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3 O USO ESTRATÉGICO DAS INSERÇÕES NEGATIVAS NAS ELEIÇÕES

3.4 Questões empíricas do modelo brasileiro de inserções

Não obstante o caráter regulamentado das inserções brasileiras, ainda assim é possível debater o seu uso estratégico durante os períodos eleitorais. Como o TSE divulga com antecedência o plano de mídia das eleições, indicando os dias e os blocos de audiência nos quais os partidos exibirão suas inserções, as candidaturas desfrutam de tempo suficiente para estudar o mapa das inserções e planejar a eficiência de suas campanhas. Este fator, aliado à liberdade de criação do conteúdo das mensagens e à autonomia para repetir seus comerciais quantas vezes o partido achar necessário, cria um ambiente, senão ideal, ao menos estimulante para a ação estratégica28

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Para conhecer o plano de mídia das eleições presidenciais de 2006 e 2010, consultar as resoluções 22.339/2006 (primeiro turno), 22.437/2006 (segundo turno), 23.320/2010 (primeiro turno) e 23.331/2010 (segundo turno).

O objetivo deste capítulo é investigar duas questões específicas no que tange as estratégias partidárias de alocação das inserções eleitorais. A primeira é se existe algum padrão no que se refere aos mecanismos de ataque e de exaltação no âmbito das eleições presidenciais brasileiras. Especificamente, este capítulo procura descobrir como a propaganda negativa se distribui dentro do plano de mídia elaborado pelo TSE, tendo como ambiente de análise a programação da TV Globo. Neste caso, o objetivo é investigar empiricamente como a propaganda negativa se distribui em dois contextos: dentro dos quatro diferentes blocos de audiência e durante a evolução da campanha.

Em relação à primeira pergunta empírica, que investiga a ocorrência de ataques dentro dos blocos de audiência, a hipótese é a preferência pelos blocos noturnos (blocos 3 e 4) em detrimento dos blocos diurnos (blocos 1 e 2). Essa hipótese é fundada na suposição de que o perfil do público sintonizado nessas faixas de horário é distinto por natureza. Enquanto nos programas matinais há a predominância de conteúdos voltados para crianças, adolescentes e donas de casa, como nos programas TV Globinho, TV Xuxa, Turma do Didi e Ana Maria Braga, no horário noturno o perfil dominante se inverte. Por consequência, é de se esperar que os candidatos ataquem seus adversários quando a audiência não só é mais tolerante com a propaganda negativa, como também se constitui pelo público que realmente vai às urnas para decidir eleições.

A segunda pergunta não parte de uma hipótese pré-definida. A literatura estrangeira sugere que a propaganda negativa pode evoluir de duas maneiras distintas. Na hipótese formulada por Diamond e Bates (1992), os ataques progridem na forma de um sino invertido. Eles são baixos no início, aumentam no decorrer da campanha até diminuirem progressivamente nos dias que antecedem o pleito. Geer (2006), por sua vez, encontrou panorama distinto: sua pesquisa indica que a campanha negativa aumenta nos últimos dias. Nesse sentido, o objetivo é investigar se a propaganda negativa se ajusta a um desses padrões. Por outro lado, apostamos na hipótese de que o panorama é diferente durante o segundo turno. Neste caso, a estratégia é usada desde o início e se mantém estável até o dia da eleição. A inversão de expectativa ocorre por dois motivos. Primeiro, porque o tempo de campanha se reduz a menos da metade do existente no primeiro turno. Em 2006, foram 15 dias de propaganda, enquanto em 2010 o número de dias de campanha aumentou para 21. Isso significa que o tempo para os candidatos inverterem tendências é menor e, por conseguinte, a necessidade de usar a propaganda negativa é maior. Segundo, porque não há a necessidade de seguir o “manual” próprio das campanhas. No segundo turno, não há necessidade de construir imagem ou se apresentar para o eleitorado, a disputa recai sobre a percepção das diferenças,

quando a utilização de informações negativas é crucial para atingir este objetivo (Garramone et all., 1990).

A segunda questão a ser investigada é se existe ou não a interferência das emissoras na hora de preencher a grade de sua programação com a propaganda dos partidos e candidatos. Existe o beneficiamento de algumas candidaturas em detrimento de outras? Como exposto anteriormente, a legislação eleitoral não prevê qualquer regra de distribuição das inserções entre os programas das emissoras, prevê apenas que deve existir uma sequência dentro dos blocos. A investigação empírica deste problema é interessante dado que a literatura que investiga a cobertura da imprensa nos períodos eleitorais já encontrou evidências de que nem sempre a mídia se comporta de maneira neutra ou imparcial. Para tal, será feita a análise da aparição dos candidatos nos programas da TV Globo, nas eleições de 2006 e 2010.

3.5 Metodologia

A análise da correlação entre os hábitos de mídia dos eleitores e as decisões estratégicas das campanhas é feita com base no mapa de mídia dos candidatos, cedido pelo Doxa, que possui os dados referentes aos comerciais veiculados na Rede Globo de Televisão, durante as eleições presidenciais de 2006 e 2010, primeiro e segundo turnos. A planilha de acompanhamento foi uma aquisição feita pelo Doxa junto à empresa de comunicação Clipping TV, que durante todo o período eleitoral gravou a programação da emissora, para em seguida registrar as informações numa planilha de Excell. A planilha registra o momento exato em que as inserções vão ao ar e por isso contém todas as informações necessárias para investigarmos as questões empíricas delineadas anteriormente. Entre as principais informações, a planilha contém os dias, os horários e as programações da TV Globo nos quais as inserções foram veiculadas. Além disso, registra quantas vezes cada uma delas foi repetida ao longo da campanha. A planilha contém também os dados referentes às campanhas feitas para governador, deputado estadual, deputado federal e senador. No entanto, esta tese trabalha apenas com as inserções para presidente.

O processo de análise se desenvolveu em duas etapas. Na primeira, foram codificados todos os comerciais lançados pelos candidatos durante a campanha para, em seguida, buscar a relação entre o conteúdo dessas mensagens e o momento em que foram levadas ao ar. O processo de codificação das mensagens foi desenvolvido à semelhança da metodologia usada

para investigar a propaganda exibida em blocos, com a diferença de que naquela oportunidade os segmentos eleitorais foram o foco da análise, enquanto agora a atenção recai sobre as inserções. Esta metodologia, como salientado no capítulo anterior, segue as formulações elaboradas pelo grupo de pesquisadores do Doxa e se insere num quadro analítico que procura entender as estratégias de comunicação escolhidas pelos candidatos com base na categorização de todos os elementos retóricos que compõem o comercial político. Neste capítulo, no entanto, simplificamos o processo de codificação dos comerciais ao seu objetivo, no qual as mensagens foram classificadas em cinco categorias: exaltação, ataque direto, ataque comparativo, resposta e direito de resposta.

A decisão de restringir a análise ao objetivo das mensagens, embora empobreça o conhecimento sobre a estrutura semântica das inserções eleitorais, não deixa a desejar para os propósitos deste capítulo. O objetivo é averiguar se há o uso estratégico dos comerciais durante a evolução da campanha. Não é mais o caso de investigar o ambiente informacional da propaganda negativa, análise para a qual a propaganda exibida em blocos é mais apropriada (mais detalhes no capítulo anterior). Na análise que se segue, o que se pretende observar é como os candidatos distribuem a decisão de exaltar a si próprio ou atacar o adversário dentro da estrutura de incentivos imposta pela legislação eleitoral. A Tabela 11 a seguir apresenta a amostra estudada. Na coluna “Quantidade de Inserções”, é possível observar o número de inserções a que cada campanha teve acesso segundo as regras de distribuição impostas pelo TSE e descritas na seção anterior. A coluna “Inserções Produzidas” refere-se à quantidade de inserções produzidas pelos candidatos. Assim, por exemplo, Lula teve o direito a 159 inserções no primeiro turno de 2006, mas decidiu produzir 26 peças eleitorais. No total, portanto, foram analisadas 357 inserções durante as eleições de 2006 e 2010. No entanto, diante do fato de que os candidatos podem fracionar suas inserções de 30 segundos em duas de 15 segundos, e considerando-se também as suas repetições, a amostra contou com o exame de 2.993 spots.

Tabela 11 – Plano de Mídia dos Candidatos Candidato Quantidade de Inserções (TSE) Inserções Produzidas 2006 (1o Turno) Lula 159 26 Alckmin 224 37 Cristovam 52 13 Heloisa Helena 26 10 2006 (2o Turno) Lula 240 27 Alckmin 240 39 2010 (1o Turno) Dilma 229 39 Serra 158 39 Marina 29 6 Plínio 23 8 2010 (2o Turno) Dilma 330 57 Serra 330 56 Total 2040 357

Fonte: Elaboração do autor