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Um modelo de campanha negativa nas eleições presidenciais brasileiras

3 O USO ESTRATÉGICO DAS INSERÇÕES NEGATIVAS NAS ELEIÇÕES

4.3 Um modelo de campanha negativa nas eleições presidenciais brasileiras

Na elaboração de um modelo de propaganda negativa, a primeira questão a ser debatida é o motivo que leva os candidatos a atacarem seus adversários. Na leitura dos modelos encontrados na literatura internacional, Skaperdas e Grofman (1995) são os únicos que oferecem uma explicação35

. Essa pergunta parece ter uma resposta direta: candidatos atacam seus adversários na tentativa de arrancar-lhes voto. No entanto, a decisão de usar a

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Como dito na seção anterior, as mensagens positivas buscam converter indecisos em apoiadores, enquanto as mensagens negativas procuram converter apoiadores do adversário em indecisos.

propaganda negativa envolve um dilema um pouco mais complicado. Como debatido no capítulo dois, atacar o adversário pode ser danoso tanto para o alvo quanto para o autor – o chamado efeito bumerangue36

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Diante desse fato, a pergunta é: por que os candidatos continuam a usar a propaganda negativa se os seus efeitos podem se voltar para o seu emissor? Esta tese trabalha com a hipótese de que a propaganda negativa é o último recurso que os candidatos empregam durante uma campanha. A propaganda negativa é usada quando e apenas quando os candidatos precisam inverter tendências desfavoráveis. Essa classificação, na verdade, é pouco precisa, pois as campanhas em geral têm como pressuposto alterar tendências. No caso específico da propaganda negativa, o seu objetivo é inverter a tendência favorável de outro candidato. Caso contrário, o status quo permanece inalterado até o fim da campanha. Isso significa que a propaganda negativa busca não apenas tirar votos do adversário, como argumentam Grofman e Skaperdas, mas impedir igualmente que indecisos se tornem apoiadores do adversário, assim como impedir que apoiadores do autor dos ataques venham a ser tornar apoiadores do adversário.

A noção de que a propaganda negativa tem por objetivo alterar uma tendência favorável de um adversário é válida para todos os participantes da eleição e ajuda a explicar por que alguns candidatos usam mais a propaganda negativa e outros menos. Por exemplo, essa hipótese esclarece a razão que leva os líderes nas pesquisas a se valerem menos deste recurso do que os retardatários. Líderes não precisam inverter tendências (pelo menos na maior parte das vezes), o status quo já é favorável. Retardatários, ao contrário, ou invertem a tendência de quem está na frente ou perdem a eleição. Essa noção ajuda a explicar também por que candidatos que estão numa posição superior nos índices de intenção de voto atacam candidatos que estão abaixo, mas que galgam posições constantes nas pesquisas. Neste caso específico, o candidato ataca quem está situado abaixo para alterar a tendência de subida do seu adversário e guardar a sua posição na disputa. Foi assim que aconteceu, por exemplo, entre Serra e Garotinho, em 2002. Na reta final do primeiro turno desta eleição, quando Serra já havia desbancado Ciro Gomes da segunda colocação, o tucano se viu ameaçado pela ascensão contínua de Garotinho. A decisão de atacar o terceiro colocado na disputa teve como motivação preservar o seu espaço político dentro da estrutura competitiva.

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Assim sendo, podemos concluir que candidatos não atacam uns aos outros por esporte ou diversão. A escolha de quem será atacado passa por uma decisão estratégica de sobrevivência eleitoral e ocupação de espaço nos índices de intenção de voto. Vence quem chega em primeiro. Para isso, candidatos precisam eliminar os rivais à sua frente e preservar o posicionamento daqueles que vêm de trás. Neste jogo, a primeira missão é garantir lugar no segundo turno, a segunda é ser eleito. E para dar conta desses objetivos, a propaganda negativa é ferramenta indispensável, pois é ela quem tem a força de desestabilizar candidaturas rivais. Em suma, podemos afirmar como primeira proposição do modelo que candidatos usam a propaganda negativa com o propósito de inverter tendências favoráveis de seus adversários. Como segunda proposição, o alvo será sempre aquele que ameaça mais diretamente a sobrevivência do candidato, que varia de acordo com a evolução do cenário eleitoral.

Essas colocações nos levam a considerar outro pressuposto para o modelo. Para que os candidatos saibam quem atacar, é preciso que possuam o conhecimento sobre o lugar que ocupam na competição e o lugar ocupado por seus adversários. Para isso, é preciso ter a informação sobre como estão distribuídas as intenções de voto entre os candidatos nas sondagens de opinião. Esta tese trabalha com a suposição de que é de conhecimento comum o posicionamento de cada candidato nas sondagens de opinião − todos sabem o lugar que ocupam, todos sabem o lugar que ocupam os seus adversários e todos sabem que todos compartilham essas informações. Esse pressuposto informacional é de fácil solução, mesmo para os candidatos que não contam com recursos financeiros para realizar pesquisas eleitorais próprias. Desde 1989, o Brasil conta com uma variedade de institutos de pesquisa que realizam as suas aferições e liberam os resultados para o público, principalmente por intermédio da imprensa. Entre eles, destacam-se Ibope, DataFolha, Sensus e Vox Populi.

O pressuposto informacional nos leva a considerar por extensão que os elementos constitutivos do modelo – candidatos e eleitores – são atores racionais. Isso significa que os candidatos, sabendo o posicionamento que ocupam na competição, não atacam aleatoriamente os seus adversários. Não há razão teórica para esperar que um candidato na primeira colocação mire um candidato em décimo. Por conta disso, os pressupostos delineados anteriormente dificilmente podem ser aplicados a candidatos não competitivos porque eles entram na disputa com outros objetivos que não a maximização de votos. Candidatos podem ter aspirações a outros cargos em disputas futuras. Similarmente, alguns candidatos entram na eleição apenas com o propósito de firmar posição ou estimular o crescimento do partido. Tais aspirações são legítimas, mas criam incentivos para além da conquista do poder naquele

momento. Por conta disso, esses candidatos podem seguir estratégias próprias que não se encaixam perfeitamente em qualquer modelo de propaganda negativa.

A inclusão da variável ideologia, num contexto multipartidário que configurar maior probabilidade de segundo turno, é importante porque ela tem a força de transformar um jogo não cooperativo de soma zero em um jogo cooperativo de soma não zero. Uma eleição é, por excelência, um jogo não cooperativo de soma zero porque, para um candidato vencer, todos os outros devem necessariamente perder37

. Neste caso, os candidatos não possuem o interesse de coordenar as suas estratégias para benefício mútuo porque não existe benefício mútuo neste jogo. No jogo de soma zero, o payoff de um candidato é o oposto do payoff de outro candidato. Por isso um jogo de soma zero é por natureza um jogo não cooperativo (Morrow, 1994).

No jogo cooperativo, os candidatos podem fazer acordos antes e durante a realização de um jogo – a comunicação entre eles é permitida. A coordenação é esperada quando candidatos compartilham interesses comuns ou, dito de outra maneira, quando o payoff de um candidato não é necessariamente o oposto do payoff de outro. Num sistema multipartidário com dois turnos, a ideologia estimula a cooperação e transforma a eleição num jogo de soma não zero por dois motivos. Primeiro, pela possibilidade de troca de apoio no segundo turno. Candidatos situados na mesma dimensão ideológica sabem que são aliados naturais. A decisão de atacar um candidato de perfil semelhante é um dilema que pode ocasionar duas consequências indesejadas: a recusa de apoio do candidato derrotado ou a recusa de apoio dos eleitores do candidato derrotado. Neste segundo caso específico, os modelos de teoria espacial ensinam que os eleitores votam por proximidade. Isto é, eleitores de esquerda votam em candidatos de esquerda e eleitores de direita votam nos candidatos de direita. A briga entre candidatos conectados ideologicamente pode, portanto, gerar uma tensão entre as bases desses candidatos, que, ao cabo, se recusam a emprestar apoio para a opção que seguir na disputa. Isso não significa, no entanto, que esses eleitores votariam em candidatos do outro extremo ideológico, o mais provável é a abstenção (Enelow e Hinich, 1984).

Segundo, o armistício é estimulado pela expectativa de ocupação de cargos públicos numa futura coalizão de governo. A literatura sobre formação de governos dá um peso

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Mais uma vez, para efeito de simplificação, o modelo ignora os candidatos que entram na competição sem a intenção de ser eleito. Como salientado, alguns candidatos podem aspirar a outros cargos em eleições futuras, podem simplesmente manter posição partidária ou servir a outros propósitos além da maximização de votos.

considerável para a variável ideologia. Robert Axelrod (1968) foi o primeiro a levar em consideração o posicionamento político dos partidos. Sua abordagem tem como pressuposto que partidos procuram formar coalizões com parceiros conectados na dimensão ideológica de modo a diminuir os custos da barganha e suavizar o conflito de interesses. Assim, partidos de esquerda dariam preferência a formar coalizões com partidos de esquerda, enquanto partidos de direita dariam prioridade aos partidos de direita. Essa teoria ficou conhecida como coalizão mínima conectada (minimal connected winning). De Swaan (1973) também considera o posicionamento ideológico dos partidos no processo de formação de coalizões, mas sob motivação distinta. A diferença básica do modelo de De Swaan é que os partidos são policy oriented e esperam se juntar a coalizões que adotem políticas públicas mais próximas do seu ponto político ideal. Assim, segundo ensina essa literatura, podemos esperar que numa campanha eleitoral candidatos de partidos conectados fujam do confronto direto de modo a evitar fissuras em relações futuras.

Esse debate não significa que a coordenação se estabelece somente entre candidatos conectados. A coordenação também pode ocorrer entre candidatos de ideologia conflitante, especialmente nos cenários de candidatura dominante. O cenário de candidatura dominante caracteriza-se por uma configuração eleitoral na qual um único partido tem chances reais de conquistar a maioria absoluta de votos. Encontramos essa formação sempre que, durante o período eleitoral, o segundo colocado não encontra forças para sobrepujar o favoritismo do primeiro. Tecnicamente, representa a situação na qual o partido favorito conta com apoio superior a 50% do eleitorado. No vocabulário da competição espacial, significa uma distribuição unimodal em que um partido está instalado sobre a mediana do eleitorado.

Num sistema multipartidário, a configuração dominante estimula o comportamento estratégico dos partidos menores, mesmo entre aqueles ideologicamente diferentes, por uma lógica oportunística de sobrevivência política e eleitoral. Uma estratégia viável é a formação de uma aliança entre eles com o objetivo de reunir forças contra o partido dominante. Outra estratégia possível é o pacto não declarado oficialmente, no qual os pequenos partidos se unem sem se coligarem formalmente, apenas evitam críticas uns aos outros, centrando a artilharia no partido dominante. Nessas duas ocasiões, a tentativa é estender a competição até o segundo turno, quando poderão romper a hegemonia do partido dominante.

Portanto, a diferença entre a cooperação de cunho ideológico e a cooperação oportunística é a expectativa de transferência futura de utilidade (side payment). Numa cooperação entre parceiros ideológicos, o compromisso é esperado não apenas pelos atores políticos, mas sobretudo por suas bases sociais. Eleitores de partidos de esquerda esperam a

troca de apoio mútuo entre candidatos de esquerda, ao mesmo tempo em que eleitores de direita esperam a troca de apoio mútuo entre partidos de direita. Paralelamente, eleitores ideologicamente identificados esperam que seus partidos preferidos coliguem-se e formem coalizões com partidos do mesmo campo político, um compromisso que não é exigido por alianças oportunistas. Neste sentido, um jogo cooperativo entre parceiros conectados ideologicamente também é uma questão de representação política e prestação de contas.

A última questão a se avaliar é o momento em que os candidatos devem atacar os seus adversários. Essa é uma lacuna sentida na literatura teórica sobre modelos de campanha negativa. Nenhum dos textos analisados teoriza sobre o momento específico em que um candidato deve atacar o seu oponente. No capítulo anterior, mostramos o modelo de Diamond e Bates (1992) segundo o qual a propaganda negativa evolui na forma de um sino invertido. No entanto, essa tese sustenta a hipótese de que a campanha negativa é motivada pela distância entre os competidores e pelo tempo de duração da campanha. No primeiro caso, quanto maior for a diferença percentual entre as candidaturas, mais cedo o candidato retardatário deverá atacar o adversário. No segundo caso, a hipótese é a de que quanto mais curto for o tempo permitido de campanha, mais cedo os candidatos se atacam. Essa última hipótese pode parecer sem sentido, pois a Lei Eleitoral 9.504 estipula um prazo fixo para a campanha, de 45 dias. No entanto, nem sempre foi assim. Nas eleições presidenciais de 1989 e 1994, o tempo previsto de propaganda na televisão era de 59 e 60 dias, respectivamente. Mais importante é o número de programas permitidos por cada lei: 59 programas em 1989, 34 em 1994 e 20 programas a partir de 1998. Daí se vê que, atualmente, o tempo permitido para inverter tendências é menor, o que pressiona os candidatos a anteciparem os ataques38

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Por fim, uma possível crítica que pode ser feita ao modelo proposto é a sua simplicidade, que ignora muitas variáveis que interferem e estimulam o comportamento estratégico dos candidatos. Por exemplo, a decisão de “partir para cima” de um adversário é facilitada pela posse de recursos políticos e financeiros. Partidos nanicos não agregam força para atacar adversários ricos e estabelecidos. A história do candidato e seu DNA político também podem constranger uma estratégia mais agressiva. Outra variável é o beneplácito da imprensa. A decisão de atacar um candidato pode receber o apoio da imprensa ou, inversamente, a sua condenação – neste caso, candidatos apoiados pelos órgãos de imprensa

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têm a tarefa facilitada na hora de atacarem os seus adversários. No entanto, a crítica da simplicidade não é pertinente para os modelos de análise feitos com base na teoria dos jogos. Esses modelos são, por sua própria natureza, abstrações da vida real (Morrow, 1994). Na teoria dos jogos, os modelos objetivam capturar a essência de uma situação social complexa e representá-la em termos simples. Ele nos ajuda a pensarmos na hipótese que será aplicada no mundo real. O objetivo das seções seguintes é justamente testar essas hipóteses.