Trubek (2009, p.30), no novo desenvolvimentismo as políticas são um processo de descoberta no qual o Estado busca o empoderamento do setor privado, em estruturas colaborativas que fomentam o experimentalismo. Para Trubek (2009),

De forma diversa do estado desenvolvimentista clássico, os novos Estados desenvolvimentistas preferem apoiar o setor privado do que envolver-se diretamente nas atividades financeiras, de manufatura ou outras atividades econômicas primárias. Mas, de forma diversa ao neoliberalismo, a economia política dos novos estados desenvolvimentistas reconhece que o setor privado pode ter deficiências na orientação ao empreendedor, deficiências de capacidade técnica, ou baixa propensão a assumir os riscos necessários à exploração de novas oportunidades e a manutenção da competitividade em uma economia global aberta. Em razão disso, a intervenção do estado pode ser necessária para o empoderamento do setor privado estimulando o empreendedorismo, dando subsídios à criação de conhecimento, e reduzindo o risco (TRUBEK, 2009, p.30).

As múltiplas correntes de desenvolvimento mostram a presença de um amálgama entre diversos conceitos de desenvolvimento anteriormente propostos. Em que pese à diversidade de conceitos de desenvolvimento e dos matizes ideológicos que integram estes conceitos, observa-se há diversos pontos comuns entre os conceitos e propostas de desenvolvimento mais recentes:

a) o reconhecimento de que não há uma fórmula única e segura para o desenvolvimento;

b) a necessidade de que o desenvolvimento seja uma resposta às necessidades da sociedade – que, no caso da sociedade brasileira, inclui certamente a redução das desigualdades econômicas e sociais, e a inclusão econômica dos segmentos mais vulneráveis.

c) o reconhecimento de que, de forma isolada, nem o governo, nem o mercado, são capazes de realizar de forma eficiente e sustentável no longo prazo o desenvolvimento econômico e inclusivo em uma abordagem ampla, e a colaboração entre os setores público e privado é indispensável;

d) o desenvolvimento requer instituições que fomentem o empreendedorismo e a inovação;

e) o desenvolvimento requer a integração em uma economia globalizada;

f) o desenvolvimento econômico inclusivo, impulsionado pela cooperação entre o setor público e o setor privado, requer novas instituições e novos quadros normativos.

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