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A concepção neoliberal: o desenvolvimento como consequência natural da ação dos mercados globais livres

SUMÁRIO

1. MICROCRÉDITO E DESENVOLVIMENTO: A EVOLUÇÃO DOS CONCEITOS DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO.

1.14 A concepção neoliberal: o desenvolvimento como consequência natural da ação dos mercados globais livres

Com as crises ao final da década de 70, ressurgiram com força as ideias liberais. O neoliberalismo9 - conjunto de ideias políticas e econômicas que defende a não participação do estado na economia e a total liberdade de comércio para garantir o desenvolvimento econômico - ganhou força com a ascensão ao poder de Margareth Thatcher, líder do partido conservador inglês, após uma sequencia de greves que levaram à grande insatisfação dos eleitores britânicos com o partido trabalhista.

As políticas de Thatcher incluíram a desregulação, a redução da carga tributária, a redução dos direitos trabalhistas, a privatização de empresas estatais e a redução do poder dos sindicatos. O conjunto de políticas implantado pela primeira-ministra inglesa reduziu acentuadamente a inflação10 em seu primeiro governo, e recuperou o crescimento econômico após dois anos de queda do Produto Interno Bruto - queda que chegou a -2% no ano de 1981 (BRITISH BROADCASTING CORPORATION, 2013). Todavia, o custo social foi elevado: as medidas econômicas levaram ao aumento do desemprego11, da pobreza12 e da desigualdade13.

Programa semelhante foi adotado pelo presidente dos Estados Unidos, Ronald Reagan, que incluía igualmente a desregulação, a redução de impostos e do orçamento do governo, com o aumento da taxa básica de juros, reduzindo com sucesso a inflação14.

Com a elevação da dívida dos países em desenvolvimento, o crescimento das taxas de juros e a retração econômica, os países em desenvolvimento buscaram o apoio do Fundo Monetário Internacional, dos bancos privados e dos bancos centrais dos países desenvolvidos

9 A expressão neoliberalismo fui cunhada em 1938 por Alexander Rüstow, e associada posteriormente às ideias

da Sociedade de Mont Pelerin, fundada por Hayek, em 1947, para discutir o Estado, os destinos do liberalismo clássico e “combater a ascendência do Estado e dos planejamentos marxistas ou keynesianos que estavam varrendo o globo.” Hayek defendia um Estado mínimo, limitado às funções de proteção contra a força e de fiscalização do cumprimento de contratos (OTTE, 2008).

10 A inflação na Inglaterra elevou-se de 10,3% em maio de 1979 a 21,3% um ano depois, e caiu a 2,4% em julho

de 1986, voltando a subir para 9,7% em novembro de 1990, quando Thatcher deixa o cargo de primeira ministra. (BRITISH BROADCASTING CORPORATION, 2013).

11 O desemprego – que aproximava-se de 1,5 milhões de postos de trabalho em 1979, ultrapassou 3 milhões de

postos de trabalho em 1984, e teve decréscimo gradual até 1990. (THE GUARDIAN, 2013)

12 Em 1979, 13.4% recebiam abaixo de 60% da mediana dos salários; este valor atingiu 22,2% (12,2 milhões de

pessoas) em 1990 (Idem, Ibidem).

13 O coeficiente de Gini – indicador econômico da desigualdade – elevou-se de 0,25 em 1979 para 0,34 em 1990,

o que corresponde a uma elevação de trinta e seis por cento no período em que Thatcher ocupou o cargo de primeira-ministra britânica (Idem, Ibidem).

14 A inflação anual nos Estados Unidos foi reduzida de 13,5% em 1980 para 3,22% em 1982 (MCMAHON,

para o reescalonamento da dívida externa e para obter fundos emergenciais que evitassem uma desvalorização acentuada e uma inflação fora de controle (KENNEDY, 2006, p.131). O sucesso da implantação de políticas neoliberais na Inglaterra e nos Estados Unidos tornou prevalente a ideia de que a superação da crise econômica devia basear-se na adoção de uma política econômica baseada na austeridade fiscal, no livre comércio e na privatização das empresas estatais.

Um conjunto de ideias quanto ao modelo de política econômica necessário para a superação da crise econômica dos países da América Latina. de base neoliberal, tornou-se dominante no Tesouro e no Departamento de Estado dos Estados Unidos, bem como no Fundo Monetário Internacional e Banco Mundial (KENNEDY, 2006, p.129). Esse modelo tornou-se o paradigma global de política econômica, com a denominação “Consenso de Washington”, e foi estabelecido como condição para a concessão de empréstimos pelo Fundo Monetário Internacional, pelo Banco Mundial e pelas instituições financeiras internacionais que financiavam as dívidas desses países. Essas propostas eram:

1. A redução dos déficits orçamentários, [...] que devem ser pequenos o suficiente para que possam ser financiados sem o recurso ao imposto inflacionário.

2. O redirecionamento dos gastos públicos das áreas politicamente sensíveis que recebem mais recursos do que seria justificável por seu retorno econômico [...] para áreas negligenciadas que possuam elevado retorno econômico e o potencial de melhorar a distribuição de renda, como a educação básica, a saúde e a infraestrutura;

3. A realização de uma reforma fiscal, que amplie a base de cálculo e reduza as taxas marginais de tributação.

4. A liberalização financeira, tendo como objetivo final a determinação das taxas de juro pelo mercado.

5. A unificação das taxas de câmbio a um nível suficientemente competitivo para induzir um rápido crescimento de exportações não tradicionais.

6. A rápida substituição de restrições quantitativas ao comércio [internacional] por impostos de importação, reduzidos progressivamente até que seja alcançada uma taxa uniforme e reduzida na faixa de 10 a 20 por cento.

7. A revogação das barreiras que impedem a entrada de investimento estrangeiro direto.

8. A privatização das empresas estatais.

9. A revogação das leis que impedem a entrada de novas firmas ou impedem a competição.

10. A previsão de garantias aos direitos de propriedade, especialmente no setor informal. (WILLIAMSON, 2004, p.196)

Segundo Williamson, o conjunto de propostas pautava-se pela disciplina macroeconômica, pela orientação à economia global e de mercado, refletindo o pensamento econômico ortodoxo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico

(WILLIAMSON, 2004, p.197).

Para Kennedy (2006, p.129), no neoliberalismo a economia passava a ser considerada como um mercado, onde atores individuais realizavam trocas respondendo a sinais de preços e alocando os recursos para seu uso mais produtivo. O termo “desenvolvimento” cede espaço para o termo “eficiência” – a maximização do desempenho econômico. Nos governos, a gestão da economia deveria limitar-se a apoiar os mercados, por meio da eliminação de subsídios e de políticas econômicas que provocavam a distorção dos preços, do estímulo ao investimento estrangeiro, e do fortalecimento dos bancos privados. As atividades econômicas só poderiam ser executadas com eficiência pelos particulares; portanto, as empresas estatais deveriam ser privatizadas. (KENNEDY, 2006, p.129). O capital deveria ter liberdade para circular livremente (KENNEDY, 2006, p.131).

Em resumo, o conceito neoliberal de desenvolvimento corresponde ao desenvolvimento como resultado da atuação dos mercados livres: ajustadas as condições para o livre funcionamento dos mercados, e reduzindo a interferência do Estado, o desenvolvimento seria uma consequência natural do crescimento econômico.

Na década de 90, o desapontamento com os resultados econômicos, políticos e sociais da transição para uma economia de mercado nos países do leste europeu e Rússia, as crises cambiais asiáticas e latino-americanas, e a oposição às políticas de ajustamento estrutural nos países latino-americanos começaram a reduzir a força da corrente neoliberal (KENNEDY, 2006, p.150). As crises econômicas ocorridas no paradigma neoliberal, com o agravamento do desemprego e recessão, levaram a severas críticas do modelo neoliberal, entre as quais pode ser destacada a crítica de Stiglitz (2012) ao aumento da concentração de riquezas e da desigualdade:

as sociedades nas quais há ampla desigualdade não funcionam adequadamente e sua economia não é estável nem sustentável. A evidência da história e de todas as partes do mundo contemporâneo é inequívoca: há um ponto em que a desigualdade degenera-se em uma disfunção econômica que atinge toda a sociedade, e quando isso acontece mesmo os ricos pagam um preço elevado (STIGLITZ, 2012).

Em 2007, uma grave crise no mercado imobiliário norte-americano se alastraria por todo o mundo, reduzindo ainda mais a crença nos mercados não regulados. O crescimento da desigualdade econômica e do desemprego levou a uma grave crise do modelo neoliberal.

Há hoje múltiplos conceitos (ou premissas) de desenvolvimento, que fundem diversas concepções de desenvolvimento passadas, sem que haja um consenso ou um conceito de desenvolvimento dominante.

Para Kennedy (2006, p.156), com a crise do neoliberalismo, uma nova visão de desenvolvimento começa a se tornar prevalente entre os profissionais do desenvolvimento, fruto de uma intuição política, social ou ética sobre o que deveria ser uma boa sociedade. Essa nova visão do desenvolvimento, segundo o autor, compreende os seguintes pontos:

a) O Estado deveria ter um tamanho adequado – não mais o Estado mínimo da corrente neoliberal, nem o Estado como motor do desenvolvimento, típico do período desenvolvimentista.

b) O Estado deve apoiar a viabilidade política das ações necessárias para o desenvolvimento econômico, em um mercado social e democrático.

c) O Estado desenvolvido é aquele capaz de desenvolver seus cidadãos, responsivo a suas necessidades, e que investe no capital humano.

Neste cenário, destaca-se o conceito de Desenvolvimento como Liberdade, estruturado por Sen (2000), e que tem orientado os trabalhos do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), entre os quais se destacam os Relatórios de Desenvolvimento Humano e a elaboração do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)- desenvolvido por Ul Haq, Sen e outros consultores (PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO, 1990, iv).

O conceito de Desenvolvimento como Liberdade – que compõe o marco teórico deste trabalho - é apresentado a seguir.

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