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4 CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS

4.1. A importância do método

A percepção de que o Direito é um fenômeno de múltiplas dimensões não é recente. Oliver Wendell Holmes Jr., Roscoe Pound e Benjamin Cardozo defendiam que a lei não pode ser compreendida sem referenciar-se às condições sociais, e que as perspectivas de outras ciências sociais deviam integrar-se ao Direito (MERCURO e MEDEMA, 1997, p.9).

Já em 1972, em relatório preparado para a Comissão Carnegie sobre a Educação Superior, Packer e Ehrlich (1972, p.56) assinalavam que o Direito é reconhecido pela maioria dos professores de Direito como “um fenômeno multidimensional – histórico, filosófico, psicológico, social, político, econômico e religioso”.

É cediço que o Direito cumpre um papel fundamental ao organizar as relações sociais. Para cumprir efetivamente esse papel, o Direito não pode apenas se autorreferenciar, sem cotejar a realidade que busca conformar.

Com esse objetivo, as pesquisas em Direito empírico, com o apoio de outras ciências, contribuem para o aperfeiçoamento do Direito. O reencontro da realidade e da norma contribuem para que o ser e o dever ser aproximem-se, o que constitui o próprio fim do Direito enquanto ciência normativa.

A necessidade de trabalhos empíricos no Direito e Desenvolvimento foi destacada por Trubek (2009a, p.3):

As políticas de Direito e Desenvolvimento devem ser baseadas em evidências. Precisamos ir além dos debates abstratos e desenvolver evidências empíricas sobre o que funciona e sobre o que não funciona. [...] Os países em desenvolvimento precisam dar saltos quânticos em sua capacidade de pesquisa sóciojuridica. Isto inclui o desenvolvimento de ferramentas para diagnosticar problemas e medir os resultados de reformas (TRUBEK, 2009, p.3).

A pesquisa jurídica não pode prescindir de um método. Nas palavras de Coutinho (COUTINHO; FERRAZ; CUNHA, 2013), método é.

saber percorrer conscientemente um conjunto de etapas de investigação, sabendo, se não exatamente onde tal investigação vai dar ao menos o que está se buscando, que hipótese se está testando, com que problema de pesquisa se está lidando, que pergunta se está tentando responder, que tese se

está tentando falsear, que conclusão ou achado de pesquisa alheia se está tentando submeter à verificação. É preciso, em suma, haver um referencial, um repertório autoconsciente (COUTINHO; FERRAZ; CUNHA, 2013, p.51).

Dessa forma, busca-se apresentar neste capítulo do trabalho o método que guiou a realização da pesquisa, situando-a na tipologia de pesquisa jurídica, apresentando a estratégia utilizada, a questão de pesquisa que se busca responder, e as opções adotadas pelo pesquisador para a realização da pesquisa.

Minow (2013, p.65-69) apresenta uma tipologia para os trabalhos jurídicos:

a) Organização doutrinária, os quais organizam o direito em elementos coerentes, categorias e conceitos;

b) Reformulação doutrinária, que buscam oferecer novas molduras ou novos paradigmas englobando doutrinas, categorias ou desenvolvimentos históricos;

(c) Análises de Políticas Públicas, que analisam o distanciamento entre os objetivos buscados pelo quadro normativo e a implantação, os conflitos entre objetivos, a falta de adequação entre as normas e as circunstâncias dinâmicas da sociedade, da economia, da biologia ou da técnica, ou ainda premissas equivocadas conforme demonstrado por uma revisão histórica, por modelos econômicos, pesquisa psicológica ou evidência de outros campos;

d) Testes de Proposições sobre a Sociedade, sobre a Economia ou sobre as Pessoas utilizadas por advogados ou assumidas por outras fontes jurídicas, que verificam a validade dessas proposições ou resumem trabalhos empíricos realizados por outros autores, ou buscam construir ou aplicar modelos;

e) Estudos de Análise Institucional, que realizam análises históricas, antropológicas, sociológicas, ou econômicas sobre o comportamento dos atores jurídicos ou das instituições, mostrando a complexidade, as lacunas entre a teoria e a prática, a dinâmica e as relações de significados e efeitos;

f) Projetos Críticos, que incluem a análise de inconsistências internas estruturais em uma área do Direito, práticas jurídicas ou instituições, e também as análises da tensão, das contradições e paradoxos entre o direito aparente e as práticas jurídicas.

g) Pesquisas comparativas e históricas, que descrevem momentos normativos anteriores, apontando diferenças ou continuidades com a prática jurídica atual;

h) Estudos de Jurisprudência, Filosofia Jurídica e da Interseção entre a Filosofia e o Direito, que buscam desenvolver ou elaborar teorias sobre o direito, ou aplicar teorias alternativas, para o desenvolvimento da ciência jurídica.

i) Combinações dos tipos anteriores, onde os pesquisadores se valem de diversas estratégias citadas.

O presente trabalho situa-se, na tipologia apresentada, no tipo Análise de Políticas Públicas, pois tem por objetivo analisar a Política de Microcrédito Produtivo Orientado como instrumento para a superação da pobreza, e como instrumento de desenvolvimento. Não é objetivo do trabalho a análise de instituições individuais de microcrédito, tema tratado intensamente nas pesquisas sobre o microcrédito desde os anos 90; todavia, as práticas das instituições de microcrédito poderão ser analisadas na medida em que representem apoios ou dificuldades para a eficácia do marco normativo atual.

Para avaliar a eficácia da política de microcrédito como instrumento de superação da pobreza, este trabalho adota uma abordagem de métodos mistos, isto é, uma abordagem quantitativa-qualitativa.

Creswell (2010, p.238) relata que a pesquisa de métodos mistos teve seu início na psicologia e na matriz multitraços-multimétodos desenvolvida por Campbell e Fiske (1959), aperfeiçoada por Tashakkori e Teddlie (1998), e posteriormente aprimorada por Creswell e Clark (2007)54.

Reunindo os pontos fortes das pesquisas quantitativas e qualitativas, a abordagem de métodos mistos permite enfrentar de maneira mais adequada a complexidade dos problemas abordados pelos pesquisadores das ciências sociais, permitindo uma melhor compreensão dos problemas enfrentados por esta pesquisa (CRESWELL, 2010, p.238).

Adotou-se uma coleta de dados concomitante, com o uso de um formulário de questões fechadas para o levantamento quantitativo, aplicado pessoalmente pelo pesquisador, e questões abertas que emergiram nas entrevistas realizadas. As respostas dos entrevistados às questões abertas foram gravadas com o consentimento dos entrevistados. Tanto os questionários quanto as entrevistas aplicadas foram feitas assegurando-se aos entrevistados o anonimato, para permitir aos entrevistados uma expressão mais livre de suas opiniões.

54 Um aprofundamento da história dos métodos mistos ultrapassa os limites deste estudo. Para o leitor

interessado na metodologia dos métodos mistos, é recomendada a leitura dos textos: Tashakkori, A.; Teddlie, C. Mixed methodology: combining qualitative and quantitative approaches. Thousand Oaks: Sage, 1998 e

Tashakkori, A. ; Teddlie, C. Handbook of mixed method research in the social and behavior sciences. Thousand Oaks: Sage, 2007.

As questões colocadas, por meio da aplicação do formulário e da realização das entrevistas, combinam o levantamento de dados objetivos, importantes para o levantamento estatístico do perfil e da evolução da situação posicional dos respondentes, e informações subjetivas, ligadas à percepção dos entrevistados quanto aos diversos aspectos do microcrédito produtivo orientado.

Adotou-se nesta dissertação uma perspectiva teórica abrangente – apresentada nos capítulos anteriores – para permitir ao leitor a compreensão dos aspectos analisados do objeto do estudo, verificados por meio da pesquisa jurídica empírica.

Embora a técnica de métodos mistos traga ao pesquisador um desafio maior, em razão da extensa coleta de dados e do tempo necessário para a análise dos relatos e dos dados numéricos, acredita-se que a técnica investigativa adotada valoriza a experiência dos respondentes e sua participação na construção de uma política pública mais eficaz, incorporada na análise dos resultados da pesquisa.

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