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SUMÁRIO

3. O MICROCRÉDITO PRODUTIVO ORIENTADO: UM PANORAMA

3.1 Economia, pobreza e exclusão

A economia de mercado é orientada à busca do lucro nas atividades produtivas. A efetivação do lucro é incerta: a variação do comportamento dos agentes econômicos faz flutuar os resultados das atividades econômicas. Assim, o risco integra o próprio exercício das atividades econômicas nas sociedades capitalistas.

Os mercados de crédito – onde o produto negociado são os direitos sobre uma renda futura - não fogem à regra geral. O lucro de uma instituição de crédito depende de, quanto esta paga por sua “matéria-prima”, isso é, dos custos de captação de recursos de terceiros para a instituição financeira (que compreendem, entre outros, o seu custo operacional, que inclui os custos de busca e seleção dos tomadores de crédito e de administração das dívidas em aberto, por meio do acompanhamento e cobrança), das taxas de juros cobradas sobre as operações de empréstimos, da demanda de crédito (que é inversamente proporcional à taxa de juros), e do efetivo adimplemento das obrigações contratadas (que depende da disposição de pagamento

do devedor, que se distingue da capacidade de pagamento, embora afetada diretamente por ela).

A concessão de crédito levará a resultados econômicos diferentes, dependendo da atividade produtiva na qual o crédito será utilizado. Quanto maior o risco percebido na aplicação do capital, maior será a taxa de juros exigida, para que se possa compensar um eventual inadimplemento pelo tomador de crédito.

A seleção dos potenciais tomadores de crédito se dá a partir da análise das informações fornecidas pelo próprio candidato ao crédito. Há uma assimetria de informação: o potencial tomador de crédito conhece seu negócio e o mercado onde atua de forma muito mais detalhada do que a instituição financeira que concederá o crédito.

Para reduzir os riscos, quatro procedimentos são realizados tipicamente pelas instituições financeiras tradicionais:

a) a análise detalhada dos fluxos de caixa e balanços patrimoniais do devedor potencial no passado recente;

b) embutir nos juros do empréstimo a taxa de risco total estimada, em uma espécie de seguro contra o não pagamento total da dívida;

c) o estabelecimento de um “teto” de juros, negando a concessão de crédito aos projetos cujos riscos estimados exigem uma taxa de retorno superior ao teto estabelecido28.

d) a exigência de garantias reais, na forma de ativos que podem ser apropriados no caso de inadimplência, compensando eventuais prejuízos (HERMANN, 2005, p.276- 277).

O procedimento adotado pelas instituições financeiras tradicionais explica a exclusão do segmento de baixa renda do mercado de crédito bancário. Com frequência, as atividades econômicas desempenhadas por este estrato não são registradas, isto é, são informais, e não há uma contabilidade organizada que permita a análise de fluxo de caixa e de balanços patrimoniais, o que eleva a taxa de juros exigida. Não é raro que a taxa de juros necessária para cobrir o risco supere o “teto” de juros praticados, o que leva à negativa de concessão do

28 A concessão de crédito orientada pela taxa de juros mais elevada levaria a uma “seleção adversa” dos

tomadores de crédito: os bancos atrairiam somente os demandantes mais propensos ao risco e afastariam os menos propensos ao risco, e elevariam o risco de inadimplência dos empreendimentos cuja taxa de retorno não é muito elevada (STIGLITZ; WEISS, 1981, p.181).

crédito. Como os integrantes deste segmento possuem baixa renda, frequentemente não há garantias reais a oferecer.

Assim, o mercado de crédito para o segmento de baixa renda possui uma grande demanda reprimida pela ausência de oferta, que é suprida frequentemente por agiotas, que praticam elevadas taxas de juros e utilizam práticas coercitivas para assegurar o recebimento das parcelas devidas29.

O segmento de mais baixa renda, desta forma, se vê excluído do acesso ao crédito bancário para a realização de seus projetos, e se torna refém de um sistema alternativo que lhe reduz ainda mais a capacidade de pagamento.

A sistemática utilizada pelos bancos não é a única barreira ao empreendedorismo dos pobres. Diversos preconceitos e simplificações também contribuem para a exclusão social, financeira e produtiva dos pobres. Yunus e Jolis (2000) identificam alguns mitos, sobre a pobreza:

(a)os pobres devem ter alguma formação antes de empreender uma atividade geradora de rendas;

b) o crédito, por si só, não serve para nada; deve ser acompanhado de projetos de formação, de marketing, de transporte, de tecnologia e de educação;

c) os pobres não sabem economizar; têm o hábito de consumir tudo o que lhes chega às mãos, porque suas necessidades de consumo são prementes; d) os pobres não sabem trabalhar em equipe;

e) a pobreza crônica tem um efeito desastroso sobre o espírito e as aspirações dos pobres. Como acontece com o pássaro que, tendo passado a vida na gaiola, recusaria voar se a abríssemos;

f) as mulheres pobres não têm nenhuma competência, portanto é inútil conceber programas destinados a elas;

g) os pobres são demasiado famintos e desesperados para tomar decisões racionais;

h) os pobres têm uma visão acanhada da vida e não se interessam nem um pouco pelo que poderia ajuda-los a mudar sua condição;

[...]

i) os pobres preferem trabalhar para um patrão a se ocupar de seu destino; j) é possível que o crédito desafogue os pobres temporariamente, mas não terá nenhum efeito a longo prazo, nada fará para promover uma reestruturação equitativa da sociedade (YUNUS e JOLIS, 2000, p.104-105).

29 Banerjee e Duflo (2011, p.157) relatam que a taxa de juros cobrada por um atacadista de frutas aos vendedores

de frutas informais na cidade de Chennai, na Índia, é de 4.69% ao dia. Cem rúpias, ou cinco dólares e dez centavos, aplicados por um ano a esta taxa de juros, atingem a quantia de mais de um bilhão e oitocentos e quarenta e dois mil rúpias – o equivalente a mais de 93 milhões de dólares.

Somente a partir de uma compreensão de pobreza, baseada em sua realidade, é possível construir um ambiente normativo e institucional apto a integrar os segmentos de baixa renda em um projeto de desenvolvimento efetivamente inclusivo. O microcrédito produtivo orientado pode ser uma das políticas de apoio para esse fim, atuando de forma integrada com outras modalidades de crédito, políticas fiscais e políticas de desenvolvimento econômico e social.

Mostra-se oportuno, apresentar o modelo de microcrédito, que se tornou a referência internacional em microcrédito como instrumento de superação da pobreza: o modelo Grameen.

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