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3 O USO ESTRATÉGICO DAS INSERÇÕES NEGATIVAS NAS ELEIÇÕES

4.5 Estudo de caso: as eleições presidenciais brasileiras

4.5.2 A eleição presidencial de 1994

A eleição presidencial de 1994, vencida por Fernando Henrique Cardoso no primeiro turno, ocorreu num contexto institucional e político significativamente diferente do observado na eleição presidencial de 1989. A disputa para presidente contou com apenas oito candidatos e a campanha eleitoral foi marcada por vários acontecimentos importantes, como o lançamento de nova moeda e a virada nos índices de intenção de voto. Além disso, a Lei Eleitoral 8.713 introduziu mudanças significativas na estrutura da competição. A escolha para presidente passou a ser vinculada juntamente às escolhas para o Senado Federal, a Câmara dos Deputados, os Governos Estaduais e as Assembleias Legislativas, o que alterou profundamente a política de alianças e coligações eleitorais, que passaram a considerar simultaneamente os diferentes cargos em disputa48

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É consenso entre analistas políticos que a eleição presidencial de 1994 foi influenciada diretamente pela criação do Plano Real, um plano econômico elaborado por Fernando

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A Lei Eleitoral 8.713 reduziu o tempo de campanha de 59 para 34 programas eleitorais. O artigo mais polêmico foi o que proibiu o uso de imagens externas, computação gráfica e outros recursos na propaganda política.

Henrique enquanto ministro da Fazenda do governo de Itamar Franco, que permitiu acabar com a hiperinflação, estabilizar os preços e aumentar o poder de compra do brasileiro. A interferência do Real se deu não apenas pela melhora na qualidade de vida proporcionada aos brasileiros, mas pela formação de um consenso, construído especialmente no âmbito da imprensa, de que a derrota de Fernando Henrique poria em risco os benefícios alcançados pelo plano de estabilização.

A análise da evolução da opinião pública, exibida no Gráfico 11 a seguir, confirma a importância do Plano Real na vitória de Fernando Henrique. A ultrapassagem nos índices de intenção de voto coincide com o lançamento do plano e a estabilização da economia, em julho. A inversão de posições entre Lula e Fernando Henrique é importante também para mostrar como a dinâmica eleitoral é relevante na categorização dos cenários eleitorais. A eleição presidencial de 1994 caracteriza-se por se dividir em três etapas distintas. Em seu início, ainda na fase pré-eleitoral, tínhamos um cenário dominante no qual Lula era o candidato favorito para conquistar o cargo de presidente. No meio do ano, o cenário se torna polarizado entre as candidaturas de Fernando Henrique e Lula e somente a partir de agosto o candidato do PSDB assume a sua condição de dominante. No entanto, para efeito de análise do discurso e teste do modelo, a eleição de 1994 deve ser classificada como cenário dominante, pois quando se inicia o horário eleitoral gratuito (3/8) o panorama eleitoral caminhava para ser amplamente favorável a Fernando Henrique e é, com base no cenário verificado durante o horário eleitoral, que os candidatos elaboraram as suas estratégias eleitorais discursivas.

Gráfico 11 – A Evolução da Intenção de Voto em 1994

0 10 20 30 40 50 60 3/5 24/5 13/6 5/7 13/7 26/7 9/8 18/8 22/8 29/8 5/9 9/9 15/9 22/9 27/9 1/10

FHC Lula Brizola Quércia

Início do HGPE

A Tabela 24 abaixo apresenta as informações sobre quem atacou quem durante a exibição do horário eleitoral em 1994. Os resultados são coerentes com o que se espera dos candidatos de acordo com a posição que ocupam na estrutura competitiva. Fernando Henrique, na sua condição de líder nas pesquisas de intenção de voto, foi o mais alvejado entre todos os candidatos. Lula e Orestes Quércia chegam a concentrar 100% dos seus ataques para inviabilizar a sua campanha. O candidato do PT é o segundo mais atacado pelos seus adversários, seguido pelos ataques direcionados concomitantemente a Fernando Henrique e Lula pelos candidatos retardatários.

Tabela 24 - Frequência dos Ataques na Eleição Presidencial de 1994 (%)

FHC Lula Brizola FHC/Lula

FHC - 88,9 11,1 - Lula 100,0 - 0,0 - Quércia 100,0 0,0 0,0 0,0 Brizola 61,3 6,1 - 32,7 Enéas 0,0 25 0,0 75,0 Amin 58,5 31,9 0,0 9,7

Fonte: Elaboração do autor.

Os ataques feitos por Fernando Henrique também são coerentes com o jogo. Na posição de líder das pesquisas, o candidato do PSDB direciona a maior parte do seu tempo para atacar Lula, que era o candidato que vinha abaixo e o único que poderia ameaçar a sua condição de favorito e dominante. Vale lembrar que Fernando Henrique foi também, entre todos os candidatos analisados, o que menos se valeu do recurso da campanha negativa. Fernando Henrique optou por uma campanha majoritariamente limpa, numa postura assumidamente “acima da briga”. O tucano gastou somente 2,2% do seu tempo de propaganda para atacar os adversários, diferentemente de Lula, que usou 29,4% do seu tempo na tentativa de macular a imagem de seu oponente49

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A análise da Tabela 24 mostra que o modelo é coerente também com a hipótese do “aprendizado”, que foi debatida no final da análise sobre a campanha de 1989. Não são

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observados ataques aleatórios, sem que haja uma explicação eleitoral para eles, como ocorreu no pleito de 1989. Ao contrário, foram identificados somente quatro alvos diferentes, contra 25 em 1989. Neste caso, foram vítimas basicamente os candidatos situados em primeiro (Fernando Henrique) e em segundo (Lula) nas sondagens de opinião, de maneira individualizada ou conjunta. A única exceção é a ocorrência de um ataque feito por Fernando Henrique contra Brizola, encontrado no dia 19 de setembro, com duração de 40 segundos, que se deu mais em tom de revide do que por estratégia eleitoral50

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Por fim, a evolução dos ataques também segue de acordo com a expectativa. Num cenário de candidatura dominante, todos os candidatos retardatários anteciparam a estratégia e atacaram desde cedo, na tentativa de diminuir a vantagem conquistada pelo líder das pesquisas. Coincidentemente, Lula, Brizola e Amin atacaram Fernando Henrique ainda na primeira semana de campanha, todos no dia 7 de agosto – a propaganda eleitoral iniciara no dia 3 e contou ainda com outra exibição no dia 5. Quércia demorou um pouco mais do que os seus concorrentes para atacar Fernando Henrique. O primeiro ataque foi registrado apenas no dia 17 de agosto, quando já haviam sido exibidos oito programas eleitorais. Enéas também não acompanhou a maioria e foi o candidato mais atrasado na hora de criticar Fernando Henrique, seu primeiro ataque aconteceu apenas no dia 2 de setembro.