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1 ELEIÇÕES, INFORMAÇÃO E PROPAGANDA NEGATIVA

1.5 A campanha negativa no Brasil

No Brasil, apesar do crescente interesse pelos efeitos da comunicação política no processo eleitoral, o tema da propaganda negativa ainda é muito pouco explorado. A lacuna é ainda mais sentida se lembrarmos que, como fenômeno histórico, a decisão de atacar o adversário é fato presente desde que existem eleições. Virgílio de Mello Franco, escrevendo sobre a campanha presidencial de 1945, atribui a derrota da UDN à série de ataques sofrida pelo Brigadeiro Eduardo Gomes, para ele orquestrada pelo “anão maligno”, Getúlio Vargas:

Aos pretos declarou-se que o Brigadeiro privaria os homens de cor dos mais elementares hábitos de vida urbana: andar em bondes, ou usar gravata, tomar banho de mar ou ir ao cinema. Aos protestantes e espíritas e, em geral, aos acatólicos que seria intolerante, tornaria obrigatória missas e hóstias. Às mulheres, que lhes proibiria o exercício de atividades profissionais ou ofícios públicos. Aos operários que declarara prescindir do voto dos marmiteiros, porque tinha o dos grã-finos (Mello Franco, 1946, p.52).

A propaganda negativa tem sido estudada no âmbito das análises de conteúdo do Horário Eleitoral Gratuito. Esses estudos têm como metodologia básica detalhar as estratégias retóricas a partir da classificação dos apelos contidos nas mensagens de campanha, utilizadas pelos candidatos em seus programas eleitorais. Um dos estudos pioneiros é o trabalho de Fátima Lampreia (1994), fruto de sua dissertação defendida no Iuperj, que identificou 14 domínios temáticos no primeiro turno da eleição presidencial de 1989. No estudo, a autora aponta tendências importantes. Primeiro, a propaganda negativa aumenta de intensidade perto

do encerramento das eleições. Segundo, a evolução do tempo percentual destinado aos ataques mútuos está, em grande parte, relacionada à divulgação das pesquisas sobre intenção de voto. Além disso, com base na observação dos mecanismos de ataque e defesa, Lampreia propõe algumas regras de comportamento eleitoral segundo o grau de competitividade dos candidatos. Assim, por exemplo, propõe que candidatos melhor posicionados nas pesquisas de intenção de voto devem evitar atacar retardatários. Segundo Lampreia, a desobediência desse conjunto de regras pelo candidato Afif Domingues foi determinante para seu declínio eleitoral, ao abandonar o tom intimista na campanha para responder às acusações de Collor.

Porto e Guazina (1995) propõem metodologia semelhante na análise de conteúdo dos programas eleitorais, durante a eleição presidencial de 1994. O estudo mostra que a propaganda negativa consistiu no terceiro principal tipo de apelo, ocupando 13% do tempo total dos programas, valor que variou de candidato para candidato. Brizola e Lula foram os que mais se utilizaram da estratégia, seguidos de Enéas, Quércia e Amin, sendo Fernando Henrique o candidato que menos criticou seus adversários. Este achado corrobora o estudo de Lampreia (1994) de que o posicionamento dos candidatos nas pesquisas é variável determinante na hora de decidir atacar ou não. Além do mais, o estudo discute a eficiência da campanha negativa em conjunturas nas quais existe clima de opinião favorável a um dos postulantes. No caso da eleição de 1994, a grande ênfase no apelo da propaganda negativa utilizada por Lula e Brizola, principalmente em atacar o candidato Fernando Henrique, se revelou frustrada por entrar em choque com o clima de otimismo proporcionado pelo Plano Real.

Em artigo recente, Veiga e Santos (2008) discutem o impacto da propaganda negativa durante a campanha do Referendo das Armas, ocorrido em 2005. Para as autoras, o sucesso da Frente pelo Direito da Legítima Defesa (campanha do NÃO) pode ser parcialmente explicado pela utilização da propaganda negativa para acionar valores e crenças permanentes no eleitorado brasileiro, como a instabilidade dos direitos do cidadão, a percepção de ineficiência do Estado e a falta de confiança no mesmo. No entanto, o estudo encontrou evidências de que a propaganda negativa serviu mais para desiludir do que para motivar os eleitores. Este achado é coerente com a hipótese da desmobilização, embora as autoras reconheçam que a falta de interesse declarada dos participantes do experimento não tenha evitado tomar partido por um dos lados da disputa.

Um dos trabalhos mais abrangentes e originais a respeito do fenômeno da propaganda negativa no Brasil é o trabalho de Fabro Steibel. Em Feios, Sujos e Malvados (2007), Steibel se debruça sobre a tarefa de debater o papel do judiciário na tentativa de regulamentar a

campanha eleitoral, com base no paradigma do direito de resposta. Neste objetivo, o autor analisa tanto as solicitações de direito de resposta movidas pelos candidatos em 2002 quanto às decisões jurídicas. Um dos resultados mais interessantes é a dificuldade de julgamento por parte dos juízes encarregados da Justiça Eleitoral, muito por conta da falta de um embasamento jurídico que explicite devidamente o que é aceitável ou não como ataque durante uma campanha para presidente. Por fim, Steibel analisa as estratégias de propaganda negativa na eleição de 2002.

A propaganda negativa, veiculada na eleição presidencial de 2002, também é o objeto de interesse de Luiz Lourenço (2009). O autor chega a duas conclusões igualmente importantes. Primeiro, a veiculação da propaganda negativa em 2002 teve impacto significativo na percepção sobre as escolhas eleitorais, desconstruído, principalmente, a imagem de certas candidaturas, sobretudo de Ciro Gomes, que não soube dar respostas convincentes sobre os ataques emitidos pela campanha de Serra. Segundo, o autor chama a atenção para os efeitos indiretos que este tipo de propaganda ocasiona na mente do eleitor, pois mesmo quem não assiste diretamente ao comercial é influenciado por ele por meio da repercussão da mídia ou pelas relações interpessoais. Outra contribuição significativa é a sugestão pela incorporação dos índices de rejeição como indicadores de eficiência da propaganda negativa. No caso da campanha presidencial de 2002, o índice de rejeição de Ciro sobe espetacularmente, quando se inicia o processo de desconstrução de sua imagem, indo de 14% para 26%.

Por fim, Chaia (2004) analisa a retórica do medo como estratégia política nas campanhas para presidente e conclui que foi utilizada por determinados candidatos para convencer o eleitor a votar contra Lula em 1989, 1994, 1998 e 2002. O artigo, no entanto, embora seja o que mais se aproxima de estudo longitudinal, não faz análise sistemática da propaganda eleitoral nesses pleitos. A autora se limita a recuperar trechos de algumas propagandas, das falas dos atores políticos engajados na disputa eleitoral e das falas escritas na imprensa.

A revisão da literatura nacional indica que, apesar dos avanços obtidos recentemente, o estudo da propaganda negativa ainda é incipiente no Brasil. A comparação com os achados da literatura internacional demonstra que importantes questões ainda se encontram sem respostas. A propaganda negativa contribui para o ambiente informacional? Ela é mais focada em temas do que em atributos pessoais? Quais são os tipos de apelo mais frequentes? Qual é o padrão de enfrentamento? O primeiro turno é mais negativo do que o segundo? Qual é a estratégia mais utilizada? Em que situações os ataques são recomendados? Em que situações

os ataques não são recomendados? Qual é o estilo predominante? Quais são as técnicas de produção associadas à propaganda negativa? Enfim, qual eleição é possível considerar como a mais negativa no Brasil?

As questões elaboradas anteriormente demonstram como o diálogo com o marco teórico da literatura internacional pode ser benéfico no sentido de compreendermos melhor como funcionam as eleições no Brasil. Como base neste referencial, o objetivo desta tese é contribuir com três pontos específicos: o ambiente informacional derivado da propaganda negativa; a propaganda negativa como estratégia eleitoral; e o seu impacto nos índices de voto, observando tendências, analogias e diferenças dos padrões derivados da literatura internacional. Por consequência, esta tese não se preocupa em investigar se a propaganda negativa mobiliza ou não os eleitores. O foco é entender o conteúdo dos ataques e o melhor momento para utilizá-los em uma campanha. De maneira importante, esta tese pode ser apontada como uma das etapas para o melhor entendimento de como funcionam os mecanismos de ataque e defesa no processo eleitoral brasileiro.

A tentativa de se entender a propaganda negativa no Brasil parte de uma base de dados específica: a propaganda política veiculada no âmbito do horário eleitoral gratuito. É analisado o conteúdo da propaganda dos principais candidatos à Presidência durante as eleições de 1989, 1994, 1998, 2002, 2006 e 2010, primeiro e segundo turnos, sempre no horário noturno. Por principais candidatos, entendemos como aqueles que esboçaram, de uma maneira ou de outra, a chance de ser eleito presidente ou a chance de alcançar o segundo turno eleitoral. Este critério inclui o posicionamento dos candidatos nas pesquisas de intenção de voto ou o pertencimento do candidato a um partido político cuja história justificasse sua presença. A análise consiste em identificar os ataques feitos aos candidatos no âmbito do Horário Eleitoral e codificar essas mensagens segundo as formulações metodológicas propostas pela equipe de pesquisadores do Doxa - Laboratório de Pesquisas em Comunicação Política e Opinião Pública do IESP/UERJ.

2 PROPAGANDA NEGATIVA NAS ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS