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SUMÁRIO

2. DIREITO E DESENVOLVIMENTO

2.3 Gênese e evolução do direito e desenvolvimento

2.3.4 As críticas e a crise do segundo “momento” do direito e desenvolvimento

O segundo “momento” do Direito e Desenvolvimento foi objeto de diversas críticas, passando por grave crise ao final do primeiro decênio do século XXI.

Para Garth (2001 apud Sage; Woolcock, 2007, p.3), os resultados incipientes dos projetos de Direito e Desenvolvimento do segundo “momento” espelham os mesmos problemas do primeiro “momento”: a captura do sistema formal e do processo de reforma pelas elites, a falta de atenção aos contextos locais e as instituições informais, e a tendência de interpretar o Direito, e o papel do Direito e do judiciário por uma perspectiva do modelo americano.

Trubek (2006, p.87) teceu críticas quanto ao transplante de leis e instituições jurídicas, destacando que as instituições jurídicas efetivas estão integradas nos diversos contextos locais, o que dificulta a incorporação de normas externas à realidade dos respectivos países, o que torna estas transposições complexas, com resultados geralmente decepcionantes. Sage e Woolcock (2007) destacaram a falta de compreensão dos sistemas jurídicos locais e suas interrelações no processo de transferência de normas jurídicas:

As normas culturais e o contexto social determinam de forma crucial o conteúdo, a legitimidade e a aplicabilidade dos sistemas de regras. Estes sistemas de regras, em toda sua heterogeneidade, apoiam e são elementos constitutivos do sistema jurídico corrente, e é o sistema jurídico que dá suporte às políticas de governo. Portanto, qualquer tentativa de adotar ou modificar políticas de desenvolvimento (inclusive políticas de desenvolvimento social) deve envolver o sistema jurídico. O envolvimento com o sistema jurídico , por sua vez, significa conhecer os sistemas de regras

que o constituem, o que, por sua vez, significa compreender as normas sociais que lhe servem de base. Todas três etapas desta sequência estão ausentes [nos transplantes de leis e sistemas jurídicos] (SAGE; WOOLCOCK, 2007, p.5).

Além disso, a aprovação dos diplomas legais não significa a transferência das normas, dado o hiato entre as leis “no papel” e as leis “em ação” (TRUBEK, 2006, p.87). Por essas razões, e dada a multiplicidade de sistemas jurídicos nas diversas economias de mercado, não seria viável estabelecer um único modelo “padrão”, de aplicação universal (TRUBEK, 2006, p.87).

O modelo adotado no segundo momento do Direito e Desenvolvimento, que buscava uma moldura neutra que permitisse o crescimento econômico, a autonomia judicial, e a aderência a um império da lei, simultaneamente a uma abordagem instrumental da lei, à solução pragmática de problemas, com uma abordagem ligada à ciência política, se mostrou incongruente, ao misturar características do formalismo jurídico com características de uma cultura jurídica pós-realista que rejeita esse formalismo (TRUBEK, 2009, p.88).

As contradições entre a proteção aos mercados e aspirações de democracia, justiça econômica e redução da pobreza levaram a dúvidas quanto à facilidade de implementação das políticas e mudança institucionais, e ao próprio conteúdo dessas mudanças, ditadas pelo “Consenso de Washington” (TRUBEK, 2006, p.89-90).

Channell (2006, p.322) elencou razões que levaram ao insucesso dos transplantes legais:

a) falta de apropriação: as leis são frequentemente traduzidas ou adotadas “por atacado” em transplantes precipitados, sem a adaptação cuidadosa e paciente à cultura jurídica e empresarial local, e sem envolvimento substancial dos participantes mais diretamente afetados, incluindo o setor privado e as organizações não-governamentais, não simplesmente as contrapartes do governo;

b) recursos insuficientes: os projetos de reforma jurídica são de curto prazo e com recursos financeiros insuficientes para criar os mecanismos e processos necessários que permitiriam a absorção suficiente - uma discussão com base ampla e participação sustentada no processo de reforma;

c) segmentação excessiva: diagnósticos e respostas superficiais a problemas jurídicos geram projetos que ignoram problemas sistêmicos e não contribuem para um conjunto integrado e efetivo [de normas] (CHANNELL, 2006, p.322).

Channell (2006, p.323) destacou que a não-participação no processo de criação das leis levava à resistência às mudanças impostas. Sem o conhecimento, ou o consentimento

informado pelos envolvidos, não havia eficácia prática das novas leis . As reformas eram feitas sem a realização de análises de custo e benefício, ou análises socioeconômicassobre as prioridades. Channell (2006, p.323) relata que “os consultores envolvidos nos diversos países declararam que nunca viram uma análise do benefício econômico que apoiasse as reformas normativas”. O autor cita ainda o exemplo das reformas da lei de falências da Albânia, no qual duas reformas da legislação foram feitas para atender às condições impostas para a concessão de empréstimos ao país, sem que houvesse a real necessidade de alteração da legislação pelo país. (CHANNELL, 2006, p.324)

A criação de políticas públicas efetivas, com o uso das leis, implica (ou deveria implicar) um diálogo entre o governo e os diversos grupos de interesse, que levaria à seleção dos meios apropriados para as mudanças desejadas. A implementação ressupõe um acordo com a sociedade. Leis criadas e impostas por condicionalidades de empréstimos, sem refletir as aspirações e necessidades de um povo, certamente estão condenadas à ineficácia.

Trubek (2006) lista os sinais da crise e mudança relativos ao segundo momento do Direito e Desenvolvimento:

a) reconhecimento explícito das falhas de transplantes e de métodos top- down;

b) rejeição do modelo único e ênfase no desenvolvimento de projetos específicos para os contextos locais, com a consulta de todos os stakeholders;

c) conscientização de que a reforma do sistema jurídico requer um prazo longo, e não pode ser realizada rapidamente;

d) apoio a projetos ligados à direitos trabalhistas, direitos das mulheres e proteção ambiental;

e) aceitação da necessidade de tornar o acesso à justiça uma dimensão explícita dos projetos de reforma dos sistemas jurídicos (TRUBEK, 2006, p.92).

McAuslan (1997, apud Messick, 1999) destacou que as reformas jurídicas – legais, e do sistema judiciário - do segundo “momento” do Direito e Desenvolvimento baseavam-se em três premissas: a de que o desenvolvimento requer uma moldura jurídica moderna semelhante àquela existente nos Estados Unidos; de que esse modelo provê regras claras e previsíveis; e de que esse modelo pode ser transferido com facilidade. Todavia, a pesquisa empírica refutou todas as três premissas.

Em apertada síntese, pode-se afirmar que o transplante de leis e instituições “ótimas” não produziu os resultados esperados pelo mercado, e pouco contribuiu para o desenvolvimento econômico, em especial no que tange à redução da pobreza.

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