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2 PROPAGANDA NEGATIVA NAS ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS

2.2 Questões empíricas do modelo brasileiro

Embora o diálogo com a literatura internacional seja benéfico no sentido de compreendermos como funcionam eleições no Brasil, não podemos perder de vista que características institucionais, políticas e culturais impedem que as hipóteses derivadas do modelo americano sejam transpostas integralmente para o caso brasileiro, principalmente no que se refere ao volume de ataques exibidos pelos candidatos durante as campanhas. A razão principal é o marco regulatório da propaganda na TV, que no Brasil se desenvolveu de maneira alternativa ao modelo de exploração comercial da televisão americana, onde a única

exigência feita é a garantia de igual oportunidade na hora de aquisição de espaço publicitário (Albuquerque, 1995).

O problema do modelo brasileiro de propaganda reside no excesso de regulamentação imposto pela legislação eleitoral brasileira no que se refere ao seu conteúdo. Desde 1989, ano da primeira eleição presidencial, a lei eleitoral veda a veiculação de mensagens que possam “degradar ou ridicularizar partido, candidato ou coligação”. O desrespeito a essa norma jurídica acarreta duas consequências importantes para o candidato infrator: a ordem de retirada da peça publicitária do ar e a concessão do direito de resposta ao candidato que se sentir ofendido10

. O direito de resposta é artifício que garante ao candidato atacado o direito de usar parte do tempo destinado à propaganda do adversário em sua defesa. Atualmente, a lei estipula que o tempo destinado ao direito de resposta deve ser equivalente ao usado para a ofensa e não pode ser inferior a um minuto. Embora a concessão do direito de resposta seja pouco usual (representa 0,6% do tempo dos candidatos, em média), a presença deste artifício é importante na elaboração das táticas eleitorais devido, sobretudo, à sua influência psicológica: a ameaça de ser punido pela Justiça e perder tempo de televisão para o adversário desperta cautela na hora de atacar (Steibel, 2007). Sob esse aspecto, cabe especular que o nível de ataques no Brasil seja, invariavelmente, inferior ao registrado nos Estados Unidos.

Ademais, o sistema político brasileiro difere em muitos sentidos do sistema político norte-americano. O Brasil caracteriza-se por ser sistema multipartidário com a existência de dois turnos eleitorais. O segundo turno ocorre sempre quando um candidato não alcança mais de 50% dos votos no primeiro. Neste caso, credenciam-se para disputar a presidência os dois candidatos mais votados no primeiro. Esta variável institucional nos leva a cogitar a hipótese de que o primeiro turno será menos negativo do que o segundo. A hipótese deriva do cálculo político feito pelos candidatos de que será necessário o apoio dos derrotados no segundo turno. A consolidação desse pacto será tão mais difícil quanto mais negativo for o primeiro turno. No segundo, este tipo de constrangimento deixa de existir e a estrutura competitiva se aproxima do modelo de dois partidos da democracia americana. O jogo passa a ser de soma zero. Além disso, atacar o adversário não traz a certeza de que o autor será o beneficiado. Numa disputa com mais de dois candidatos, um terceiro poderá herdar os votos.

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Um fator adicional que pode exercer impacto sobre os índices de ataque nas campanhas majoritárias brasileiras é o caráter alienante da propaganda negativa, detectado em estudos experimentais e pesquisas de opinião. Lau, Sigelman, Heldman e Babbitt (1999) sumarizaram largo número de estudos que analisaram os efeitos da propaganda negativa e constataram, em sua maioria, que os eleitores avaliam o autor dos ataques de uma maneira mais negativa do que antes (19 estudos contra apenas 3 que descobriram que o autor é avaliado melhor depois de atacar). Essa descoberta é corroborada por grupos focais nos quais os participantes declararam “não gostar” da propaganda negativa. Nos Estados Unidos, por exemplo, grupos focais conduzidos por Hitchon e Chang (1995) mostram que a propaganda negativa recebe uma avaliação inferior à da propaganda positiva.

No Brasil, o caráter alienante da propaganda negativa também foi detectado em pesquisas de opinião e grupos focais. Em 2010, grupos focais, mediados pelo Instituto Vox Populi por conta da eleição presidencial, confirmam este ceticismo com relação aos ataques em campanhas. A maioria dos participantes manifestou desaprovação na hora de avaliar a propaganda negativa, principalmente a feita pelo candidato José Serra. Para a maioria, a estratégia significa “desespero” de uma campanha “sem projetos”. Além disso, ao assumir postura de ataque, a campanha de Serra estaria demonstrando sua “fraqueza”. Por exemplo, assim se manifestou uma participante: “Serra não está mostrando ser uma boa pessoa. Está querendo derrubar o outro a qualquer custo” (Mossoró, homens, 20 a 30 anos, classe B2/C1, Vox Populi).

Nas pesquisas quantitativas, os resultados obtidos são semelhantes. No segundo turno da eleição presidencial de 2006, o instituto de pesquisa Datafolha citou alguns aspectos da propaganda exibida no horário eleitoral e pediu que os entrevistados dissessem a importância de cada um deles na escolha de um candidato a presidente. Os dados estão mostrados na Tabela 1 abaixo. Como é possível observar, o item “crítica aos adversários” é considerado como o menos importante entre todas as outras opções. 44,6% dos entrevistados declararam achar “nada importante” a propaganda conter críticas aos adversários, contra apenas 9,5% que afirmaram o contrário. Segundo os dados apresentados abaixo, o que os eleitores esperam da propaganda na televisão é que ela seja “verdadeira” e “clara em relação às propostas de governo”.

Tabela 1– Nível de Importância da Propaganda Muito Importante Importante Mais ou Menos Pouco Importante Nada Importante Bem Produzida 36,9 44,0 7,5 3,8 5,3 Criativa 27,9 47,2 10,5 5,5 6,0 Verdadeira 58,1 30,0 4,2 2,3 3,1 Emocionante 12,3 29,5 19,8 13,5 22,0 Bem-humorada 12,3 32,4 17,5 13,6 21,3

Clara em relação às propostas 58,1 29,9 4,3 2,1 3,1

Crítica aos adversários 9,5 18,7 12,4 11,7 44,6

Fonte: Datafolha

O cruzamento entre o nível de importância do atributo “crítica aos adversários” e o perfil do eleitor revela algumas particularidades, como pode ser visto na Tabela 2 abaixo. A aceitação da presença de críticas na propaganda eleitoral aparece positivamente relacionada com a renda do eleitor e, em escala menor, também com a escolaridade. Entre os eleitores com renda acima de 10 salários mínimos, 17,6% avaliaram como “muito importante” as críticas feitas contra os candidatos, enquanto que apenas 9,7% dos eleitores com renda até dois salários compartilham da mesma opinião. Paralelamente, ao passo que 45,2% dos eleitores de baixa renda consideram como “nada importante” as críticas feitas aos adversários, esse percentual diminui para 30,6% entre os mais ricos.

Tabela 2– Nível de Importância da Propaganda Negativa (%)

Renda Familiar (SM) Escolaridade

Até 2 2 a 5 5 a 10 de 10 Mais Fundamental Médio Superior

Muito importante 9,7 8,6 10,9 17,6 8,6 10,3 10,8

Importante 18,8 18,0 20,2 20,4 18,3 18,8 20,1

Mais / menos importante 12,0 12,3 19,2 16,7 10,5 13,1 17,9

Pouco importante 10,7 13,0 16,0 13,0 10,0 12,4 15,8

Nada importante 45,2 46,5 33,3 30,6 47,4 44,3 34,6

Total 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0

Fonte: Datafolha

Em relação à escolaridade, os percentuais não diferem na mesma magnitude. Como pode ser visto na Tabela 2, não se constatam diferenças entre os níveis de escolaridade no que se refere ao item “muito importante”. Em compensação, 34,6% dos indivíduos com grau de

instrução superior manifestaram achar “nada importante” a presença de críticas aos adversários, em oposição aos 47,4% dos eleitores com ensino fundamental que sustentam a mesma opinião. Uma possível explicação para os resultados obtidos parece ser o reconhecimento, por parte dos mais instruídos e daqueles com maior poder de compra, do papel que a propaganda negativa exerce nas campanhas eleitorais, principalmente como fator informativo e de discriminação das opções eleitorais (Garramone, 1984).

Esse conjunto de ponderações não significa a ausência de ataques em campanhas. Servem para problematizar a utilização dessa ferramenta eleitoral durante os pleitos eleitorais. A hipótese, portanto, não é a de que candidatos se furtarão a atacar uns aos outros, apenas que serão constrangidos pela lei eleitoral, a estrutura competitiva e a atitude dos eleitores em relação ao caráter “maléfico” da propaganda negativa. Nesse sentido, a campanha negativa será estratégia minoritária quando comparada à decisão de falar bem de si próprio. Por outro lado, não podemos ignorar que a propaganda negativa é usada como instrumento de campanha principalmente pelos candidatos que precisam inverter tendências desfavoráveis, a fim de alterar o status quo. Por conseguinte, será usada, sobretudo, por aqueles que se encontram em desvantagem na corrida pelo cargo de presidente.