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O exame dos Planos Estratégicos é uma forma bastante eficiente de captar o ideário e os objetivos do BNDES. O caráter normativo destes planos e sua característica de “guia de ação” são aspectos que devem ser levados em conta, quando se avaliam os resultados alcançados e as políticas efetivamente adotadas. Em outras palavras, a comparação entre o que se pretendia e o que se realizou, dadas as prioridades do governo e a conjuntura, pode nos auxiliar na elucidação da relação entre o BNDES (agência burocrática) e o Estado. Até porque, embora as diretrizes centrais dos planos estratégicos estejam em consonância com a

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O Sistema BNDES nos anos 90 – 1.ª minuta para discussão, (20/12/1989 - mimeo).

110 A declaração de Eduardo Modiano (primeira epígrafe deste tópico) permite que se tenha a dimensão do

68 perspectiva definida pelo governo e órgãos de cúpula (Presidência e Diretoria), eles são fruto, fundamentalmente, do trabalho do corpo técnico.

Neste sentido, é interessante perceber que o parâmetro do Plano Estratégico 1991- 1994 é a proposta de política industrial do governo Collor e as suas metas, e não o plano de estabilização ou os objetivos da política macroeconômica111.

À luz dos desafios impostos por essa nova realidade e da necessidade de eliminar as distorções criadas pela extensão a que foi levado o processo de substituição de importações no Brasil, o governo definiu, em junho de 1990, as novas diretrizes de política industrial, consolidadas no documento „Diretrizes Gerais para Política Industrial e de Comércio Exterior‟ (...) O Sistema BNDES, sendo uma instituição pública dirigida para o financiamento de longo prazo ao investimento, é, por sua natureza, um instrumento fundamental da nova política. (BNDES, Plano Estratégico 1991-1994, pp. 8-9).

Entre as diretrizes da Nova Política Industrial, o aspecto mais destacado no Plano Estratégico 1991-1994 é a necessidade de aumentar a competitividade das empresas, priorizando sua capacitação tecnológica e reforçando os investimentos em P&D.

O apoio à elevação dos esforços de pesquisa e desenvolvimento pela empresa brasileira é parte fundamental da política industrial (...) fica cada vez mais claro que, a longo prazo, o principal determinante da competitividade da indústria de um país é a capacitação tecnológica de suas empresas (...) no setor agropecuário a competitividade está, cada vez mais, vinculada à difusão de novos conhecimentos tecnológicos, especialmente no campo da biotecnologia, a partir do grau de interação que essa atividade estabelece com os demais segmentos que compõem o complexo agroindustrial (BNDES, Plano Estratégico 1991-1994, pp. 8- 9).

Além de contribuir para o aumento da competitividade do setor industrial, o papel do BNDES era potencializar a participação de recursos privados na expansão da capacidade produtiva e na modernização da infraestrutura. Deveria também estimular a atualização e

111 Há referência às metas macroeconômicas, mas elas são pontuais, sendo vistas como complemento

importante à política industrial. O trecho a seguir é ilustrativo desta perspectiva: “Além do desenho de uma política industrial propriamente dita, as políticas macroeconômicas e aquelas voltadas para a geração de externalidades são ingredientes fundamentais para a elevação da produtividade global da economia brasileira. Isso porque o comportamento das variáveis- tais como a taxa de câmbio, a taxa de juros, os níveis de salários, a estrutura tributária etc. – e a oferta de infra-estruturas econômica e técnico-científica adequadas afetam os custos e os níveis de desenvolvimento de ativos estratégicos das empresas” (BNDES, Plano Estratégico 1991- 1994, p. 8).

69 inovação no setor agropecuário e contribuir para a preservação do meio ambiente (Plano Estratégico 1991-1994, p. 11). É importante destacar que, ao longo do Plano, a ênfase estava mais na necessidade de investimentos privados em infraestrutura do que na privatização de estatais. Talvez porque a primeira perspectiva estivesse menos consolidada do que a segunda. Afinal, o Plano Nacional de Desestatização já estava em vigor e as privatizações, não só haviam se tornado uma política de governo, como eram umas das principais “bandeiras” de Collor, mas ainda não haviam se estendido aos serviços públicos, especialmente ao setor de infraestrutura. Outro aspecto de destaque é a necessidade de instituir critérios mais rígidos para alocação de recursos públicos. A perspectiva era de que eles deveriam ser administrados com mais eficácia, o que implicaria o aumento do retorno, a melhora da qualidade dos ativos e a minimização de riscos112. A política de recursos humanos deveria ter como foco o cumprimento dos resultados planejados pelo Banco. Defendem-se a implementação da avaliação de desempenho, o plano de carreira, o plano de sucessão gerencial, assim como a renovação e treinamento do quadro de funcionários, implementando uma política de remuneração que garantisse a sua excelência.

De modo geral, essas diretrizes não representam uma ruptura e não fogem do que previam o Plano Estratégico 1988-1990 e a estratégia de Integração Competitiva113. Agora,

112 As diretrizes para a administração de recursos eram: “a-) Estimular a emissão de debêntures por parte das

empresas beneficiárias, em ofertas públicas ou privadas; b-) Elevar a participação de outras fontes no financiamento das operações mediante prestação de garantia firme de subscrição, aval e outros mecanismos que viabilizem a securitização dos ativos do Sistema BNDES; c-) Promover a monetização de ativos; d-) Dinamizar a utilização de outros mecanismos de captação, procurando-se inserir o Sistema BNDES no mercado financeiro, através da emissão de títulos em volumes limitados; e-) Conferir ênfase especial à administração do estoque de recursos, que pode se constituir no maior fator de alavancagem de recursos para o Sistema; f-) Atuar no sentido de transformar o Condomínio de Capitalização da Empresa Privada Nacional (CONCAP) em instrumento de captação no mercado de capitais, utilizando-se recursos de instituições privadas nacionais e/ou internacionais; e g-) Emitir títulos no mercado externo, tão logo o Banco Central volte a autorizar estas operações”. (BNDES, Plano Estratégico 1991 -1994, pp. 20 e 21).

113 As diretrizes do Plano Estratégico 1988-1990 eram: “1) Novo estilo de crescimento voltado

simultaneamente para a integração competitiva do Brasil na economia mundial e para a integração de toda a nação, reduzindo-se a pobreza absoluta, melhorando-se substancialmente a distribuição de renda e reduzindo- se as desigualdades regionais; 2-) Recuperação da taxa de investimento compatível com a expansão do mercado interno e a manutenção da capacidade de exportação para garantir um crescimento sustentado; 3) Superação dos pontos de estrangulamento na infra-estrutura de energia de transportes que podem comprometer o crescimento da economia brasileira; 4) Participação do setor privado em investimentos hoje sob a responsabilidade do setor público; 5) Fortalecimento financeiro e patrimonial do Sistema BNDES, pela compatibilização de sua atuação com o perfil de recursos, buscando simultaneamente uma adequação das fontes e novas formas de aplicação de maior retorno; 6) Maior integração do Sistema BNDES com organismos e instituições da sociedade e órgãos de governo, consolidando sua inserção na ambiência político- institucional do País e sua imagem junto à opinião pública; 7) Racionalização organizacional e dos fluxos operacionais do Sistema BNDES no curto prazo, implementando de imediato reformas na política e nos

70 no entanto, contavam com o respaldo de uma política governamental (a política industrial) formulada dentro dos mesmos propósitos. A perspectiva era a de manter os princípios e preceitos que orientavam a estratégia anterior e definir, aprofundar e sistematizar as políticas a serem implementadas.

Definem-se diretrizes para setores como agricultura, indústria e infraestrutura. Nos dois primeiros, o BNDES deveria participar em até 70% dos empreendimentos que tivessem como foco a capacitação tecnológica e nos demais em até 60%. Quando se tratasse das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, a participação poderia se elevar em dez pontos. É importante destacar que, tendo em vista a efetivação da capacitação tecnológica, o Banco definiu as seguintes políticas de estímulo à P&D:

- gastos incrementais sobre o ano anterior, sem incorporar cláusula de risco, para empresas que tenham atividades contínuas e regulares de Pesquisa.

- transferência de tecnologia das empresas de grande porte para as PMEs, em função de processos de horizontalização da estrutura produtiva. - projetos de P&D entre empresas, cooperativos ou através de subcontratação; e

- implantação, nas empresas, de centros de pesquisa e desenvolvimento no Brasil e no exterior, de laboratórios e de departamentos de engenharia. (BNDES, Plano Estratégico 1991-1994, pp. 18-19).

No setor de infraestrutura, o nível máximo de participação do Banco não deveria ultrapassar 60% nos projetos nas regiões Sul e Sudeste e 70% no Norte, Nordeste e Centro- Oeste. O BNDES atribuía a si o papel de fomentador da participação privada nos empreendimentos e de articulador de funding privado para projetos que não tivessem a fonte equacionada. A fim de viabilizar os investimentos, deveria auxiliar todas as etapas, desde a concepção até a montagem final da engenharia financeira dos projetos, além de buscar possíveis empreendedores e apoiar financeiramente a contratação de estudos de viabilidade, quando o empreendimento fosse considerado relevante pelo BNDES (BNDES, Plano Estratégico 1991-1994, pp. 19-20).

Sistemas de Recursos Humanos; 8) Modernização do Sistema BNDES a partir de uma concepção empresarial adaptada às exigências do novo estilo de crescimento” (BNDES, Plano Estratégico do Sistema BNDES, 1988-1990, p. 9).

71 Em relação à efetividade das propostas do Plano Estratégico 1991-1994, foi deixado de lado um aspecto decisivo, isto é, o investimento em setores com alto potencial tecnológico. Na próxima seção veremos que foram destacadas, nas políticas operacionais do Banco, a capacitação tecnológica e o incentivo à qualidade e à produtividade, mas os investimentos em setores com alto potencial tecnológico não constaram entre as prioridades. Além disso, a ênfase na capacitação tecnológica, qualidade e produtividade estava mais no plano do discurso do que das políticas adotadas e implementadas. De modo geral, a perspectiva foi a de garantir e efetivar as medidas umbilicalmente vinculadas à liberalização, tais como a abertura à empresa estrangeira, os investimentos privados em infraestrutura e o financiamento das exportações.

Contudo, talvez os fatores que mais dificultaram a consolidação de uma política de desenvolvimento mais ativa, no interior do Banco, tenham sido a própria (in)efetividade da política industrial e a já mencionada sobreposição dos objetivos da estabilização sobre quaisquer outros. Neste sentido, a escolha de Modiano para a Presidência do BNDES é um importante indicativo destas considerações. Adiante, retomaremos esta questão.