• Nenhum resultado encontrado

4.2 A POLÍTICA INDUSTRIAL DO PRIMEIRO GOVERNO FHC

No segundo capítulo, vimos que o governo não foi capaz de conciliar a estratégia de estabilização com os programas de política industrial. Os objetivos destes últimos sucumbiram diante do imperativo da estabilização. No terceiro capítulo, percebemos que o governo Itamar foi caracterizado pela ausência de uma estratégia estruturada de política industrial, sendo a indefinição sua marca mais notória. Neste tópico, analisaremos a política

261 Segundo o jornal Folha de S. Paulo, que revelou o conteúdo das fitas gravadas em escutas ilegais no

BNDES, as conversas entre Fernando Henrique e Mendonça de Barros mostravam a preocupação do Presidente com os efeitos do leilão para o país. Há trechos em que Mendonça de Barros e Lara Resende aparecem falando em preservar a qualidade das empresas privatizadas. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/circulo/pre_sp_3.htm Acesso em 10/01/11.

165 industrial do primeiro mandato de FHC e as tentativas de se estabelecerem eixos de atuação para ela.

Em outubro de 1995, a ministra da Indústria, Comércio e Turismo, Dorothéa Werneck, anunciou a nova estratégia governamental, cujos principais eixos eram o Programa Brasileiro de Design (PBD), o Programa Novos Polos de Exportação (PNPE), o Programa de Financiamento à Exportação (PFE), o Proex, o Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade (PBQP) e o Programa de Investimentos (Proinvest). Flávio Tavares Lyra262 (1996) afirma que os principais objetivos da política industrial eram expandir a produção, o consumo, o fluxo de comércio exterior de bens e serviços e o volume dos investimentos estrangeiros; desconcentrar geograficamente a produção industrial; e aumentar e melhorar a qualidade das oportunidades de trabalho.

Para tal, definiu-se como prioridade a implementação de políticas de investimento, capacitação tecnológica, comércio exterior e recursos humanos que tinham como linhas de ação: 1-) a redução do custo Brasil e a criação de um ambiente favorável à competição; 2-) a inserção do parque industrial brasileiro na economia internacional; 3-) o estímulo à capacitação tecnológica; 4-) a expansão do comércio exterior e a consolidação do Mercosul; 5-) o incentivo às micro e pequenas empresas; 6-) a concessão de estímulos à industrialização regional; 7-) a proteção ao meio ambiente e a ampliação do bem-estar geral; e 8-) o direcionamento do Estado para a infraestrutura econômico-social e para as atividades de planejamento e coordenação (LYRA, 1996, pp. 19-20).

Comin avalia que a estratégia de política industrial de Fernando Henrique seguiu as linhas da empreendida por Collor, isto é, políticas horizontais, sem definição de setores privilegiados ou de mecanismos específicos a eles. Eram políticas de corte geral, visando ao estímulo de toda a indústria a partir de incentivos e linhas de crédito não discricionários. A estratégia visava o cumprimento de metas (ganhos de qualidade, produtividade, aumento das exportações) sem que houvesse uma definição dos meios para se atingi-las ou dos setores a serem apoiados (COMIN, 1998, pp. 69-71).

262

Flávio Tavares Lyra era secretário executivo do Conselho Nacional de Zonas de Processamento de Exportação do Ministério da Indústria, do Comércio e do Turismo (MICT).

166 Um bom exemplo dessa perspectiva era o Proinvest. Tratava-se de um programa de investimentos que não definiu áreas prioritárias ou programas para setores estratégicos. Suas linhas de ação visavam a eliminação de restrições ao investimento privado nacional e estrangeiro; a redução dos custos tributários dos bens de capital, dos insumos e serviços de infraestrutura; o apoio à importação de tecnologia; o aumento da disponibilidade e redução dos custos do financiamento de longo prazo; e a criação de uma agência de promoção do investimento direto estrangeiro. Do mesmo modo, a política de capacitação à inovação tecnológica tinha em vista “dar continuidade” ao PBQP e ao PACTI, lançados no governo Collor (LYRA, 1996, p. 21).

Coutinho (1997) considerava que faltava coordenação dentro do governo (entre autoridades, agências e instâncias governamentais), bem como do governo com o setor privado, dificultando a efetivação de políticas que estimulassem a competitividade. Considerava essencial manusear os instrumentos clássicos de política industrial (proteção tarifária, tratamento fiscal-tributário, incentivos fiscais, concessão de créditos) e capitalizar o sistema BNDES. Este último era visto como único instrumento tradicional capaz de ser utilizado de forma criativa e estruturante. Defendia ainda a agregação de novos instrumentos e políticas horizontais e/ou complementares, tais como: ciência e tecnologia, qualificação e retreinamento dos trabalhadores, desenvolvimento regional, fomento às MPE, regulação de monopólios públicos, regulação da concorrência, propriedade intelectual e industrial, meio ambiente, qualidade e produtividade, normas técnicas etc. (ESTÁ na hora, 1997, p. 24).

Observe-se que o balanço de Coutinho sobre a política industrial do período, bem como suas proposições pouco destoam das diretrizes do MICT. Isto é, os percalços da política industrial decorriam mais da posição frágil desse ministério no jogo de forças e do predomínio dos objetivos da estabilização do que da ausência de diretrizes. Nessa “trama”, o possível papel estruturante do BNDES não tinha espaço para se efetivar263.

É interessante atentar para a percepção acrítica, em relação à abertura, do gerente da Área de Planejamento do BNDES, Maurício Mesquita Moreira. Ele considerava que o fechamento da economia havia levado à diversificação excessiva da indústria e à consolidação de setores ineficientes. Defendia a perspectiva de que a abertura especializaria

167 empresas e concentraria as linhas de produto nas mais competitivas, evitando a perpetuação da ineficiência ao longo da cadeia produtiva. No entanto, reconhecia que os setores de bens de capital e de bens intermediários haviam sido duramente atingidos264, bem como a desvantagem, provocada pelo câmbio, de alguns produtos, o que exigia o financiamento do governo (INDÚSTRIA e globalização, 1996, pp. 29-30). Vale destacar que essa postura é coerente com o ideário da Integração Competitiva, desenvolvido e assumido pelo BNDES, no final dos anos 1980.

Apesar do predomínio de políticas horizontais, foram implementadas algumas medidas para minimizar os efeitos da abertura empreendida nos anos Collor-Itamar. Conforme reivindicado pela indústria, foram adotadas, no início de 1996, salvaguardas como a utilização de legislação antidumping e implementadas elevações tarifárias, sobretaxas, cancelamento de reduções e restrições ao uso de financiamento de importação, as quais fizeram com que aumentasse a proteção para diversos produtos, tais como bens de consumo duráveis e não duráveis, partes e componentes, insumos de uso geral e produtos agrícolas. Para Sallum Jr., embora as medidas tivessem caráter compensatório, foram eficazes, pois permitiram a preservação e a renovação de ramos industriais que de outro modo desapareceriam (calçados e têxteis, por exemplo) (SALLUM JR., 2001, p. 341)

Houve também a tentativa, por parte do Ministério da Indústria Comércio e Turismo (MICT), de estabelecer algumas políticas setoriais. Em janeiro de 1997, o MICT divulgou o documento Indústria – Proposta de Ações Setoriais para 1997, elaborado por seus técnicos. O diagnóstico era de que, devido ao processo de reestruturação vivido pelo setor, a contribuição da indústria na balança comercial do país e na geração de empregos era insatisfatória. O Secretário de Política Industrial, Antônio Sérgio Martins Mello, considerava necessário melhorar a competitividade dos produtos no mercado interno e externo, até porque a política de abertura não seria revista. Avaliava-se que era preciso fornecer incentivos para quinze setores industriais, a fim de salvá-los da crise em que se

264 Estudo de Moreira, em parceria com o economista Paulo Guilherme Corrêa, mostrou a queda de 20,6% da

168 encontravam265 (GOVERNO vai tentar salvar 15 setores, Folha de S. Paulo, 27/01/1997). A proposta, no entanto, segundo Comin (1998), não saiu do papel.

(...) no plano estratégico e do discurso, os documentos produzidos pelo MICT não avançaram além do plano das boas intenções, e o país continua sem nenhuma política industrial digna deste nome. Na prática, porém, velhos instrumentos, de forma não planejada, estão sendo aos poucos reintroduzidos ou reforçados (COMIN, 1998, pp. 74-75).

Sallum Jr. (2001) ressalta que o governo não pretendia desenvolver uma indústria propriamente nacional nem era reivindicação ou intenção dos empresários que uma perspectiva como essa se efetivasse. A orientação fundamental era atrair ao máximo os investimentos estrangeiros e promover sua associação com empresas nacionais. No caso das associações empresariais, a reivindicação era a de reduzir as desvantagens competitivas em relação às empresas estrangeiras.

De modo geral, o governo apostou em medidas fiscais e creditícias. As primeiras foram a desoneração do ICMS sobre as exportações de produtos primários e industrializados semielaborados e sobre as compras de bens de capital e outros insumos pela empresas, além da transformação do PIS e da Cofins em crédito dedutível do IPI266. Em relação às medidas creditícias, o BNDES concedeu créditos favorecidos para as vendas externas, por meio do Finamex e ampliaram-se os recursos e a extensão do Proex267.

265 Os setores escolhidos foram autopeças, máquinas agrícolas, bens de capital, indústria naval, indústria

siderúrgica, eletroeletrônico, informática e software, papel e celulose, pesca, brinquedos, móveis, construção civil, couro e calçados, têxtil e confecções e complexo químico (CONFIRA como o governo avalia os setores In: Folha de S. Paulo, 27/01/1997).

266 As medidas foram: 1-) Redução para até 2%, com vigência até o ano de 1999, das alíquotas do Imposto de

Importação sobre máquinas, equipamentos e insumos importados em favor de empresas fabricantes de veículos automotores que se comprometessem a realizar exportações. 2-) Isenção de IPI, com vigência até 1999, sobre a produção de bens e serviços de informática, assegurando o crédito fiscal sobre os insumos utilizados na produção dos referidos bens; 3-) A dedução dos gastos de pesquisa e desenvolvimento até o valor de 50% do Imposto de Renda devido em cada ano pelas empresas produtoras de bens e serviços de informática. As empresas poderiam receber aportes de capital provenientes do Imposto de Renda de outras empresas do país em valor correspondente a até 1% do Imposto de Renda devido; 4-) os bens de capital novos incorporados ao ativo fixo das empresas, importados ou de produção nacional podiam se beneficiar da isenção do IPI. Para os bens de produção nacional era assegurado o crédito fiscal sobre os insumos adquiridos; 5-) máquinas e equipamentos importados que não tivessem produção similar no país beneficiavam-se da importação com alíquota zero do Imposto de Importação; 6-) Deduções do Imposto de Renda para aplicação em projetos de investimento, nos casos do Nordeste e da Amazônia Legal, e de deduções do Imposto de Renda e de isenções do Imposto de Importação sobre insumos e do IPI sobre a produção industrial, no caso da Zona Franca de Manaus (LYRA, 1996, p. 15).

169 Havia algumas iniciativas que constituíam exceções a esta lógica como o Programa Brasileiro de Design, cujo objetivo era desenvolver o design como forma de agregar valor e aumentar a competitividade dos produtos no mercado internacional, a Política de Apoio às Micro e Pequenas Empresas, que buscava incentivar empreendimentos de base tecnológica e as medidas destinadas ao setor automotivo.

Comin relata que o Novo Regime Automotriz (NRA) constituiu uma resposta ao deslocamento para a Argentina de investimentos no complexo automotivo, sobretudo de autopeças, inclusive de empresas brasileiras, em função do regime automotivo lá vigente. Foi definido pelas Medidas Provisórias 1.024/95 e 1.235/95. A primeira estabeleceu um novo regime, após meses de negociação entre o governo, as montadoras e membros do Mercosul. A segunda deu a feição definitiva, encerrando o processo. Amparou-se na Lei 9.449/96 e foi complementada pela Lei 9.440/97 relativa ao regime especial para as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste268 (COMIN, 1998, pp. 71-80).

Para o autor, as medidas destinadas ao setor automotivo constituíram uma autêntica política industrial e diferenciaram-se do conjunto da política industrial do primeiro mandato de FHC. Afirma que havia novidades positivas como, por exemplo, as metas de investimento e de exportações; a vinculação de incentivos a objetivos de investimentos, produção e exportações; a definição de prazos curtos e bem definidos para que fossem alcançados; o condicionamento de benefícios a contrapartidas; e a orientação para as exportações (COMIN, 1998, pp. 98-99).

Sallum Jr. considera que essa política não visou apenas preservar o parque industrial, mas atrair investimentos novos, garantindo o estabelecimento de uma parte do sistema transnacional de produção automotiva no país. Destaca que a Organização Mundial do Comércio condenou o sistema de cotas de importação nele previsto, obrigando o

268 As principais medidas do regime automotivo foram: redução de 90% no Imposto de Importação para

máquinas, que passaram a ter uma alíquota média de 2%; redução de 85% até o ano de 1999 das alíquotas de importação de matérias-primas, partes e peças para todos os fabricantes de veículos, tratores, reboques e similares, incluindo pneumáticos, que passaram de uma média de 18% para 2,8% em 1996; isenção de 50% da tarifa do Imposto de Importação de veículos prontos para as montadoras que se dispusessem a aderir ao Novo Regime Automotivo; fixação do índice de nacionalização em 60%; determinação das isenções por uma proporção 1,5/1, isto é, para cada 1,5 exportado pela montadora, ela poderia efetuar importações de US$ 1 com alíquotas reduzidas. Estas medidas tiveram um custo fiscal considerável (as isenções fiscais aumentaram de 1% do PIB em 1993/1994 para 1,8%, o que levou a ala neoliberal a combater os acordos setoriais. Ao longo dos anos 1996 e 1997, houve alterações no NRA decorrentes das pressões internacionais contra a discriminação da origem das importações de veículos e da insatisfação do segmento de autopeças com a assimetria das alíquotas de importação dentro da cadeia (COMIN, 1998, pp. 74-80).

170 governo a conceder facilidades de importação para as corporações transnacionais que não tivessem ou pretendessem ter fábricas no país. O autor explica que a justificativa do governo para o programa foi a de que se tratava de uma adaptação à política vigente no Mercosul (SALLUM JR., 2001, pp. 332-333). Segundo Comin, os problemas ocorreram devido à orientação liberal presente até a crise mexicana (1994), o que levou o Brasil a perder o prazo para registrar as políticas restritivas de comércio na OMC.

(...) Quando começa a nova conjuntura internacional, o país percebe que o Protocolo de Ouro Preto e a falta de uma política industrial para o setor automobilístico estava causando, além do problema da perda crescente de divisas, contornado de momento pelas elevações tarifárias, um risco de perda estratégica: o desvio crescente de investimentos das montadoras, e atrás delas uma parte das autopeças, para o país vizinho. A única maneira encontrada pela diplomacia brasileira para justificar seu NRA junto à OMC, na verdade sua principal linha de argumentação na organização, foi justamente a necessidade de unificar os regimes dentro do bloco” (COMIN, 1998, p. 109).

Para Comin, o NRA foi capaz de atender ao objetivo mais imediato de conter a sangria de divisas que as importações de veículos haviam provocado no período anterior, possibilitando a continuidade da estabilização, pois o desequilíbrio comercial a ameaçou.

É neste contexto de política industrial horizontal coadjuvada por medidas

ad hoc de proteção tarifária, subsídios fiscais e promoção creditícia às

exportações que o governo implementa uma nova estratégia para o setor automotivo (...) cria-se uma política industrial com um claro recorte setorial – medidas específicas ao setor, instrumentos discricionários, envolvimento direto do Estado com as empresas, definição precisa de objetivos, cronogramas etc. – em meio a um estratégia geral que é essencialmente horizontal. Novamente a indústria automobilística passa a ter um tratamento específico, após o interregno em que foi arrastada para vala comum do esforço de estabilização (COMIN, 1998, p. 75).

Por outro lado, Comin alerta que tais medidas impulsionaram a guerra fiscal entre os estados, pois estes concediam estímulos e subsídios para as empresas que neles se instalassem. O próprio governo federal estimulou esse tipo de comportamento ao editar a MP 1.532, de dezembro de 1996, que previa benefícios às empresas que optassem por se estabelecer nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste do país. Outro aspecto que merece ser mencionado é o fato de o Novo Regime Automotivo ter sido resultado de negociações entre governo e montadoras (sem qualquer participação dos trabalhadores), num contexto

171 em que as câmaras setoriais estavam esvaziadas, desarticuladas e haviam perdido o papel de fórum de elaboração da política industrial para o setor.

Glauco Arbix (2000) faz considerações mais críticas a esta política. Afirma que, de forma geral, não houve discussão sobre um projeto nacional, as políticas industriais foram constrangidas pela macropolítica da estabilização e proliferaram as orientações setoriais, regionais e pontuais. Além disso, o Estado delegou a implementação de políticas industriais para os governos subnacionais, que politizaram a disputa por novos investimentos estrangeiros, estimulando a guerra fiscal. “Em geral despreparados, Estados e municípios acabaram apresentando à opinião pública pseudopolíticas de industrialização, sem qualquer expressão de reciprocidade na relação com as multinacionais” (ARBIX, 2000, p. 245).

É importante notar a capacidade de o setor automotivo fazer valer seus interesses até em cenários de grande fragilidade da política industrial. Vimos que, desde o governo Collor, os objetivos da estabilização têm subordinado quaisquer outros e dificultado a implementação de uma política industrial consistente e articulada com o setor privado. Esta característica, no entanto, não impediu que o governo estabelecesse diretrizes absolutamente favoráveis a este segmento industrial, privilegiando-o em detrimento de qualquer outro.

Segundo Arbix, o governo federal não agiu no sentido de definir as políticas industriais regionais e estimulou os governadores a se envolverem na guerra fiscal como recurso para atração de novas fábricas. As empresas montadoras tiveram ampliada sua capacidade de interferir nos rumos da política fiscal e tributária, nas relações de trabalho e, com a guerra fiscal, nas políticas. Lembra que os investimentos externos são úteis, desde que inseridos em um claro projeto industrial elaborado e coordenado pelos poderes públicos.

Para além das fricções políticas e econômicas entre os Estados, uma outra resultante desse processo aponta para a perda da capacidade de

planejamento e de controle efetivo dos poderes públicos sobre as estratégias de desenvolvimento. Em lugar do Estado central, que investia

e produzia diretamente por intermédio de suas empresas e autarquias – o que realçava o papel dos staffs públicos de elaboração e implementação de políticas – surgem agora governos estaduais e municipais que,

orientados por essa disputa, acabam por subordinar suas políticas de desenvolvimento às estratégias privadas, comportando-se muitas vezes como avalistas e porta-vozes desses interesses, a priori identificados

como o interesse público. Como corolário, nos governos subnacionais que mais se comprometeram com essa guerra, as negociações entre o setor

172

público e os grupos privados são realizados a portas fechadas e anunciadas – quando o são – somente quando os acordos já foram, de fato, celebrados. (ARBIX, 2000, p. 263 – grifos meus).

Coutinho apresenta perspectiva semelhante ao destacar que a ausência de uma política industrial federal impulsionou a guerra fiscal. “Os estados brasileiros passaram a atuar como agentes autônomos, na tentativa de usar a isenção do ICMS como alavanca de atração dos investimentos privados” (COUTINHO, 2002, pp. 200-201). Também considera que houve incompatibilidade entre as políticas macroeconômica e industrial:

Arbix identifica certa ambivalência no discurso do governo federal, assim como nota uma pulverização dos centros que elaboram e definem políticas industriais (Ministério do Desenvolvimento, Ciência e Tecnologia, Itamaraty, BNDES e Ministério da Fazenda). Considera que o último reinou de forma absoluta sobre os demais e afirma que o Planalto relutava em coordenar a elaboração de políticas de desenvolvimento, deixando nas mãos das grandes multinacionais a responsabilidade pelas decisões sobre o desenvolvimento (ARBIX, 2000, p. 267).

Comin (1998) também destaca o já mencionado conflito, entre as alas desenvolvimentista e monetarista, presente no primeiro mandato de FHC. Enquanto o primeiro defendia uma estratégia de médio e longo prazos para o fortalecimento do investimento no Brasil, o que exigiria a mudança de regras para garantir algum tipo de proteção à indústria local, o segundo sustentava uma postura mais liberal, opondo-se, por exemplo, à construção de um regime automotriz.

O fato é que a política industrial era um campo privilegiado para que as medidas liberal-desenvolvimentistas fossem desenhadas e o conflito entre seus defensores e seus adversários se tornasse mais agudo. Segundo Sallum Jr. (2001), o Novo Regime Automotivo, a elevação das tarifas de importação de alguns produtos, a implementação de medidas de proteção setorial (cotas de importação, elevação de tarifas, eliminação de isenções tarifárias, linhas especiais de crédito e eliminação de impostos) e horizontal (crédito favorecido às pequenas empresas e às exportações) foram exemplos de inflexões liberal-desenvolvimentistas. Outra evidência foi o lançamento, em agosto de 1996, do Programa Brasil em Ação, conjunto de 42 projetos no valor de 60 bilhões de dólares,

173 incluindo empréstimos externos, investimentos privados e recursos fiscais da União, de