• Nenhum resultado encontrado

3 O USO ESTRATÉGICO DAS INSERÇÕES NEGATIVAS NAS ELEIÇÕES

3.2 O caráter dinâmico dos spots americanos

Nas eleições presidenciais brasileiras, os comerciais de 30 segundos começaram a ser exibidos em 1998, após a promulgação da Lei Eleitoral nº 9.504, de setembro de 1997, contrariamente à realidade norte-americana, quando o modelo popularizou-se ainda na década de 1960 (Diamond e Bates, 1992). De lá pra cá, analistas e observadores da vida eleitoral brasileira têm argumentado a favor do modelo americano de propaganda política, em oposição ao modelo tradicional do horário eleitoral gratuito, transmitidos em bloco e de longa duração, cuja influência é considerada desproporcional ao peso que assumem no orçamento das campanhas (Lavareda, 2009).

Nos Estados Unidos, os candidatos adquirem comercialmente o espaço nas emissoras, das quais a única exigência feita é a igualdade de oportunidade na compra deste espaço (Albuquerque, 2005). Reside aí a vantagem do sistema americano: na medida em que a legislação pouco interfere, os candidatos alocam estrategicamente os seus recursos de

campanha de acordo com os seus interesses eleitorais. Resulta daí a prática conhecida como microtargeting – a busca por nichos e segmentos específicos no eleitorado.

No entanto, uma busca na literatura mostra que os estudos sobre eleições e comunicação política têm pouco a dizer sobre o caráter estratégico dos spots eleitorais. Essa deficiência provavelmente reflete a falta de dados confiáveis sobre a veiculação dos mesmos (Freedman e Goldstein, 1999). Este quadro sofre inversão recentemente com a criação do Grupo de Análise Mídia e Campanha (CMAG – Campaign Media Analysis Group) que detém um sistema de satélite – The Polaris Ad Detector – cuja função é monitorar a transmissão das principais redes de TV aberta (ABC, CBS, NBC e FOX) e também dos 25 principais canais de TV a cabo (CNN, ESPN, TNT etc.). Paralelamente, CMAG possui um sistema de computador que rastreia 75 canais locais de alta audiência. Desse monitoramento resulta um banco de dados contendo informações sobre conteúdo, volume, frequencia e área geográfica dos spots eleitorais veiculados nas áreas de cobertura, sejam eles iniciativas das campanhas ou dos grupos políticos de apoio.

Em análise sobre as eleições presidenciais de 2000, Johnston, Hagen e Jamieson (2004) mostram que, sob a lógica do Colégio Eleitoral, os candidatos norte-americanos possuem fortes incentivos para alocarem os seus recursos geograficamente. A análise da veiculação dos spots de George W. Bush e Al Gore revela que as campanhas ignoraram os estados não competitivos, a despeito do seu tamanho, concentrando o volume de propaganda nos estados competitivos, a tal ponto que praticamente quase nenhum spot foi veiculado em rede nacional de televisão, a maioria se concentrou nas emissoras de transmissão local. A análise revela ainda que o padrão é verdadeiro tanto para a exibição de comerciais financiados por candidatos como por comitês e grupos independentes21

.

Do mesmo modo que os comerciais são concentrados geograficamente nos estados competitivos, eles também são concentrados no tempo. Existe o crescimento progressivo conforme o dia das eleições se aproxima. A dinâmica principal é o crescimento acelerado depois do último debate presidencial. Do começo de setembro até a terceira semana de outubro, o volume total cresceu gradualmente de aproximadamente 75 spots por emissora a cada semana para o total de 110. Em contraste, no fim de outubro a média por emissora

_________________________________________________________ 21

Segundo os dados apresentados pelos autores, nos estados competitivos as estações de televisão exibiram em média 1.150 comerciais entre o Dia do Trabalho (celebrado sempre na primeira segunda-feira de setembro) e as Eleições (que acontecem sempre na terça-feira seguinte à primeira segunda-feira de novembro). Nos estados não competitivos, a média cai para apenas 55 spots comerciais durante esse período.

supera 175 spots por semana e, na última semana de campanha, o volume subiu para 250 comerciais semanais (Johnston, Hagen e Jamieson, 2004).

A eleição presidencial de 2008 revelou novo padrão no uso estratégico dos spots eleitorais. Estudo conduzido por Jamieson, Kenski e Hardy (2010), também com dados do GMAC, observou o aumento da propaganda veiculada em mídias alternativas, principalmente TV a cabo e rádio. McCain e Obama investiram a maior parte de seus recursos na TV convencional, sobretudo por causa do seu caráter amplo, mas quando a mensagem tinha por objetivo atingir parcela específica da audiência ou determinada região geográfica, os veículos preferenciais foram TV a cabo e rádio. Esta estratégia foi implementada principalmente pela campanha de Obama e, segundo análise dos autores, crucial para a sua vitória eleitoral.

Os autores argumentam que algumas características da TV a cabo e do rádio fizeram aumentar a importância desses tipos de mídia nas campanhas eleitorais em anos recentes. Especificamente (i) porque parte da audiência da TV aberta migrou para a TV a cabo; (ii) porque a capacidade de microtargeting é maior na TV a cabo e no rádio; e (iii) porque a TV a cabo e rádio oferecem variedade maior de opções do que as emissoras locais, cuja viabilidade de veiculação de propaganda concentra-se no noticiário local, que atinge parte dos eleitores.

Os comerciais eleitorais variam ainda de acordo com a hora do dia em que vão ao ar. Feedman e Goldstein (1999) analisam a distribuição da propaganda durante a campanha para governador na Virgínia e relatam que ambos os candidatos – o governador democrata Don Beyer e o desafiante republicano Jim Gilmore – concentraram a propaganda durante os períodos chamados Daytime (10am-4pm) e Prime Access (7:30pm-8pm), relegando a segundo plano as primeiras horas da manhã (6am-10am), o horário noturno (8pm-11pm) e os fins de semana. No entanto, os autores não oferecem uma explicação para o padrão observado. Também não há registro, nos outros estudos, de como a propaganda presidencial se distribui estrategicamente no decorrer do dia.

São ainda menores os estudos que oferecem um retrato das decisões estratégicas feitas pelas campanhas no que se refere à aplicação da propaganda negativa. Freedman e Goldstein (1999) encontraram pouca variação na proporção de spots negativos. Em cada parte do dia, aproximadamente cinco em dez eram negativos. Um padrão estabelecido parece ser o crescimento paulatino dos ataques no decorrer das disputas eleitorais. Diamond e Bates (1992) identificam quatro estágios: spots de identificação (que fornecem o nome do candidato), spots de argumentação (que indicam o posicionamento do candidato), spots de ataque (usados para sugerir a inferioridade do adversário) e os spots “Eu vejo a América” (que apresentam o candidato como político visionário). Geer (2006), em análise dos spots

presidenciais entre 1972 e 2000, encontrou padrão semelhante: a propaganda se torna mais negativa conforme a aproximação do dia da eleição.

Kern (1989), por sua vez, sugere que candidatos opositores atacam cada vez mais cedo, principalmente quando estão diante de mandatários vulneráveis. Kern explica que o objetivo de antecipar o roteiro se deve à necessidade de chamar a atenção para si da cobertura feita pela imprensa e também de potenciais doadores de campanha.