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3 O USO ESTRATÉGICO DAS INSERÇÕES NEGATIVAS NAS ELEIÇÕES

4.5 Estudo de caso: as eleições presidenciais brasileiras

4.5.1 A eleição presidencial de 1989

A eleição de 1989 abriu o período democrático após 29 anos sem eleições diretas para presidente. Ela caracterizou-se pela introdução de importantes mudanças institucionais. Pela primeira vez, a escolha do presidente seria decidida em dois turnos e em uma eleição solteira, isto é, desvinculada das eleições para o Senado Federal, a Câmara dos Deputados, os Governos Estaduais e as Assembleias Legislativas. Além disso, o pleito de 1989 destacou-se por concentrar grande número de candidatos, 21 no total, fazendo com que recebesse o título de eleição mais fragmentada em todo o período democrático brasileiro (Jacob, 2010).

O que torna a eleição de 1989 particularmente interessante é o fato de ter juntado lideranças históricas que se popularizaram na vida política nacional durante os anos de chumbo. No campo conservador, sobressaíram-se as candidaturas de Fernando Collor (PRN), Paulo Maluf (PDS), Afif Domingos (PL), Ronaldo Caiado (PSD), Aureliano Chaves (PFL) e Ulysses Guimarães (PMDB). No campo progressista, destacaram-se as candidaturas de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Leonel Brizola (PDT), Mário Covas (PSDB) e Roberto Freire (PCB)42

. No entanto, neste contexto de grande número de candidatos disputando as eleições, apenas Collor e Lula conquistaram apoio suficiente no eleitorado para avançar para o segundo turno, numa eleição que, além de altamente fragmentada, foi também a mais longa da história, com a exibição de 59 programas eleitorais.

A disputa de 1989 pode ser considerada como sendo um cenário de candidatura subdominante num contexto de pluralidade política. A evolução da opinião pública, exibida no Gráfico 10, segundo levantamento obtido em Lampreia (1994), mostra que Fernando Collor liderou os índices de intenção de voto desde as primeiras medições, com posição assegurada no segundo turno, embora tenha sido também o candidato com a maior variação

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Fato este que coloca a eleição de 1989 como a mais ideologizada desde a reabertura política brasileira (Singer, 1994). Esse dado é corroborado pela análise do conteúdo dos ataques no capítulo dois. A análise demonstra que o ataque ideológico foi o preponderante em 1989. Para maiores detalhes, ver capítulo 2.

negativa em toda a campanha. Collor iniciou o horário eleitoral no limite máximo de aceitação do eleitorado, mas perdeu votos continuamente. Segundo os institutos eleitorais que realizaram pesquisas durante as eleições, nos 59 dias de campanha na televisão Collor perdeu 19% de intenções de voto no Ibope, 20% no Datafolha e 21% no Instituto Gallup (Lampreia, 1994)43

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Gráfico 10 – Evolução da Intenção de Voto em 1989

Fonte: Lampreia (1994).

Lula foi o candidato que se sobressaiu pela conquista do maior número de votos durante a exibição do horário eleitoral. Lula inicia a campanha com o apoio de apenas 5% do eleitorado, mas as sondagens feitas nos dias anteriores à eleição mostraram o candidato do PT polarizado com Brizola na segunda colocação, 15% e 14%, respectivamente. O desempenho de Brizola, por sua vez, evoluiu de maneira relativamente estável – o trabalhista inicia a campanha com 14% das intenções de voto e encerra com o mesmo percentual. Os demais candidatos também oscilaram ao longo da campanha. Afif chegou a ocupar a terceira colocação, segundo sondagem feita pelo Gallup no início de outubro, quando registrou 10,4% das intenções de voto. No entanto, em nenhum momento esses demais candidatos insinuaram

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O gráfico com a evolução das intenções de voto é uma compilação dos resultados divulgados pelos institutos Ibope, Gallup e Datafolha. Os números foram obtidos em Lampreia (1994).

ser candidaturas viáveis com potencial para avançar para o segundo turno. Assim sendo, a análise da evolução da opinião pública em 1989 demonstra que estivemos diante de um cenário subdominante com três candidaturas: Collor, Lula e Brizola. Daí se segue que haveríamos de observar uma disputa pela segunda colocação entre os dois candidatos identificados com o campo ideológico da esquerda.

A Tabela 23 revela quem atacou quem durante a eleição44

. Para efeito de simplificação, não foram incluídos os ataques feitos por Aureliano Chaves, Ulysses Guimarães, Ronaldo Caiado e Roberto Freire, que jamais demonstraram ser alternativas viáveis. Também para efeito de simplificação, a Tabela 23 omite a maior parte dos ataques que foram descobertos na análise dos programas. Essa ausência justifica-se pelo enorme número de alvos identificados (25 no total) e por essa razão as linhas não somam 100%. Na eleição de 1989, foi comum a estratégia de usar um ataque para atingir mais de um candidato simultaneamente. Por exemplo, Brizola abusou da prerrogativa de unir num só ataque Collor, Afif e Maluf. Mário Covas também abusou deste recurso. Foram identificados nove diferentes alvos nos ataques feitos por Covas. O exemplo paradigmático é o ataque conjunto contra Afif, Maluf, Collor, Lula, Brizola e Freire no dia 6 de outubro. Por conta disso, a Tabela 23 apresenta os alvos individualizados e alguns alvos conjuntos mais relevantes45

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Tabela 23 – Frequência dos Ataques na Eleição Presidencial de 1989 (%)

C o ll o r M al u f A fi f Si lv io L u la B ri zo la C o v as C o ll o r e M al u f C o ll o r, A fi f e M al u f L u la e B ri zo la L u la , C o v as e B ri zo la Collor - 0,0 11,9 25,8 35,2 0,0 0,0 0,0 0,0 4,9 0,0 Maluf 2,5 - 0,0 0,0 36,5 0,0 8,5 0,0 0,0 11,9 15,9 Afif 30,4 0,0 - 0,0 36,2 0,0 23,3 0,0 0,0 0,0 0,0 Lula 45,5 27,1 0,0 0,0 - 0,0 0,0 20,7 6,6 0,0 0,0 Brizola 42,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 30,7 0,0 0,0 Covas 46,3 7,0 2,7 0,0 0,0 0,0 - 1,3 0,0 0,0 0,0

Fonte: Elaboração do autor.

Obs.: A soma não alcança 100% porque alguns alvos foram suprimidos da tabela em razão de sua baixa frequência.

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A linha representa o autor dos ataques e as colunas, os alvos. A coluna com mais de um nome indica que esses candidatos foram atacados simultaneamente.

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A análise da Tabela 23 sugere que o modelo de campanha negativa desenvolvido se confirma em grande parte. Collor foi o principal alvo da maioria dos candidatos desde o início da campanha, à exceção de Maluf e Afif, que utilizam o maior volume do seu tempo de propaganda para atacar Lula. O candidato do PT também aparece como um dos alvos prediletos de seus adversários. Embora Lula tenha sido atacado desde o começo da campanha – a primeira ocorrência é do dia 27 de setembro, num ataque de Collor em que Covas também foi alvo –, o primeiro ataque individualizado a Lula é registrado somente no dia 21 de outubro, por ação de Collor46

. Até então, Lula era alvo sempre em companhia de Brizola ou Covas. É possível perceber, portanto, que os ataques contra Lula coincidem com a ascensão do candidato nos índices de intenção de voto, quando se destaca do “bolo” dos candidatos e inicia a sua polarização com Brizola. Esse fato se encaixa perfeitamente no pressuposto de que um candidato que se encontra em tendência positiva passa a ser alvo de seus concorrentes.

A ascensão de Lula também é importante, pois insinua que a hipótese sobre o fator ideologia é verdadeira na hora de escolher quem atacar. Apesar de polarizarem a disputa pela segunda colocação, sobretudo nos últimos dias da campanha, Brizola e Lula não se atacam no âmbito do horário eleitoral. A decisão de se recusar a atacar Lula pode ser a explicação para o insucesso de Brizola nesta eleição. Ao optar por “coordenar” a sua estratégia com um adversário do mesmo campo ideológico, Brizola pode ter jogado fora a sua chance de ter se tornado presidente. Lula não tinha a necessidade de atacar o seu “companheiro”, pois vinha em trajetória ascendente e provavelmente não enxergou motivos para se “indispor” com os eleitores de Brizola, que ao cabo acabaram por lhe emprestar apoio em sua disputa contra Collor no segundo turno.

Brizola parece ter errado a mão também na escolha de quem atacar. Boa parte da campanha de Brizola foi uma tentativa frustrada de desestabilizar Roberto Marinho e as Organizações Globo. Brizola também desperdiçou seu tempo de televisão para atacar candidatos nanicos que lhe vinham fazendo oposição, quando o melhor seria ignorar esses candidatos, que não somavam sequer 1% das intenções de voto. No âmbito da disputa eleitoral, Brizola inicia seus ataques simultaneamente a Collor, Afif e Maluf e, num segundo momento, a Collor individualmente. A estratégia de Brizola parece ter sido, primeiro, a

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A partir daí, os ataques a Lula passam a ser constantes. Maluf ataca Lula individualmente pela primeira vez em 27/10 e Afif em 2/11. Relembre que o primeiro turno aconteceria dias depois, em 15 de novembro.

tentativa de se colocar como o candidato da esquerda contra os candidatos da direita e, posteriormente, seus ataques assumem lógica puramente eleitoral: atacar o candidato que estava à sua frente, poupando Lula para obter seu apoio no segundo turno.

Collor parece ter sido coerente com o seu posicionamento na estrutura competitiva. Líder nas pesquisas ignorou seus adversários na maior parte do tempo, para assumir um tom negativo majoritariamente na reta final do primeiro turno. Collor atacou preponderantemente Lula e, em seguida, Silvio Santos. Os ataques feitos a Lula se explicam pela ascensão do candidato do PT. Como mencionado acima, Collor passa a atacar Lula individualmente a partir do dia 21 de outubro e repete a estratégia nos dias 23 e 29 do mesmo mês e também no dia 1o

de novembro – provavelmente antecipando o seu futuro adversário.

A entrada repentina de Silvio Santos na disputa alterou a sua estratégia. Os ataques de Collor ao dono do SBT coincidem com o seu pior momento na campanha. Segundo o Datafolha, Silvio Santos fez Collor perder 5% dos seus índices de voto (Lampreia, 1994). Resulta daí, portanto, a decisão de atacar o apresentador de auditório. Ainda sobre Collor, nota-se que usou parte do seu tempo para atacar Afif. Collor não deixa dúvidas de que atacou Afif na tentativa de brecar o seu crescimento. O primeiro ataque feito por Collor contra o candidato do PL acontece no dia 2 de outubro. Repare que simultaneamente ao momento em que Afif assume a terceira posição nas intenções de voto. Collor só recolhe a sua artilharia quando Afif entre em declínio momentos depois47

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O modelo proposto, embora coerente em sua maior parte do tempo, encontra dificuldades em explicar alguns ataques. Um deles é saber por que Brizola não foi o alvo individual de nenhum deles – apenas de Ronaldo Caiado, que náo aparece na Tabela 23. Ao ocupar a segunda colocação durante quase toda a eleição, era de se esperar que o mandatário do PDT fosse alvo de ataques de seus concorrentes diretos. Uma possível explicação é que Brizola não sofreu ataques porque seus adversários escolheram como estratégia polarizar com Collor na tentativa de se apresentarem para o eleitorado como o candidato mais indicado para vencê-lo no segundo turno. Outro fato de difícil explicação é a ocorrência de ataques que miraram, de uma só vez, diferentes candidatos. Alguns deles são bastante coerentes e agrupam ora candidatos de esquerda ora candidatos de direita. No entanto, é difícil explicar a

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Collor atacou Afif também nos dias 3, 4, 6, 7, 8, 9 e 10 de outubro. Os ataques foram curtos e precisos. Desses dez ataques, oito duraram apenas 10 segundos e focaram principalmente o posicionamento de Afif durante a Assembleia Constituinte de 1988. O eleitor foi lembrado que Afif votara contra o voto a partir dos 16 anos, contra a reforma agrária e contra a autonomia sindical.

razão que levou Covas a atacar Collor, Brizola, Maluf, Caiado e Afif num mesmo segmento eleitoral. Também é difícil explicar a lógica do ataque simultâneo de Covas contra Maluf e Lula, dois candidatos de perfis opostos, a não ser que Covas estivesse antecipando ataques a possíveis adversários na próxima disputa ao governo de São Paulo.

É possível que esse quadro, retratado pela existência de 25 alvos diferentes, seja explicado pela inexperiência eleitoral dos principais candidatos e também por uma incerteza estimulada por diversos fatores. Por ser a primeira eleição presidencial depois de 29 anos sem eleições diretas para presidente, os candidatos poderiam estar incertos da repercussão de seus ataques, incertos do comportamento eleitoral do brasileiro, incertos da posição que ocupavam nas pesquisas, incertos da posição que ocupavam os seus adversários e ainda incertos da própria regra do jogo. A consolidação de um sistema político democrático requer amadurecimento. Em sentido parecido, a consolidação de estratégias eleitorais requer o aprendizado que somente é alcançado com o tempo.