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SUMÁRIO

2. DIREITO E DESENVOLVIMENTO

2.2 Direito e desenvolvimento: um campo multidisciplinar de limites difusos

A área de Direito e Desenvolvimento não tem limites claros. Os múltiplos conceitos de desenvolvimento e as múltiplas compreensões sobre o papel do Direito no desenvolvimento dificultam a delimitação de um campo.

Merryman (1977, p.465) vê o Direito e Desenvolvimento como um subtópico do campo de estudo Direito e Sociedade, definido ao final do século XIX e que estuda as relações entre o Direito e a sociedade de maneira abrangente e sistemática, buscando objetivos teóricos ou práticos. Dentro dos múltiplos subcampos do Direito e Sociedade, haveria um subcampo de estudos das relações entre o Direito e as mudanças sociais; sendo o desenvolvimento uma mudança social para o progresso, estaria o Direito e Desenvolvimento incluído dentro do Direito e Sociedade (MERRYMAN, 1977, p.471).

Para Merryman (1977, p.462), há três tipos de reformas que podem ser feitas pelo sistema jurídico para apoiar o desenvolvimento: o “ajuste” (tinkering), a “adaptação” (following), e o de liderar a reforma (leading). O “ajuste” aceita o sistema existente, busca mantê-lo operando, e faz ajustes ocasionais para melhorar sua eficiência; a “adaptação” refere-se ao tipo de reforma jurídica que busca adaptar o sistema às mudanças sociais; a liderança na reforma considera que a lei é utilizada para mudar a sociedade (MERRYMAN, 1977, p.462). Para Merryman (1977, p.463), a maioria dos autores na área de Direito e Desenvolvimento considera que a lei é um instrumento que leva ao desenvolvimento, e não uma resposta a ele. A ideia da lei como instrumento para o desenvolvimento apoia-se na ideia de progresso – a possibilidade de construir uma sociedade melhor por meio de medidas concretas. (MERRYMAN, 1977, p.463).

Rittich (2004, p.211-212) considera que o Direito possui três tipos de função no campo do Direito e Desenvolvimento: a função discursiva, a função distributiva, e a função constitutiva. A função discursiva corresponde à vocalização para assegurar a prioridade a determinados objetivos, tematizando, formalizando e legitimando agendas políticas; a função constitutiva corresponde à reconstrução dos objetos e atividades realizada pelas normas jurídicas e instituições, transcendendo a regulação; finalmente, a função distributiva corresponde a alocação de poder, riqueza e recursos entre os grupos sociais (RITTICH, 2004, p.211-212).

Tamanaha (2010, p.178) destaca que o grande número de relações dificulta a delimitação do campo de Direito e Desenvolvimento. Para o autor, o Direito e Desenvolvimento não possui coerência interna:

O Direito e Desenvolvimento é uma categoria mal construída, a qual carece de coerência interna. Cada ordenamento jurídico, em todo lugar, passa pelo desenvolvimento (ou regressão), de tal modo que não há nada de especial quanto a isso; entretanto, os múltiplos países que têm sido alvo de projetos de Direito e Desenvolvimento diferem radicalmente uns dos outros. Portanto, não existe nenhuma base unificadora exclusiva sobre a qual se possa formar um campo. Em vez disso, o trabalho do Direito e Desenvolvimento é melhor visto como uma aglomeração de projetos perpetuados por atores motivados e que contam com o apoio de financiamentos. Isto não significa uma descrição cínica, mas uma descrição exta, que coloca as atividades de Direito e Desenvolvimento num plano mais adequado (TAMANAHA, 2010, p.179).

Embora crítico, o autor reconhece a estreita ligação do Direito e Desenvolvimento com a sociedade:

Ao menos uma lição clara se destaca em meio à névoa: a sociedade é o centro de gravidade absoluto do Direito e Desenvolvimento. O termo “sociedade” é aqui usado em um sentido amplo – abrangendo a totalidade da história, a cultura, os recursos humanos e materiais, as composições religiosas e étnicas, a demografia, o conhecimento, as condições econômicas e a política. Nenhum aspecto do Direito e Desenvolvimento opera ou pode ser entendido isoladamente em relação a esses fatores circundantes. As qualidades, o caráter, os efeitos e as consequências do direito são completa e inescapavelmente influenciados pela sociedade circundante. Visto que cada contexto jurídico presente em cada sociedade envolve uma reunião única de forças e fatores, pode não haver nenhuma fórmula padrão para a regulação; uma lei que seja boa, em determinado lugar, pode apresentar efeitos ruins ou ser disfuncional em outro; consequências inesperadas podem vir a ocorrer. Intelectuais e profissionais do Direito e Desenvolvimento reconhecem a seguinte verdade fundamental: “o contexto importa”, “as condições locais são cruciais”, “as circunstâncias locais configuram a maneira como as coisas

funcionam”- variações dessa percepção têm se repetido tantas vezes que se pode considerá-la quase como um clichê (TAMANAHA, 2010, p.178).

Prado (2010, p.2) atribui a falta de coesão do Direito e Desenvolvimento à multiplicidade de respostas às perguntas sobre qual é a relação entre o Direito e o Desenvolvimento, e como a lei se relaciona com problemas como “baixa renda, falta de educação e pouca saúde”. A autora divide os trabalhos de Direito e Desenvolvimento em dois grupos: os trabalhos sobre Direito no Desenvolvimento, que analisam o papel instrumental na lei no alcance de objetivos de desenvolvimento, e Direito como Desenvolvimento, que analisa as reformas jurídicas e o Estado do Direito como objetivos em si mesmos (PRADO, 2010, p.3). Os estudos sobre o Direito no Desenvolvimento abrigam a diversidade de concepções sobre a relação entre o Estado e a organização da economia, que refletem visões desenvolvimentistas (que defendem uma participação ativa do Estado), neoliberais (que defendem uma intervenção mínima do Estado) e neodesenvolvimentistas (que defendem o papel ativo dos agentes do mercado em um ambiente regulado pelo estado, com a formação de parcerias público-privadas). Os estudos sobre o Direito como Desenvolvimento integram a perspectiva de Sen (2000), onde as liberdades instrumentais - que incluem a participação política em um Estado Democrático de Direito - são meio e fim do desenvolvimento (PRADO, 2010, p.5-6).

Prado (2010, p.3) destaca ainda que não há uma metodologia uniforme, mas uma pluralidade de metodologias para os estudos em Direito e Desenvolvimento. Os estudos em Desenvolvimento (que já são um campo interdisciplinar), a Ciência Política, a Sociologia, a Antropologia e outras ciências apoiam os estudos em Direito e Desenvolvimento, de acordo com os interesses de cada pesquisador. A eficácia do Direito em orientar comportamentos e promover o desenvolvimento é também objeto de divergência entre os pesquisadores: para alguns estudos, como na Análise Econômica do Direito, o indivíduo é um “agente racional”, respondendo a incentivos, explícitos ou implícitos, de natureza econômica; para outros estudos, o comportamento do indivíduo deve ser visto a partir de uma perspectiva sociológica, valorizando o papel das culturas na reação do indivíduo ao Direito como instrumento de mudança.

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