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Modernização do Sistema BNDES a partir de uma concepção

1.2.2 A I NTEGRAÇÃO C OMPETITIVA E O P LANO E STRATÉGICO 1988-

8) Modernização do Sistema BNDES a partir de uma concepção

empresarial adaptada às exigências do novo estilo de crescimento

(PLANO ESTRATÉGICO 1988-1990, p. 9 – grifos meus).

Percebe-se, portanto, uma mudança substantiva no conteúdo dos preceitos do BNDES, assim como nos objetivos traçados para a atuação da instituição. É necessário chamar atenção para o fato de que esta mudança envolveu também uma reorganização interna, cujo objetivo era a racionalização organizacional e a modernização das práticas operacionais da instituição e adaptá-las às novas condições. A Consultoria Souza, Boetger & Azevedo, contratada para auxiliar nesse processo, concluiu: “As soluções provavelmente se encontram dentro do próprio Banco, já que existem correntes internas de pensamento que utilizadas de forma correta podem e devem contribuir para o atingimento desses objetivos53”. Segundo Mourão (1994), a reorganização pretendia criar “um novo BNDES”, com nove objetivos centrais: Análise Estratégica de Competitividade, Clientes, Marketing, Agilidade, Engenharia Financeira, Avaliação de risco, Resultados, Administração Estratégica de RH e Integração (MOURÃO, 1994, p. 20)

Com efeito, convém notar que, ainda em 1986, quando o Plano Estratégico 1985- 1987 vigorava havia apenas um ano, deu-se início à revisão dos cenários que nortearam a formulação do plano anterior. Mais do que isso, tal revisão resultou na elaboração de um

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Esta citação foi retirada do relatório produzido, em 1988, pela SBA – Souza, Boetger & Azevedo Consultores Associados sobre o processo de reforma administrativa no interior da instituição. O relatório encontra-se no GEDOC (Acervo da Gerência de Documentação do BNDES).

33 cenário que fundamentou um plano (o Plano Estratégico 1988-1990), cujo objetivo era mudar significativamente as características do BNDES. Lembre-se que um dos objetivos de se instituir o método do planejamento estratégico era possibilitar que o Banco mantivesse uma determinada estratégia de ação, de modo que eventuais mudanças políticas não interferissem em sua atuação.

O fato é o que o método instituído em 1983 se manteve, mas a estratégia de ação do BNDES sofreu importantes transformações. Isto é, em 1984 projetara-se um plano que vislumbrava uma solução heterodoxa para os problemas da economia e que tinha sua ação pautada nesse diagnóstico. Já em 1986, faz-se uma revisão dos cenários formulados anteriormente e elaboram-se outros (Integração Competitiva, Inércia Corporativista e Fechamento) completamente diferentes de Retomada e do qual emanam estratégias de ação que caminham no sentido contrário ao das propugnadas nesse último. Esses novos cenários excluíam a possibilidade de o Brasil crescer caso continuasse pautado nos mesmos princípios que balizavam sua economia até então. Isto é, em tão pouco tempo (menos de um ano) o Banco muda substancialmente54.

As ideias contidas no cenário de Integração Competitiva não só passavam a permear os diagnósticos do BNDES e o seu Plano Estratégico e, portanto, a orientar sua atuação como se difundiam na sociedade, por meio do principal ideólogo da Integração Competitiva, Júlio Mourão, o qual deu várias declarações à imprensa, defendendo os preceitos desse modelo de desenvolvimento55. Além disso, foram realizadas palestras em

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Um elemento para compreender tal mudança é o fracasso do Plano Cruzado. Isso porque, simultaneamente à revisão de cenários, este Plano ia à bancarrota e surgiam vários remendos, todos fracassados, para tentar salvá-lo). Ou seja, a proposta heterodoxa de comando da economia falhou, o que impossibilitava a realização do Plano Estratégico 1985-1987, uma vez que ele estava estruturado, de acordo com um enfoque heterodoxo dos problemas da economia e propunha soluções que não fugiam de uma perspectiva nacional- desenvolvimentista.

55 A revista Exame publicou uma reportagem, em junho de 1988, sobre o BNDES, intitulada “A grande virada

do BNDES - Por que o maior banco de financiamento do país decidiu incentivar a privatização, os investimentos estrangeiros e o aumento das exportações, após passar décadas defendendo teses nacionalistas e estatizantes”, na qual Mourão dá declarações sobre a mudança do Banco. Na mesma revista (em outubro desse ano), Júlio Mourão escreve um artigo intitulado “O crescimento virá de fora”, no qual defende a Integração Competitiva. Ele também concede uma entrevista à revista Senhor, em maio (09/05) de 1988. Em 30/05/1988, a revista publica uma matéria de cinco páginas, intitulada “Na pista do capital” sobre o documento “O capital estrangeiro na indústria brasileira”, elaborado pelo Deplan, no qual afirma, entre outras coisas, a contribuição positiva do capital estrangeiro para o desenvolvimento. A matéria incluiu também uma entrevista com Márcio Fortes, presidente da instituição. Além das entrevistas à imprensa, o BNDES sediou, em novembro de 1988, o Fórum Nacional – Ideias para a modernização do Brasil, no qual a abertura da economia e a Integração Competitiva foram contundentemente defendidas. Diversas personalidades vinculadas ao BNDES participaram desse fórum, entre elas: Régis Bonelli (membro do conselho do BNDES),

34 todo o Brasil, nas quais o BNDES, por meio de seus representantes56, passou a defender a nova estratégia nos foros governamentais. Auxiliou, junto com o MIC (Ministério da Indústria e Comércio) e o IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), a elaboração da Nova Política Industrial no governo da Nova República. Participou de eventos e congressos sobre política industrial no Brasil e no exterior57, além de ter discutido a reestruturação da indústria com empresários58. Essa transformação no BNDES envolveu também uma reforma em sua organização interna: “A preparação do Sistema BNDES para enfrentar os desafios postos pela nova fase da economia completou-se em 1989, com uma profunda reforma efetuada em sua estrutura operativa e organizacional” (O Sistema BNDES nos anos 1990, 1990, p. 21). Pretendia-se modernizar e desburocratizar as práticas operacionais da instituição, adaptando-as às novas condições. “(...) o Sistema BNDES diversificou sua metodologia, adaptando-se ao tipo de cliente e tornando muito mais ágil sua ação, desburocratizando-se” (O Sistema BNDES no anos 1990, 1990, p. 21)59.

O BNDES tornou-se, portanto, um grande divulgador e defensor da abertura e liberalização da economia. O Banco, representado nas figuras de Júlio Mourão, Vellozo Lucas e Márcio Fortes, participou do debate em torno da intervenção do Estado na economia e apresentou uma posição liberalizante. Ideias como a de modernização e enxugamento do Estado, abertura da economia com o objetivo de estimular a competitividade, fim da proteção tecnológica, da reserva de mercado e da diferenciação entre capital nacional e capital estrangeiro, privatizações com o objetivo de melhorar a eficiência e competitividade dos serviços e liberar recursos para outros setores, passaram a

Nildemar Secches (funcionário de carreira), Júlio Mourão e o ex-presidente da instituição Marcos Vianna. Mourão, cujo texto está no livro O Brasil e a nova economia mundial, Editora José Olympio, 1991, utilizou sua fala para divulgar os estudos do BNDES e a elaboração do Cenário de Integração Competitiva.

56 Quem falava pelo BNDES e em nome da Integração Competitiva era principalmente: Júlio Mourão (ex-

chefe do Deplan e superintendente da área de planejamento), Luiz Paulo Vellozo Lucas (chefe do Deplan), Márcio Fortes (presidente do Banco), André Franco Montoro Filho (vice-presidente da instituição), Bruno Nardini (ex-vice-presidente) e Nildemar Secches (diretor responsável pela área de planejamento) (Mourão, 1994: 21).

57 Mourão afirma que apresentou o trabalho do BNDES no Banco Mundial, no BID, na Johns Hopkins

University, em Washington, e a banqueiros internacionais em Nova Iorque e Londres. Luiz Paulo Vellozo Lucas fez o mesmo, em Encontro da Unido, em Viena (Mourão, 1994: 21).

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Os empresários que estiveram presentes nas reuniões com o BNDES foram: Paulo Cunha, Eugênio Staub,

Cláudio Bardella, Paulo Villares, Oziris Silva (coordenador da Comissão de Política Industrial da FIESP), Paulo Francini, Luís André Rico Vicente (MIC), Heloísa Camargo (do CPA), Mauro Arruda (do INPI).

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Citação retirada do texto “O Sistema BNDES nos anos 90”, Departamento de Planejamento, 23/01/90 (mimeo). O texto é de janeiro de 1990, mas explicita as ideias formuladas na instituição ao longo da segunda metade da década de 80.

35 ser defendidas e apresentadas pelos representantes do Banco como a solução para os problemas do Brasil. Isto é, o BNDES atuou como um ator fundamental e contribuiu para a consolidação de um ideário que ganhava cada vez mais espaço e que alcançou hegemonia na década de 1990.

Não foi “apenas” por meio da divulgação de ideias e da mudança de prioridades que o BNDES contribuiu para a adesão ao seu projeto. Isto porque um importante membro do Deplan chegou ao cerne do aparelho estatal e ocupou um cargo estratégico no governo Collor. Luiz Paulo Vellozo Lucas, funcionário de carreira da instituição e chefe do Deplan, assumiu a direção do Departamento da Indústria e do Comércio do Ministério da Economia, Fazenda e Planejamento e deu início ao processo de abertura da economia. Tornou-se, ainda, um quadro importante do PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira)60.

O caso de Vellozo Lucas é emblemático. Primeiro porque ele fazia parte do quadro de carreira do BNDES, não tendo exercido, até então, qualquer função por indicação política no aparelho de Estado. Segundo porque ele estava vinculado ao projeto gestado no Banco na segunda metade da década de 1980, de modo que, ao assumir a secretaria responsável pela política industrial do governo Collor, Vellozo Lucas levava a Integração Competitiva do BNDES ao cerne do aparelho estatal. Assim, um órgão (o BNDES) que à primeira vista pode parecer apenas uma agência executora das políticas determinadas pelo Poder Executivo (no caso, Presidente da República e Ministério do Planejamento), formula um projeto para o país, leva-o para o debate público e ainda fornece quadros para que ele possa ser executado.

Nesse sentido, é importante perceber que as mudanças ocorridas no ideário do BNDES e, por conseguinte, em suas práticas, não foram impostas pela direção da instituição ou pelos órgãos aos quais ele era subordinado (Ministério do Planejamento e Presidência da República), mas partiram de um departamento do Banco (o Deplan),

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Pôde-se perceber que tão importante quanto Vellozo Lucas, neste processo de mudança no BNDES, é Júlio Mourão que atuou praticamente como comandante desse processo Mas diferentemente do primeiro, Mourão não exerceu nenhum outro cargo no Estado. Não ocupou ministérios ou secretarias, não se candidatou a nenhum cargo, nem se tornou um homem de Partido. Sua ação restringiu-se ao BNDES e à divulgação e extensão da estratégia nele formulada para outros órgãos do Estado. Foi um funcionário de carreira da instituição, que chegou a postos mais elevados, tornando-se seu principal representante, em um determinado período.

36 ocupado por técnicos61 de carreira, e foram levadas aos órgãos de cúpula da instituição. Na verdade, a implementação de um Planejamento Estratégico era vista como um meio de fazer com que o Banco voltasse a ter uma linha de atuação definida e uma maneira de driblar as mudanças políticas em sua cúpula. Isto é, tentava-se fazer com que os órgãos de decisão absorvessem o projeto e as diretrizes formulados no Deplan, e não o contrário.

E, de fato, as mudanças na presidência do Banco62 não impediram a continuidade do processo de planejamento estratégico. Com uma diferença: se, no princípio, havia a pretensão de que ele se restringisse ao âmbito interno do BNDES63, logo esse objetivo foi abandonado e o Banco passou a ser um ator fundamental no debate sobre a liberalização da economia e a reformulação do papel do Estado64, colocando em pauta ideias que se tornaram hegemônicas na década de 199065. “Não se trata de simples adequação à realidade existente. A instituição está preparada, ao invés, para justamente colaborar no processo de mudanças, conforme exigidas pela sociedade brasileira” (O Sistema BNDES no anos 1990, 1990, p.25).

Assim, não há dúvida de que os temas introduzidos pela Integração Competitiva, nos anos 1980, permearam as reformas da década seguinte. Cabe, no entanto, analisar o alcance desta proposta para além dos limites do Banco, bem como sua efetividade no interior da instituição, nos anos 1990.

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O técnico é visto aqui como um ator central nas disputas, nas quais carrega seu projeto concebido de forma técnica, mas principalmente ideológica. Não é aquela figura racional, livre das determinações que as disputas e os debatem implicam, e capaz de determinar por cálculos e sabedoria o que é melhor para o país e para a sociedade. “A reestruturação em curso nessas sociedades (países dependentes) é um processo complexo, essencialmente aberto, no qual o lugar do engenheiro – que analisaria os dados da questão e conceberia de fora, programas tecnicamente corretos, se competente – simplesmente não existe. Para começar, o „engenheiro‟ é parte interessada da situação problema” (CRUZ, 1997, p. 47).

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Nos anos 1983-1989, o BNDES teve sete presidentes diferentes: Luiz Antonio Sande de Oliveira (março de 1979-setembro 1983), Jorge Lins Freire (setembro de 1983-outubro de 1984), José Carlos Perdigão Medeiros da Fonseca (outubro de 1984-março de 1985), Dílson Funaro (março de 1985-agosto de 1985), André Franco Montoro Filho (agosto de 1985-janeiro de 1987), Márcio Fortes (janeiro de 1987-setembro de 1989) e Ney Távora (outubro de 1989-março de 1990).

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“Assim foi o começo, com um objetivo específico: nada de planejar o Brasil e sim o Banco” (MOURÃO, 1994, p. 6),

64 Maílson da Nóbrega, no artigo “A abertura não tem dono nem é de 1990”, publicado na Folha de S. Paulo,

em 27/09/1996, diz que “o BNDES contribuiu para formar opinião em torno da abertura, com Júlio Mourão e sua defesa da necessidade de integração competitiva do Brasil na economia mundial”.

65 Júlio Mourão, em entrevista à revista Caros Amigos em 1998, contou que por volta de 1987 mandava seus

estudos para o senador Fernando Henrique e que recebia no BNDES frequentes visitas do então deputado federal José Serra. Revela ainda que Zélia Cardoso de Mello estudou, durante a campanha eleitoral de 1989 e na preparação do programa econômico do governo, os trabalhos elaborados no Deplan (O ESQUEMA tático de FHC - como se montou a conflitante estrutura de poder que comanda o país, 1998).

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C

APÍTULO

2

-

M

UDANÇAS E

(

DES

)

AJUSTES NO PROJETO DE

I

NTEGRAÇÃO

C

OMPETITIVA

:

O

BNDES

NO GOVERNO

C

OLLOR