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SUMÁRIO

2. DIREITO E DESENVOLVIMENTO

2.3 Gênese e evolução do direito e desenvolvimento

2.3.2 As críticas e a crise do primeiro “momento” do direito e desenvolvimento

Trubek (1972) e Trubek e Galanter (1974) teceram diversas críticas ao modelo adotado pelo Direito e Desenvolvimento nessa primeira fase.

Trubek (1972, p.15) considera que é equivocada a premissa de que há uma relação forte de causalidade entre a existência de um sistema racional weberiano e o desenvolvimento: para o autor, Weber apenas afirmou que a existência de um sistema normativo com racionalidade jurídica e lógico-formal poderia apoiar o desenvolvimento econômico, mas não que a existência desse sistema seria um determinante forte. A ideia central da existência de um sistema “ótimo”, para Trubek (1972, p.16) seria etnocêntrica (por interpretar as diversas culturas sob a ótica da Europa ocidental), evolucionista (por apoiar-se em uma visão da história como uma sucessão de estágios idênticos que se repetem em todas as sociedades) e determinística, ao considerar que o desenvolvimento econômico e do sistema normativo se dá em etapas claramente distintas e associadas.

Trubek (1972, p.20) considerava que a ideia da norma como instrumento para a operação de um sistema jurídico autônomo tinha como pressuposto a existência de um sistema político pluralista, onde o Estado não é um sistema distinto ou hierarquicamente superior à vida em sociedade, mas um processo que organiza a competição entre os grupos, onde todos os grupos são ouvidos para a construção de acordos reconhecidos como legítimos – encontrado na sociedade estadunidense. Trubek (1972, p.19) lembra que o pensamento instrumental é uma técnica de escolha dos meios adequados para os objetivos escolhidos. A lei, considerada como instrumento, é um meio para o alcance de determinados objetivos. Em um regime autoritário, o Direito dependerá dos objetivos do Estado, o que pode reduzir a autonomia do Direito. Assim, a instrumentalização do sistema jurídico, como técnica de escolha dos meios apropriados para o alcance dos fins escolhidos, o torna ainda mais dependente do aparelho estatal, fortalecendo a posição dos ocupantes do poder e reduzindo a autonomia do Direito nas sociedades onde não há um pluralismo de fato (TRUBEK, 1972, p.20-21).

Trubek e Galanter (1974, p.1080) destacaram que mudanças nos sistemas jurídicos com base no paradigma do legalismo liberal, não trazem, necessariamente, resultados positivos. O apoio técnico internacional busca a transferência de valores, e não há uma relação forte de causalidade entre as mudanças no sistema jurídico e as mudanças econômicas, sociais e políticas: o desenvolvimento depende de uma série de condições

históricas. Para o autor, o transplante de sistemas normativos como instrumento para o desenvolvimento, baseado na ideia do sistema “ótimo” é incoerente, por apresentar o paradoxo do reformismo e do evolucionismo (TRUBEK, 1972, p.17).

Empiricamente, o modelo do legalismo liberal teria como premissa o pluralismo social e político, e no Terceiro Mundo haveria uma estratificação social e uma separação de classes justaposta com sistemas políticos autoritários ou totalitários (TRUBEK e GALANTER, 1974, p.1080). Na prática, a neutralidade formal de um sistema jurídico não seria incompatível com o uso da lei como uma ferramenta de dominação pelas elites, pela maior possibilidade de acesso ao sistema jurídico, nem com sua utilização para justificar e legitimar ações arbitrárias de governos, ao invés de coibir estes excessos (TRUBEK e GALANTER, 1974, p.1083). Também o uso meramente simbólico da lei em temas sociais ligados ao desenvolvimento foi criticado pelos autores: estas leis fortaleceriam os grupos comprometidos com a manutenção do status quo, contendo as exigências de efetiva mudança (TRUBEK e GALANTER, 1974, p.1084).

A aplicação de um modelo de Direito e Desenvolvimento com base no paradigma social e jurídico norte-americano foi questionada por Trubek e Galanter (1974, p.1081), não apenas pelas diferenças sociais entre os Estados Unidos e os países em desenvolvimento apoiados pela assistência bilateral norte-americana, mas pela dúvida sobre a validade efetiva do modelo nos Estados Unidos. A crítica dos autores ecoava a crítica de Reich (1966) ao desenvolvimento planejado nos Estados Unidos, que, ao orientar-se exclusivamente ao crescimento econômico, se afastava dos valores democráticos, por não considerar os interesses dos cidadãos envolvidos nas mudanças.

Os resultados do primeiro “momento” do Direito e Desenvolvimento foram incipientes: a mudança no ensino jurídico não influenciou a prática jurídica fora das universidades, e, mesmo dentro das universidades, as mudanças foram mínimas; os transplantes de instituições jurídicas, onde isso ocorreu, não levaram a uma modificação no comportamento, permanecendo apenas como letra morta; nos casos em que o Direito facilitou as mudanças econômicas e o desenvolvimento, não houve os efeitos colaterais de promoção dos valores democráticos (TRUBEK, 2006, p.79). Ao contrário: em alguns casos, formou-se uma amálgama estável de legalismo, instrumentalismo e autoritarismo que reforçou os regimes autoritários (TRUBEK, 2006, p.79).

Kennedy (2006, p.121) criticou o foco das ações do primeiro “momento” do Direito e Desenvolvimento na modificação do perfil dos profissionais do Direito: para o autor, deveria

ter havido esforços para a efetiva inserção de objetivos sociais no quadro normativo (KENNEDY, 2006, p.121).

Para Merryman (1977, p.483) a tentativa de imposição de ideias e atitudes americanas ao Terceiro Mundo levou ao declínio do Direito e Desenvolvimento. Para o autor, a falta de familiaridade dos consultores com a cultura local levou a que as atividades de assistência técnica apenas refletissem a organização jurídica americana. (MERRYMAN, 1977, p.463).

Franck (1972, p.800) destacou que adotar um modelo americano como base para os países em desenvolvimento se mostrava inapropriado. Ao buscar simultaneamente os objetivos de unificação, industrialização e bem-estar social, os países em desenvolvimento seguiam de forma concorrente etapas que foram realizadas de forma consecutiva nos Estados Unidos. O planejamento, harmonização, ajustes e balanceamento desses objetivos seriam melhor realizados pelas lideranças dos países em desenvolvimento, do que por juristas americanos, que não teriam uma experiência comparável a compartilhar.

Tamanaha (2009, p.191) defende que a teoria da modernização, base do Direito e Desenvolvimento, era um modelo construído a partir de ideais que só poderiam ser alcançados em longo prazo, o que determinava sua inviabilidade para a construção de um desenvolvimento acelerado.

A crise no modelo de substituição de importações e no desenvolvimento movido pelo Estado, as críticas ao modelo (como ferramenta de um neoimperialismo e de intervenção nos países em desenvolvimento), os resultados incipientes do movimento Direito e Desenvolvimento, e a redução dos fundos destinados à assistência internacional reduziram o interesse no tema, que renasceria com vigor na década de 80, porém, com outros objetivos.

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