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3 O USO ESTRATÉGICO DAS INSERÇÕES NEGATIVAS NAS ELEIÇÕES

3.3 O caráter regulamentado das inserções brasileiras

Esta seção tem por objetivo problematizar a importação do modelo norte-americano de propaganda para a realidade eleitoral brasileira. No Brasil, as razões pelas quais o modelo de livre concorrência norte-americano, baseado no microtargeting, não deve ser aplicado se encontram em dois aspectos fundamentais: o excesso de regulamentação imposto pela legislação eleitoral e a influência das emissoras de televisão na hora de abrir espaço para os candidatos em sua grade de programação. Combinadas, essas duas variáveis impõem uma espécie de camisa de força no que diz respeito ao uso estratégico das inserções por parte dos candidatos22

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No Brasil, as inserções são regulamentadas pela Lei Eleitoral 9.504, promulgada em setembro de 1997. Diferente do que ocorre com a propaganda em blocos, as inserções são veiculadas diariamente, inclusive aos domingos, durante os 45 dias anteriores à antevéspera da eleição (artigo n° 47). Durante este período, as emissoras de televisão são obrigadas a reservar 30 minutos diários para as inserções, que devem ser divididas em partes iguais entre as campanhas para os cargos majoritários e proporcionais. Neste sentido, as inserções devem se dividir igualmente entre as campanhas para presidente, governador, deputado federal, estadual e senador. Isso significa que cada cargo tem seis minutos diários de propaganda em inserções eleitorais.

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No Brasil, cabe salientar que a lógica eleitoral se baseia na conquista da maioria absoluta dos votos, independente de onde se encontram os eleitores. Neste sentido, perde força a hipótese geográfica do voto baseada na lógica do Colégio Eleitoral americano, que em essência dá peso diferente para o voto dos cidadãos.

Entre os candidatos, a divisão das inserções segue as mesmas regras de distribuição no âmbito da propaganda televisionada em blocos: um terço das inserções é distribuído igualmente e dois terços são distribuídos de acordo com o tamanho das bancadas dos partidos ou das coligações no momento da eleição23

. A divisão é feita com base em inserções de 30 segundos, que podem ser agrupadas em módulos de 60 segundos ou fracionadas em módulos de 15 segundos. A única exigência é que as emissoras sejam avisadas dessas decisões com 48 horas de antecedência.

O caráter restritivo do modelo brasileiro de propaganda é observado nos artigos que definem as regras de veiculação dos comerciais dentro da programação das emissoras. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) desenvolveu mecanismo de veiculação que busca o princípio da igualdade entre as candidaturas, mas na prática limita o uso estratégico dos comerciais, porque define de antemão, mediante sorteio, o dia e o bloco de audiência nos quais os partidos devem exibir as suas mensagens, impedindo que os candidatos façam o uso livre das mesmas. A regra eleitoral determina que as inserções sejam distribuídas igualmente pelo número de dias de campanha e, em cada dia de campanha, as inserções devem se distribuir igualmente entre quatro blocos de audiência, de modo a garantir a cada candidato a chance de exibir suas mensagens nos horários de maior e menor visibilidade24

. Os blocos de audiência considerados são entre 8he 12h (bloco 1); 12h e 18h (bloco 2); 18h e 21h (bloco 3); e 21h e 24h (bloco 4). A veiculação de inserções é vedada entre 24h e 8h25

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Com base neste conjunto de determinações, o plano de mídia para presidente se processa da seguinte maneira: primeiro, o TSE divide os 540 comerciais pelo número de dias de campanha (45 dias) para definir quantas inserções serão veiculadas por dia (12 inserções). Em seguida, esse total é dividido por quatro, que é a quantidade de blocos de audiência existente ao longo do dia, o que resulta na exibição de três inserções por bloco. No final, a sequência de exibição entre os candidatos segue o sorteio estabelecido pelo TSE, que é a mesma observada no horário eleitoral. Um detalhe importante é que o preenchimento dos comerciais ocorre de trás para frente, isto é, do fim da campanha para o início, de modo a que

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No caso de haver sobras, as mesmas devem ser distribuídas mediante sorteio, sem preferência para os maiores ou menores partidos, e devem ser exibidas nos primeiros dias de campanha.

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Assim, considerando o tempo de 30 segundos como padrão de inserção e considerando o limite de 30 minutos diários de propaganda, teríamos 60 inserções por dia, distribuídas equitativamente entre os blocos, o que resultaria 15 inserções por bloco (em eleições com a presença de senadores).

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todas as agremiações veiculem suas propagandas nos dias que se aproximam do pleito, quando o interesse da população é maior26

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Neste modelo, se o candidato A tem direito a 180 comerciais no primeiro turno eleitoral, o TSE determina que o candidato é obrigado a veicular quatro inserções por dia, sendo uma em cada bloco de audiência. O candidato não pode, por exemplo, concentrar as inserções a que tem direito na última semana de campanha ou concentrar suas inserções nos horários de maior audiência ou nos programas que julga conveniente para sua estratégia. No mesmo sentido, se o candidato B tem direito a apenas um comercial por dia, ele necessariamente terá de alterar o bloco de exibição durante a campanha. Neste caso, exibe sua propaganda no bloco 1 no primeiro dia, no bloco 2 no segundo dia, no bloco 3 no terceiro dia e assim por diante, mas não necessariamente nesta ordem. Como é possível observar, o modelo de livre escolha existente nos Estados Unidos não funciona na prática no Brasil.

Além da regulamentação na parte mecânica da veiculação das inserções, como descrito anteriormente, o TSE regulamenta também o seu conteúdo. Diferentemente do que ocorre na propaganda exibida em blocos, cujo conteúdo é livre, o artigo n° 51 da Lei 9.504 proíbe a utilização de gravações externas, montagens ou trucagens, computação gráfica, desenhos animados e efeitos espaciais27

, além de vedar a veiculação de mensagens que possam degradar ou ridicularizar partido, candidato ou coligação. Este último ponto é particularmente interessante uma vez que atua no coração da propaganda negativa, criando prudência e receio em sua utilização, ao sujeitar o partido infrator à perda do direito de veiculação de propaganda no horário eleitoral do dia seguinte.

Um problema adicional no modelo brasileiro de propaganda é a incapacidade de os candidatos decidirem em quais programações irão exibir suas inserções. O TSE determina o dia, o bloco de exibição e o ordenamento dos candidatos, mas cabe à emissora definir em que horário a propaganda de cada um deles será exibida dentro dos blocos. A legislação eleitoral determina que as emissoras devem observar espaçamento equilibrado, mas não faz nenhuma referência à distribuição das inserções dentro da grade de programação das emissoras. A determinação sugere apenas que as emissoras devem evitar que duas ou mais inserções da

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Essa regra vale para todos os cargos. 27

Rigor similar é encontrado na Lei Eleitoral 8.713, que regulamentou a eleição de 1994. Neste ano, a propaganda também vedava a utilização de gravações externas, montagem ou trucagem, computação gráfica, desenhos animados e efeitos especiais. A diferença é que, em 1994, as proibições valiam para a propaganda em bloco.

propaganda presidencial sejam exibidas no mesmo intervalo comercial, inclusive quando se trata do mesmo candidato, mas é muda ao não prever nenhum tipo de regra de veiculação da propaganda dentro dos programas das emissoras, muito menos qualquer tipo de sanção no caso de haver algum tipo de beneficiamento político.

Ao negligenciar a criação de uma regra clara para a distribuição das inserções dentro dos blocos, o seguinte problema pode ocorrer. Considerando como exemplo o bloco de audiência número dois, que exibe as inserções entre 12h e 18h, a TV Globo pode veicular a inserção do candidato A no intervalo do programa Globo Esporte, o comercial do candidato B no intervalo do Vídeo Show e o comercial do candidato C no intervalo de Malhação. Desse exemplo decorrem dois problemas. Primeiro, os candidatos não possuem a autonomia para exibir suas mensagens nos programas que julgam pertinentes de acordo com as suas estratégias. Esse limite é particularmente problemático porque impede que o candidato correlacione o conteúdo de suas mensagens com o perfil da audiência. Se o candidato B precisa direcionar mensagens para o público jovem, o programa esportivo Globo Esporte poderia ser o mais indicado, por se tratar de um assunto que interessa a todos, mas principalmente à faixa etária jovem, mais sintonizada com o noticiário diário de esportes.

Segundo, o modelo brasileiro abre espaço para a ocorrência de interferência de agentes privados sobre o interesse público. No momento que a legislação eleitoral não prevê mecanismos equilibrados de distribuição de propaganda, as emissoras podem reservar os programas de maior audiência para os candidatos aos quais empresta apoio político. A literatura brasileira que investiga a cobertura eleitoral já encontrou evidências suficientes para afirmar que o noticiário sobre eleições muitas vezes não é pautado pela neutralidade, sendo comum jornais, revistas e emissoras de televisão beneficiarem determinados candidatos em detrimento de outros. É razoável supor que, no âmbito da distribuição da propaganda pela grade das emissoras, um tipo semelhante de beneficiamento possa ocorrer.

A Tabela 10 retrata os programas da TV Globo nos quais foram mostradas as inserções presidenciais, segundo a planilha de acompanhamento do Doxa, que será detalhada adiante. Nela, é possível observar que a TV Globo consegue blindar, por algum motivo não aparente, o intervalo de alguns dos seus programas, principalmente os de conteúdo jornalístico. Nas duas eleições analisadas, não há registro de exibições no intervalo dos telejornais Bom Dia Brasil, Globo Esporte, Jornal da Tarde e Jornal da Globo – e apenas uma única veiculação nos jornalísticos RJ TV primeira edição, no RJ TV segunda edição e no Jornal Nacional. Por outro lado, encontra-se acima da média a presença dos candidatos nos programas de Ana Maria Braga e das três principais novelas que compõem a grade da

emissora – novela das seis, das sete e das oito. A descrição desses dados serve como referência ao que pode acontecer no curso de uma campanha presidencial. Na medida em que a TV Globo bloqueia parte de sua programação a todos os candidatos, nada impede que possa fazer o mesmo em relação a um ou dois candidatos que rejeita politicamente ou, inversamente, reservar a fatia mais importante de sua programação ao candidato preferido.

Tabela 10 – Frequência das Inserções por Programa na TV Globo (2006 e 2010) (%)

Programa Frequência % Programa Frequência %

A Casa das Sete

Mulheres 2 0,1 Mais Você 266 8,9

A Cura 2 0,1 Mundial de Basquete 26 0,9

A Diarista 2 0,1 Novela das Nove 310 10,4

A Grande Família 34 1,1 Novela das Seis 269 9,0

A Turma do Didi 4 0,1 Novela das Sete 330 11,0

A Vida Alheia 3 0,1 O Profeta 57 1,9

Amistosos da Seleção 4 0,1 Os Caras de Pau 9 0,3

As Cariocas 4 0,1 Os Simpsons 1 0

Auto Esporte 21 0,7 Por Toda Minha Vida 2 0,1

Caldeirão do Huck 91 3 RJ TV 1 0

Campeonato Brasileiro 39 1,3 RJ TV 2 1 0

Casseta & Planeta 36 1,2 Sessão da Tarde 229 7,7

Cinema Especial 13 0,4 Sessão de Sábado 2 0,1

Copa Sul Americana 13 0,4 Sítio do Pica Pau

Amarelo 37 1,2

Desafio de Futsal 7 0,2 Sob Nova Direção 5 0,2

Domingão do Faustão 103 3,4 Taça Libertadores 1 0

Esporte Espetacular 28 0,9 Tela Quente 49 1,6

Fantástico 80 2,7 Temperatura

Máxima 6 0,2

Fórmula 1 13 0,4 Torneio de Futsal 9 0,3

Futebol 73 2,4 TV Globinho 174 5,8

Globo Repórter 45 1,5 TV Xuxa 166 5,5

Globo Rural 46 1,5 Vale a Pena Ver de

Novo 212 7,1

Hiper Tensão 17 0,6 Vídeo Show 91 3,0

Jornal Nacional 1 0 Xuxa 20 Anos 6 0,2

Liga Mundial 4 0,1 Zorra Total 49 1,6

Diante das restrições descritas acima, não é difícil concluir que a dinâmica apregoada no uso das inserções é falsa no caso do sistema brasileiro de propaganda eleitoral. Ao contrário, a análise das regras de exibição da propaganda, previstas na legislação eleitoral, revela que prevalece um caráter rígido de veiculação das mensagens. Se, por um lado, é verdade que o elemento surpresa e a repetição das informações são fatores importantes da estratégia eleitoral, por outro, também é verdade que os candidatos não controlam o fluxo de mensagens de suas campanhas e, consequentemente, não imprimem o ritmo e o volume de informações que gostariam de acordo com suas estratégias.

Do ponto de vista da estratégia política, seria mais impactante o candidato dispor de seus comerciais à vontade, além de possuir autonomia de selecionar os programas das emissoras pertinentes às suas estratégias de comunicação. Por conseguinte, a hipótese de que os candidatos escolhem os programas de maior audiência, dificilmente pode ser considerada no modelo brasileiro. Do mesmo jeito, compromete-se também a hipótese de que os candidatos correlacionam o conteúdo de suas mensagens eleitorais com os hábitos de mídia dos eleitores, isto é, veiculam mensagens específicas segundo o perfil do público que consome determinado programa. Como foi descrito acima, a decisão final sobre em qual programa a mensagem será exibida cabe às emissoras.