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1 ELEIÇÕES, INFORMAÇÃO E PROPAGANDA NEGATIVA

1.3 O papel da informação negativa nas campanhas eleitorais

Na seção anterior, procuramos demonstrar como as informações são ferramentas fundamentais no processo democrático. Vimos que as informações cumprem papel educativo ao esclarecer o posicionamento, a história política e os atributos pessoais dos candidatos para um público que, em essência, possui pouco conhecimento sobre política. Esta seção tem por objetivo debater um tipo específico de informação, a informação negativa, proveniente dos ataques que os candidatos fazem aos seus adversários. Mais uma vez, nos reportaremos aos estudos que vêm sendo desenvolvidos na academia norte-americana, pioneira no assunto, e a evolução dos seus achados. Na seção seguinte, mostraremos como parte deste debate pode ser incorporada como agenda de pesquisas no Brasil.

Embora a decisão de atacar o adversário seja uma prática comum na política norte-americana, principalmente tomando-se por base o desenvolvimento das modernas técnicas de campanha, ainda na década de 1950, como interesse acadêmico o tema ganhou fôlego somente a partir da segunda metade dos anos 1980. A campanha negativa despertou o interesse de acadêmicos em função dos potenciais impactos que os ataques poderiam exercer sobre o regime democrático. Um dos achados mais interessante e potencialmente mais importante é a hipótese da desmobilização. A hipótese da desmobilização sugere que a propaganda negativa é negativamente correlacionada com a participação eleitoral. Este achado encontrou evidência empírica numa série de experimentos conduzidos por Ansolabehere e Iyengar (1994 e 1995), por conta das eleições locais na Califórnia, em 1990, 1991 e 1992. Esses experimentos tiveram como procedimento dividir seus participantes em dois grupos. Aqueles que assistiram aos comerciais positivos revelaram ter a intenção de votar 5% maior quando comparados aos que assistiram aos comerciais negativos. Este efeito, maior entre independentes e pessoas com baixo interesse, seria consequência do aumento do grau de cinismo que as pessoas passariam a experimentar em relação à política4

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A hipótese da desmobilização, embora provocativa e extremamente plausível, foi seriamente questionada por outros autores, tanto pelos seus aspectos metodológicos quanto

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4 Houston, Doan e Rosko-Ewoldsen (1999) explicam a hipótese da desmobilização com base na teoria do conflito de escolhas. Esta teoria se refere ao conflito interno que o indivíduo experimenta na hora de optar por alternativas

competitivas. Quando as duas alternativas são igualmente satisfatórias, criando uma dúvida sobre duas opções igualmente boas, existe o que os autores chamam de aproach-aproach conflito, isto é, o conflito em que há razões igualmente boas para se escolher uma das opções. O cenário se altera quando as alternativas são igualmente negativas, criando um conflito de decisão entre alternativas indesejáveis. O resultado é o conflito avoidance-avoidace no qual o indivíduo não tem motivos para se decidir entre uma delas.

pelos seus aspectos teóricos. Tem sido sugerido que, ao invés de desmobilizar, a campanha negativa aumenta a participação. Estes achados são sustentados por uma variedade de estudos que empregam instrumentais metodológicos distintos dos aplicados por Ansolabehere e Iyengar, como a utilização de dados agregados e surveys eleitorais. A crítica comum sustenta que os estudos feitos em laboratório são importantes para detectar possíveis causas e efeitos, mas não são eficientes para transpor essas causas para o “mundo real”, tendo, portanto, sérios problemas de validade externa. Outras críticas problematizam o fato de o experimento de laboratório indagar sobre a intenção de votar, ignorando o comportamento real do eleitor, enquanto outros questionam a exposição feita fora do calor da campanha, em comerciais fabricados para o estudo, sem levar em consideração os verdadeiros comerciais veiculados ou a intensidade com que os eleitores são a eles expostos (Bartels, 1996; Finkel e Geer, 1998; Freedman e Goldstein, 2002; Kahn e Kenney, 1999; Wattemberg e Brians, 1999; Niven, 2006).

Finklen e Geer (1998), por exemplo, combinam a análise do conteúdo da propaganda eleitoral com dados agregados e o arquivo de surveys nacionais feitos pela Universidade de Michigan e concluem que o tom das campanhas não diminuiu a participação eleitoral entre 1960 e 1992, ao contrário a estimulou entre os mais interessados. Freedman e Goldstein (2002) usam metodologia ainda mais inovadora que consistiu em identificar o horário, a emissora e o número de vezes em que os comerciais negativos foram exibidos e correlacionar este plano estratégico de mídia com o hábito televisivo dos eleitores. A pesquisa indicou que as pessoas que declararam assistir a programas nos quais foram exibidos ataques eram as mais propensas a votar. Wattemberg e Brians (1999) também mediram a exposição aos comerciais (em termos de recall) e não encontraram evidências sobre desmobilização. Por fim, Niven (2008) seleciona aleatoriamente grupo de eleitores, envia propaganda negativa pelo correio, no dia anterior à eleição, e verifica que a intenção de votar entre aqueles que receberam a correspondência era maior do que entre aqueles que não receberam.

Finkle e Geer (1998) sugerem três explicações segundo as quais a propaganda negativa está relacionada com a participação. Primeiro, a propaganda negativa é fonte de relevantes informações sobre os temas das campanhas e a capacidade administrativa dos candidatos. Segundo, defende a tendência, verificada nos estudos de psicologia social, de que os eleitores consideram as informações negativas sobre os candidatos como mais importantes do que as informações positivas. Por último, argumentam que a propaganda negativa mobiliza porque provoca emoções mais fortes. As emoções estimulariam a participação ao fazerem aumentar o entusiasmo pelo candidato preferido ou por aumentar o grau de importância que o

eleitor atribui ao resultado da eleição. O apelo emocional estimula também o grau de ansiedade no eleitor, o qual pode por consequência intensificar o aprendizado pelas qualidades dos candidatos e pelas propostas que defendem com o objetivo de formularem uma decisão mais abalizada, evitando assim o risco que pode estar associado à determinada candidatura.

Martin (2004) propõe outras razões para sustentar a mobilização por meio de ataques. O autor assume que os eleitores compartilham um conjunto de preocupações sobre o futuro do país e quando existe a percepção de ameaça aos interesses coletivos da comunidade os cidadãos agem imbuídos do dever cívico. A importância da campanha negativa repousa justamente como o fator que ativa este sentimento de ameaça, iluminando a percepção dos problemas públicos. Martin argumenta ainda que a campanha negativa é prima-irmã da teoria da escolha racional. Os modelos de escolha racional ensinam que o eleitor decide participar quando o benefício esperado supera o custo de participação. E o custo de participação é diretamente proporcional ao grau de competitividade. Quanto mais disputada for uma eleição, mais participação haverá. Neste sentido, a campanha negativa estimula a participação uma vez que sinaliza que a eleição é parelha.

Outro conjunto de estudos encontrou evidências moderadas sobre o efeito da campanha negativa. Lau e Pomper (2001) defendem que a campanha negativa é boa para a democracia desde que respeite o limite do bom senso. A análise feita por ocasião das eleições para o Senado norte-americano mostrou que o efeito do tom das campanhas apresenta forma curvilínea – os eleitores são estimulados a participar desde que a campanha negativa não ultrapasse um determinado limite. Kahn e Kenney (1999) seguem a mesma linha e argumentam que somente golpes considerados abaixo da linha da cintura, aqueles que fogem do parâmetro comum da decência e com pouca relação com as questões essenciais da política, provocam alienação e desmobilização. De resto, a campanha negativa contribui para o debate democrático.

Para além do debate sobre participação eleitoral, a propaganda negativa vem sendo debatida por conta de outras possíveis contribuições ao sistema democrático. John Geer, no livro In Defense of Negativity, publicado em 2006, parte do princípio de que a negatividade é essencial para a prática democrática, um requisito fundamental para aprimorar e desenvolver a democracia. Para Geer, ataques enriquecem o processo democrático, pois é necessário que o eleitorado conheça os pontos positivos e negativos das candidaturas e das políticas que defendem. A democracia só pode avançar quando todos nós sabemos as virtudes e as fraquezas, as qualidades e os defeitos dos candidatos. Se o candidato promete mudar tudo o

que vem sendo feito, é necessário que mostre como, com quais recursos e quando pretende iniciar essas reformas. Sem esse tipo de informação, a democracia se compromete por não terem sido colocadas à disposição dos eleitores todas as informações necessárias para a tomada de decisão. A campanha negativa assume, portanto, caráter vital de análise, ao chamar para o escrutínio do povo as promessas feitas pelos candidatos.

Para Geer, a campanha negativa informa o público sobre as consequências das decisões equivocadas, torna a prestação de contas possível, desperta a atenção para o processo eleitoral e melhora a qualidade da elaboração de projetos para o país, já que é impossível aprimorar sem o debate de ideias. Para o autor, nenhuma nação pode ser classificada como democrática sem a presença de algum nível de negatividade:

Attack may be painful to some, but they are essential for chance to take place and for any nation to prosper. It is important to realize that the agent of change must first demonstrate the reason why change is needed. That is, they need to negative before go positive. In short, attacks enrich the quality of democratic life. (Geer, 2006, p. 10)

Geer argumenta que a discussão sobre o tom das mensagens deveria ser assunto secundário. Mais importante é saber se os candidatos informam devidamente o público. Para o autor, as mensagens negativas informam melhor do que as mensagens positivas porque satisfazem quatro critérios que considera fundamentais num ambiente eleitoral: (i) discutem mais temas e questões políticas do que atributos pessoais dos candidatos; (ii) apresentam mais evidências; (iii) diferenciam os candidatos; e (iv) focam em assuntos considerados relevantes. “The real issue should be whether or not candidates present information in campaigns that are useful to voters. The tone of that information should be a secondary issue, at best” (p. 3), defende.

Geer chega a estas conclusões com base na análise de 795 spots eleitorais veiculados nas campanhas para presidente realizadas entre 1960 e 2000. A análise revelou que 72% dos spots negativos faziam referências a temas, enquanto esta proporção era de apenas 49% nos spots positivos. Para o autor, a discussão de temas em campanhas é um bom indicador da qualidade da informação, já que é a oportunidade que os eleitores têm para aprender sobre os planos de governo dos candidatos. Os dados também foram consistentes com as hipóteses de que a campanha negativa diferencia as opções eleitorais, apresenta mais evidências e foca em assuntos relevantes. A análise mostrou que a propaganda negativa diferencia porque discute o posicionamento dos candidatos – 31% dos ataques foram considerados position taking, contra apenas 16% nos comerciais positivos. No mesmo sentido, Geer demonstra que a propaganda negativa repercute as preocupações da população declaradas nas pesquisas de opinião, além

de repercutir os problemas detectados nos dados objetivos de crescimento econômico, desemprego e inflação. Por fim, mostra que a incidência de argumentos lógicos, nos comerciais negativos, supera essa incidência nos comerciais positivos.

When making a positive appeal, candidates have a great tendency to be vague, calling for a Social Security system. However, when attacking the opposition, there is a great need for evidence and reasoning. It is just not a very viable strategy for a candidate to say only that the opposition wants a weak Social Security system. Rather, an attack encourages the attacker to be specific about how that candidate poses a threat to Social Security. The data are consistent with this position (Geer, 2006, p. 106).

O caráter informativo das mensagens negativas encontra suporte empírico em outros estudos. Benoit (1999) e Kaid e Johnston (2002) confirmam que os ataques são mais orientados por temas do que por atributos pessoais. Wattenberg e Brians (1996), que comparam o conteúdo dos jornais impressos, do noticiário televisivo e da propaganda política, verificam que a propaganda negativa supera as demais fontes de informação pela capacidade de gerar o conhecimento sobre os temas debatidos nas campanhas. Sides, Lipsitz e Grossmann (2010) também medem a avaliação dos candidatos a respeito da propaganda política e constatam que a propaganda negativa é tão informativa quanto a positiva. Ademais, estes autores atestam que a informação negativa é mais saliente, é levada em consideração na avaliação de alternativas eleitorais e importante fator de avaliação de candidaturas.

Para Polborn (2005), a campanha negativa é mais informativa porque certos dados sobre as candidaturas somente são fornecidas pelos adversários. Ninguém pode esperar que um candidato fale abertamente de seus próprios problemas, defeitos e fraquezas. Este aspecto é o que Mayer (1996) chama de caráter questionativo da campanha negativa. É ela quem ressalta as falhas dos candidatos, chama a atenção para aspectos que eles não falariam por conta própria, habilidades e virtudes que não possuem, erros que cometeram, problemas com os quais não lidam, assuntos que gostariam de evitar. De acordo com Garramone et al. (1990), na medida em que informa sobre questões normalmente ausentes na propaganda positiva, a campanha negativa polariza a disputa e, ao polarizar, facilita a escolha eleitoral: “By facilitating candidate image differentiation and attitude polarization, negative political advertising may aid voters in feeling more confident about their voting decisions and may intensify their involvement in political races” (Garramonte et al., 1990, p. 301).

Estudos sobre a recepção das mensagens demonstram ainda que as informações negativas estimulam o aprendizado, ficam retidas por mais tempo na memória e ajudam na persuasão. Marcus e Mackuen (1993), em estudo sobre o papel das emoções no comportamento eleitoral, revelam que a ansiedade, estimulada pela retórica do medo, desperta

a atenção dos eleitores e estimula o aprendizado. Brader (2005) argumenta que a propaganda negativa é mais persuasiva porque rompe com as predisposições políticas existentes. Para Newhagen, Lang e Reeves (1991), a capacidade de os eleitores reterem as informações negativas por mais tempo na memória ajuda a persuasão porque, no final, eleitores esquecem a fonte dos ataques, mas não esquecem a informação contida nos mesmos. Para Popkin (1991), a campanha negativa é persuasiva por causar decepção: “Indeed, what is called negative campaigning, is campaigning designed to provide voters with information that will break down their projections, to present information to the contrary that will show them issues on which they disagree with the stands of their party or candidates” (Popkin, 1991, p. 40)

O debate sobre a capacidade persuasiva das campanhas nos leva a considerar uma segunda linha de pesquisa sobre os efeitos da campanha negativa: a campanha negativa como estratégia eleitoral. Existe a controvérsia de que ela nem sempre traz os resultados esperados. Três possíveis efeitos inesperados foram identificados: (i) Efeito Bumerangue: indica que a publicidade negativa produz um efeito de rebote, isto é, gera um sentimento de repulsa em relação ao autor dos ataques, não em relação ao alvo (Merritt, 1984; Garramone, 1985; Shapiro e Rieger, 1992); (ii) Síndrome da Vítima: ocorre quando os eleitores percebem os anúncios como injustos, exagerados e desonestos e desenvolvem sentimento positivo em relação ao alvo dos ataques, gerando simpatia e intenção de voto (Garramone, 1985); e (iii) Duplo Impacto: ocorre quando a propaganda negativa invoca sentimentos negativos tanto em relação ao autor quanto em relação ao alvo dos ataques, prejudicando simultaneamente os dois (Merritt, 1984).

Outros estudos, no entanto, detectaram estratégias de comunicação política que impedem ou amenizam o impacto desses efeitos inesperados. Roddy e Garramone (1988) sustentam que o ataque é boa ferramenta de campanha desde que se concentre em questões políticas ou quando feito por qualquer outra pessoa que não o candidato. Cobb e Kuklinski (1997) encontraram evidências, com base em estudos experimentais, segundo as quais a campanha negativa é eficiente quando antecedida de bons argumentos que justifiquem os ataques. Por fim, Pinkleton (1997) demonstra, também com base em experimentos laboratoriais, que a propaganda comparativa, que por definição significa a apresentação simultânea de informações positivas sobre o autor dos ataques e negativas sobre o alvo, é mais persuasiva e protege o candidato do efeito bumerangue.

Como se vê, o debate sobre os impactos da campanha negativa se encontra em aberto. No entanto, é possível identificar alguns pontos de confluência. Até o momento, os estudos que demonstram efeitos de mobilização estão na dianteira. A campanha negativa estimula a

participação, a não ser em condições muito especiais, quando o nível dos ataques supera determinado nível de civilidade. Uma certa vantagem também tem sido demonstrada sobre os aspectos normativos da campanha negativa. Estudos sobre o estilo comunicativo e o aspecto informacional da propaganda negativa vêm constatando que ela é mais focada em temas do que nas qualidades pessoais, apresenta mais evidências, foca em temas considerados mais relevantes, estimula o aprendizado e é apontada pelos eleitores como principal fonte de informações em campanhas eleitorais – além, é claro, de ser poderosa arma de disputa eleitoral.