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2.3.4 A CÚPULA DO BNDES NO GOVERNO C OLLOR

A racionalização administrativa exigida por Collor não atingiu os órgãos de cúpula (Conselho Administrativo, Conselho Fiscal, Diretoria e Presidência)150 do BNDES, permanecendo o arranjo que vigorou durante a Nova República. Essa estrutura também não se modificou substancialmente ao longo período estudado (do governo Collor ao FHC). Em 2002, foi criado um Conselho de Auditoria e ampliou-se o número de diretores no governo Fernando Henrique e de conselheiros na administração de Cardoso e Lula. Houve também algumas poucas alterações na redação dos artigos que compõem o estatuto do Banco. Nenhuma das mudanças, no entanto, implicou transformações substantivas na atuação da instituição ou no relacionamento entre as diferentes instâncias e órgãos que a compõem151.

O Conselho de Administração é composto por seis membros indicados pelo Presidente da República152. O mandato dos conselheiros é de três anos, podendo ser reconduzidos por igual período. Com o término do segundo mandato, o conselheiro só

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É importante destacar que esta perspectiva (visão-cliente) foi sedimentada no Plano Estratégico (1988 – 1990). Portanto, estava em discussão no BNDES desde 1986. Para detalhes, ver COSTA, 2003.

150 A consultoria Souza, Boetger & Azevedo, quando fez o diagnóstico da situação do BNDES, sugeriu que se

mantivessem os três órgãos.

151 As informações baseiam-se no Decreto 88.101, de 10 de fevereiro de 1983; Decreto 104, de 22 de abril de

1991. Legislação Básica do BNDES, 2003 (pp. 81-110) e no Decreto 4.418, de 11 de outubro de 2002, que está na Legislação Básica do BNDES, 2005 (pp. 21-34).

152 O Decreto 3.077, de 1º de junho de 1999, determinou que um dos componentes do Conselho deve ser

indicado pelo Ministro do Estado, Orçamento e Gestão e os outros pelo Ministro do Estado sob cuja supervisão estiver o BNDES. Resolveu também que o Conselho deve ser composto por sete membros, sendo um deles o presidente do BNDES, que exerce a vice-presidência do órgão (Legislação Básica do BNDES, 2003, p. 102). Outro decreto (o 5.148), de 21 de julho de 2004, determinou que o Conselho deve ser composto por dez membros, sendo três indicados pelos Ministros do Planejamento, Orçamento e Gestão; Trabalho e Emprego e Fazenda e os demais pelo ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (Legislação Básica

92 pode fazer parte do Colegiado após um ano. Para que ocorra alguma deliberação, é necessário que pelo menos quatro de seus membros estejam presentes. As deliberações são tomadas por maioria de votos, cabendo ao Presidente do BNDES, além do voto ordinário, o de qualidade. Reúne-se quatro vezes ao ano e sempre que convocado pelo presidente da instituição. Suas principais funções são aprovar as linhas gerais de atuação do Banco, autorizar o orçamento global de investimento, apreciar os relatórios anuais, balanços patrimoniais e demonstrações financeiras, deliberar sobre o aumento de capital do BNDES, decidir os níveis de alçada decisória da Diretoria e do Presidente para fins de aprovações de operações153 e decidir sobre os vetos do Presidente às deliberações da Diretoria154. Durante o governo Collor, a composição do Conselho foi a seguinte:

Quadro 1: Conselho de Administração no período (1990-1992)

1990 1991 1992

Eduardo Eugênio Gouvêa Vieira

Benjamin Steinbruch Benjamin Steinbruch

Eduardo Tapajós Dionísio Dias Carneiro155

José Dias de Macedo Félix de Bulhões Félix de Bulhões

153 Esta atribuição não estava prevista no estatuto do BNDES que vigorou, durante a Nova República, não

constando do Decreto 88.101, de 10 de fevereiro de 1983. Está prevista no Decreto 104, de 22 de abril de 1991. (Legislação Básica do BNDES, 2003, pp. 93 e 104).

154 No anexo I consta a íntegra das atribuições do Conselho de Administração, previsto no Estatuto Social do

Banco.

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Dionísio Dias Carneiro tinha uma visão pouco convencional da crise em que o Brasil estava mergulhado. Destacava suas consequências para a formulação de um pensamento estratégico e independente nas instituições do Estado (burocracias e governos). “Essa é uma crise séria, porque não é mais individual. Estamos falando de grupos de articulação, o que é difícil repor no lugar. Reconstruir isso leva anos (...) Há que repor e redefinir as funções de um departamento de planejamento, no BNDES, na Eletrobrás (...) Tudo ficou reduzido a pensar no problema da tarifa de amanhã, na estratégia da cobrança da dívida depois de amanhã (...) As instituições paraestatais – que, no auge da repressão militar, tinham uma visão crítica da política econômica e que, portanto, eram vistas como importantes pelos gestores de então – fazem falta, hoje, quando se observa que há uma preocupação maior do governo, por exemplo, de que o departamento de planejamento de determinada instituição reflita o pensamento do presidente- o dela ou da República. Há uma preocupação muito grande com o grau de conflito. E por que? Porque o conflito existe, porque a desarticulação existe. Hoje, paradoxalmente, é muito mais complicado produzir-se um documento de análise econômica independente, numa instituição do governo, do que há 20 anos atrás. Isso só mostra o grau de fragilidade que se gerou. Então, é difícil esperar-se desses sobreviventes uma solução (pp. 7-9). Sua visão sobre as privatizações também destoava da perspectiva do governo e do BNDES: “Eu acho que o impacto fiscal da inflação é o menos importante. Penso mesmo que essa seria a pior razão para fazer-se a privatização. Ela poderia ter tido um impacto fiscal importante, tempos atrás, na época do programa Collor I, porque ia dar espaço para o governo recompor, a curto prazo, as suas finanças. Acho que a primeira função do programa de privatização, hoje, é a liberação da capacidade gerencial do governo” (CARNEIRO, 1992, p. 10).

93 José R. B. Meira de Araújo João Paulo dos Reis Velloso João Paulo dos Reis Velloso

Maurício Benedito B. Vasconcelos Raimundo E. Machado

Bacelar

As células preenchidas com a cor cinza indicam o ingresso de um novo conselheiro.

Fonte: Relatório do BNDES (1990-1992) – elaboração própria.

A mudança de governo não afetou imediatamente a composição do Conselho, pois, no ano de 1990, permaneceram os mesmos integrantes de 1989. Já no ano de 1991, todos deixaram o órgão. Eduardo Eugênio Gouvêa Vieira, Eduardo Tapajós e Raimundo Emerson Machado Bacelar ocupavam essa função desde 1985 e não podiam ser reconduzidos. Os demais estavam no Conselho desde 1987 e podiam continuar. Apesar de prever seis componentes, o órgão contou com apenas quatro em 1991 e três em 1992156.

O BNDES conta também com um Conselho Fiscal, composto por três membros e três suplentes nomeados pelo Presidente da República, com mandato de dois anos, sendo vedada a recondução157. Sua função é examinar e emitir pareceres sobre os balanços patrimoniais, demonstrações financeiras e prestações de contas semestrais da Diretoria do Banco. Deve também exercer outras atribuições previstas na Lei de Sociedade por Ações. O quadro a seguir apresenta os integrantes do conselho fiscal no período (1990-1992)158:

Quadro 2 – Membros do Conselho Fiscal

1990 1991 1992

José Antônio Carletti Ciro Dittberner Ciro Dittberner Luiz Fernando G. Welisch José Antonio Carletti Nemésio Altoe

Luiz Jorge de Oliveira Luiz Jorge de Oliveira As células preenchidas com a cor cinza indicam o ingresso de um novo conselheiro.

Fonte: Relatório do BNDES (1990-1992) – elaboração própria

Além dos conselhos Administrativo e Fiscal, o BNDES dispõe de uma Diretoria composta pelo seu Presidente, Vice-Presidente e quatro diretores nomeados pelo Presidente

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Conforme o estatuto, o mínimo necessário para se deliberar era de 4 conselheiros.

157

O Decreto n° 3.077, de 1° de junho de 1999, mudou a regra que orienta a composição do Conselho Fiscal. Manteve o mandato de 2 anos, mas permitiu a recondução por mais um período. A indicação não é mais realizada pelo Presidente da República. O Ministro da Fazenda indica um membro e um suplente, os demais são escolhidos pelo ministro sob cuja supervisão estiver o BNDES. (Legislação Básica do BNDES, 2003, p. 107).

94 da República159. Diferentemente do Conselho, não há determinação ou limitação do tempo do mandato dos diretores160. Suas principais atribuições são aprovar a organização interna e distribuição de competências; as linhas orientadoras da ação e as normas de operação e de administração do Banco. Delibera também sobre operações não reembolsáveis, aquisição e alienação de bens imóveis e valores mobiliários; demonstrações financeiras; contratos e convênios que representam ônus ou obrigações ao BNDES e sobre as matérias que devem ser submetidas ao Conselho de Administração161. A diretoria reúne-se uma vez por semana e sempre que convocado pelo Presidente do Banco. Para que ocorram deliberações, é necessária a presença de quatro membros. As decisões são tomadas por maioria de votos, cabendo ao Presidente o voto ordinário e de qualidade. Abaixo está o quadro de diretores do BNDES, durante o governo Collor162:

Quadro 3 – Diretores do BNDES (1990 – 1992)

1990 1991 1992163

Octávio Augusto Fontes Tourinho

Octávio Augusto Fontes Tourinho

Fábio Estefano Erber Pedro Luiz Bodin de Moraes José Mauro M. Carneiro da

Cunha

José Mauro M. Carneiro da Cunha

Sérgio Zendron Sérgio Zendron Sérgio Zendron

Venilton Tadini Venilton Tadini Guilherme Leite da Silva Dias

As células preenchidas com a cor cinza indicam o ingresso de um novo diretor.

Fonte: Relatório do BNDES (1990-1992) – elaboração própria

Diferentemente do que ocorreu no Conselho da instituição, com a chegada de Collor ao poder, a diretoria é totalmente modificada164. Quando Itamar Franco assume a Presidência e Eduardo Modiano deixa a direção do Banco, dois novos diretores (Fábio

159 Com o Decreto 2.253, de 13 de junho de 1997, ampliou-se a composição para cinco diretores, além do

Presidente e do Vice-Presidente do Banco.

160 A não limitação do tempo do mandato dos diretores foi uma mudança estabelecida no novo Estatuto do

BNDES, que entrou em vigor por meio do Decreto 104, de 22 de abril de 1991. Durante a Nova República, havia a limitação de três anos com possibilidade de recondução por igual período.

161 No anexo III, estão todas as atribuições da diretoria. 162

Em outubro 1992, Itamar Franco assume a Presidência. O ingresso de dois novos diretores (Fábio Erber e Guilherme Leite da Silva Dias) se dá no novo governo, após Eduardo Modiano deixar o Banco e ser substituído por Antonio Barros de Castro.

163 Em 1992, os diretores do BNDES são os escolhidos por Antonio Barros de Castro, que assumiu o comando

do Banco, em outubro, quando Collor sofreu o impeachment.

164 Em 1989, eram diretores do BNDES: Francisco Augusto da Costa e Silva, José Augusto Amaral de Souza,

95 Erber e Guilherme Leite da Silva) substituem Octávio Augusto Fontes Tourinho e Venilton Tadini.

Por fim, a presidência e vice-presidência do Banco foram ocupadas, durante o governo Collor, por Eduardo Modiano e Pio Borges. O Presidente tem como principais funções convocar e presidir reuniões do Conselho e da Diretoria, administrar e dirigir os bens, serviços e negócios da instituição, delegar competência executiva e decisória, coordenar o trabalho das unidades do Banco e baixar normas necessárias ao seu funcionamento. Ao vice-presidente cabe exercer as funções atribuídas aos diretores, participar da reunião do Conselho e, quando necessário, substituir o Presidente165.

Durante o período em que esteve à frente do BNDES, Modiano concedeu entrevistas e publicou artigos, que constituíram uma verdadeira campanha pró- privatizações. Em suas declarações, frisou o papel do BNDES na condução das desestatizações e também na nova estratégia de desenvolvimento anunciada por Collor. Fazia parte do “núcleo duro” da equipe econômica do ex-presidente e, apesar das crises e do fracasso do Plano Collor I (que ele ajudou a elaborar) e das alterações ministeriais (seja a saída de Zélia e sua equipe, seja a reforma ministerial na gestão de Marcílio, em abril de 1992), permaneceu na condução do Banco até o impeachment. Em 1991, foi escolhido “Homem do Desenvolvimento” pelo Conselho de Associados da Associação Brasileira de Instituições Financeiras de Desenvolvimento (ABDE), organização por ele presidida166.

Apesar de ter construído também uma carreira universitária, a trajetória profissional de Modiano demonstra seus fortes vínculos com o setor privado, especialmente com instituições financeiras e empresas de consultoria. O quadro abaixo elucida esse perfil167:

165 Todas as atribuições do Presidente e Vice-Presidente estão no Anexo III. 166

O presidente do BNDES é o presidente dessa associação.

167 As informações sobre a trajetória de Modiano foram retiradas do Dicionário Histórico Biográfico,

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Quadro 4- Perfil de Eduardo Modiano Eduardo Modiano

Local de nascimento: Rio de Janeiro Data de nascimento: 20/07/1952 Período em que presidiu o BNDES Março/1990 - Outubro/1992 Formação e presença no ensino e em outras atividades intelectuais

Engenharia de Sistemas na PUC-RJ Administração Pública na FGV-RJ

Economia na Faculdade Ciências Políticas e Econômicas - RJ

Mestrado em Administração, Finanças e Sistemas de Informação na Alfred P. Sloan School of Management, do Massachussetts Institute of Technology (MIT), em Cambridge.

Doutorado em Pesquisa Operacional e Economia na Alfred P. Sloan School of Management, do Massachussetts Institute of Technology (MIT), em Cambridge. Entre 1974 e 1978, contou com uma bolsa da Organização dos Estados Americanos (OEA).

Professor-visitante na Alfred P. Sloan School entre 1978 e 1979. Professor do Departamento de Economia da PUC-RJ.

Participação em organismos governamentais

Consultor da Companhia Vale do Rio Doce (1982) Presidente do BNDES (1990-1992)

Presidente da Comissão Diretora do Plano Nacional de Desestatização (1990-1992). Atividades profissionais em instituições privadas e presença no meio empresarial

Diretor da Macrométrica Pesquisas Econômicas e da Consultoria de Análise e Projeções Econômicas (Rio de Janeiro).

Diretor-Presidente da Econotech Consultoria (1986-1989).

Economista-chefe do Banco Sterling, no Rio de Janeiro, entre 1989 e 1990.

Vice-Presidente de investimento dos bancos Itamarati e Crefisul (1993). Presidente do Conselho de Administração do Grupo Modiano (1993- 1994)

Consultor do Fonte-Cindam (1994-1999).

Cargos eletivos e vínculos com partidos políticos

No começo deste capítulo, citamos as considerações de Maria da Conceição Tavares sobre o contexto político e econômico do fim da década de 1980 e início de 1990, em que ela afirma que, embora não houvesse consenso sobre o modelo de desenvolvimento a adotar e o papel do Estado, de modo geral, se reconhecia a gravidade da crise e a necessidade de mudança. Este aspecto é importante, porque se, num primeiro momento, Collor serve-se dos estudos, diagnósticos e sugestões do BNDES para definir sua proposta de reformulação do papel de Estado e estabelecer um novo modelo de política industrial e

97 de desenvolvimento (a Integração Competitiva)168, que rompesse com a substituição de importações, posteriormente os elementos centrais dessa nova estratégia são ignorados.

Neste sentido, a indicação de Modiano para a condução do BNDES é elucidativa. Collor escolheu alguém cujo perfil estava mais afinado com o objetivo central do governo de garantir o sucesso do plano de estabilização e reduzir, a qualquer custo, o papel do Estado do que com o propósito de redirecioná-lo, definindo um novo padrão de desenvolvimento. Modiano era um estudioso da Teoria da Inflação Inercial, especialmente dos impactos negativos dos mecanismos de indexação salarial sobre a eficácia das políticas ortodoxas, e não tinha como alvo de suas indagações acadêmicas a questão do desenvolvimento.

Além disso, a concentração de funções em um só Ministério (o MEPF)169, vista como um meio de minar os conflitos interburocráticos, reforçou o predomínio dos objetivos da estabilização sobre quaisquer outros. Aqui, é importante lembrar as já mencionadas análises de estudiosos170 que notaram a incapacidade de o governo conciliar a estabilização com a política industrial e, por conseguinte, de estabelecer uma estratégia de desenvolvimento coerente e negociada com os diversos atores políticos. Vale também destacar que, concentrando sob um só comando os Ministérios, “resolvia-se” outro conflito (Fazenda X Planejamento), que historicamente caracterizou a política brasileira, e foi agudo durante a Nova República, implicando, naquele momento, uma queda de braço que deu vitória aos heterodoxos sobre os ortodoxos171. No caso do governo Collor, a junção de Ministérios evitou os conflitos intraburocráticos, mas foi apenas com Marcílio Marques Moreira no MEFP que a ortodoxia e o monetarismo imperaram.

168 Vellozo Lucas estava no Departamento da Indústria e do Comércio do Ministério da Economia, Fátima

Dibb fazia parte do grupo que elaborou a MP 158 e Collor, desde a campanha, referia-se à Integração Competitiva.

169 Ministério ao qual o BNDES se subordinava. 170

ERBER (1991), PIO (1997) e SOLA (1993).

171 Refiro-me ao conflito entre Francisco Dornelles da Fazenda e João Sayad do Planejamento. Dornelles é

substituído por Funaro que, tal como Sayad, era afeito à heterodoxia. Nem a tentativa de imprimir alguma unidade técnico-ideológica a estas instâncias garantiu a unidade e as divergências permaneceram até que ambos deixaram os respectivos Ministérios, sem conseguir debelar a inflação. Contudo, a entrada de Funaro no Ministério da Fazenda não colocou fim nas divergências e o conflito no interior daquela equipe econômica (André Lara Resende – Bacen; Pérsio Arida – Seplan/ Bacen; Luis G. Belluzzo – Fazenda; João Manoel Cardoso de Mello – Fazenda; Mendonça de Barros – Bacen; Sayad – Planejamento; Funaro – Fazenda; Bracher – Presidente do Bacen; Edmar Bacha – IBGE; Andréa Calabi – Seplan; Francisco Lopes – auxiliar informal do grupo) prevaleceu. Para detalhes, ver: COSTA, 2003, p. 51 e PIO, 2001.

98 O predomínio da ortodoxia impactou o BNDES. Aspectos importantes da Integração Competitiva e dos Planos Estratégicos 1988-1990 e 1991-1994 foram desconsiderados e a instituição foi direcionada para os objetivos imediatos da estabilização. Ou seja, o papel estratégico que ocupou decorreu, fundamentalmente, da atribuição de conduzir o programa de privatizações. O caráter secundário da política industrial, durante esse governo, e sua incapacidade de conciliá-la com a política de estabilização impossibilitaram que o BNDES avançasse na concretização dos objetivos da Integração Competitiva e na consecução dos propósitos do Plano Estratégico 1991-1994.

Nesse sentido, não se cria, no Banco, um programa específico para estimular a produção de bens com alto potencial tecnológico, como previam a proposta de política industrial e o PACTI e sugeriam os estudos realizados pela instituição172. Um bom exemplo é o setor de química, que obteve em média 15% dos desembolsos para o setor industrial e não contou com qualquer estímulo para que desenvolvesse e se redirecionasse para biotecnologia, tal como recomendavam os estudos da Área de Planejamento do BNDES e o Plano Estratégico 1991-1994. Portanto, não são instituídos programas que estimulassem o investimento nesses setores173 e permanece-se concentrado no incentivo à produção de bens intermediários, setor com produtos tradicionalmente competitivos e que historicamente contou com apoio do Banco. Por outro lado, investimentos privados em setores fortemente depreciados de infraestrutura foram possíveis.

Num contexto de recessão, há dificuldades de investimentos nos dois casos, mas a importância que se atribuiu a cada um foi bem diferente. Não se observam, sejam nas diretrizes institucionais do Banco, sejam nas declarações de Modiano (1992b), referências a incentivos e investimentos nos setores com alto potencial tecnológico. Ao contrário, os recursos captados no exterior foram utilizados para o financiamento de empresas estrangeiras e para importação de equipamentos. Em ambos, sem qualquer exigência de transferência de tecnologia. Também não foram estabelecidos mecanismos de financiamento às atividades de risco.

172

Os estudos do Banco sugeriram investimentos em informática, microeletrônica, telecomunicações, bens eletrônicos de consumo, automação industrial e biotecnologia.

99 Já o investimento privado em infraestrutura não apenas é visto como crucial como se afirma que o BNDES é o elemento que irá viabilizá-los. Não se trata aqui de opor um a outro ou ignorar os gargalos estruturais aos quais estava submetida a área de infraestrutura, deixando de reconhecer a necessidade de investimentos, mas o que se quer é mostrar o tratamento diferenciado que dois importantes setores obtiveram num mesmo período. As privatizações são outro bom exemplo. Como vimos, a instituição foi internamente reorganizada para viabilizá-las174.

Do mesmo modo, deu-se prioridade ao incentivo às exportações e ao aumento da competitividade das empresas, o que implicou mudanças institucionais como a criação de um programa específico de incentivo às exportações (o já mencionado Finamex) e a preferência a projetos que objetivavam a capacitação tecnológica e a reorganização do sistema de produção, independentemente de qual fosse o setor demandante. Não é por acaso que as reestruturações na indústria foram bem sucedidas e foram obtidos ganhos de produtividade e competitividade como demonstraram os estudos de Bielchowsky & Stumpo (1996), Luciano Coutinho (1996) e Lia Haguenauer, João Carlos Ferraz & David Kupfer (1996), e que se fracassou nos setores que exigiam maior desenvolvimento tecnológico.

Parece claro que a análise da atuação do BNDES joga alguma luz sobre esses resultados e evidencia que a lógica da autonomia (os técnicos possuem preferências e capacidade, em termos de coesão organizacional, expertise e habilidade, para implementar suas decisões baseados nestas preferências) discutida por Geddes (1990) não se adéqua a esse contexto. O fato é que, diante do imperativo da estabilização, o BNDES não foi capaz