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CAPÍTULO 3. TRANSDISCIPLINARIDADE

3.6 Os três pilares metodológicos da transdisciplinaridade

3.6.3 Os diferentes níveis de realidade

3.6.3.1 A ciência contemporânea e a emergência da

Se a visão e a atitude transdisciplinares permitem e respeitam profundamente o diálogo com as outras culturas e com as sabedorias tradicionais, cujas cosmologias e antropologias são multidimensionais (Carta da Transdisciplinaridade, artigos 5, 6, 9 e 10), 58 esse diálogo com um cosmo multidimensional começou a emergir também de maneira cada vez mais intensa na própria física.

Como vimos, a comprovação empírica pela física quântica de pelo menos dois níveis de realidade, que implicavam na existência de pelo menos dois níveis de materialidade, invalidou tanto a visão do monismo materialista como o dualismo matéria-espírito. No entanto, no fim da década de 60, foi formulada uma teoria física que, se comprovada, abrirá um campo definitivo de diálogo, no interior da própria ciência, com uma realidade multidimensional, e, portanto, com as sabedorias tradicionais do presente e do passado, do Ocidente e do Oriente. Trata-se da Teoria das Cordas ou das Supercordas, que desde então tem sido uma das teorias mais pesquisadas na física.

O primeiro passo na direção da Teoria das Cordas foi dado pelo matemático alemão Theodor Kaluza, em 1919. Apoiando-se na teoria do matemático alemão Georg Bernhard Reimann, apresentada em 1854, que mostrava que a geometria de Euclides era incompleta (só continuava sendo viável nos limites das superfícies planas, mas era incorreta no mundo das superfícies curvas), Theodor Kaluza(,) envia a Einstein um artigo no qual unia a teoria da gravidade deste com a teoria da luz de Maxwell, introduzindo a quinta dimensão (quatro de espaço e uma de tempo) (cf. Kaku., 2000, p. 119). Essa teoria é conhecida nos meios científicos como Teoria Kaluza-Klein e o próprio Einstein a utilizou para tentar unificar a gravitação e o eletromagnetismo, pois, embora nos tempos de Einstein a força forte e a força fraca ainda não tivessem sido descobertas, para ele a existência de duas forças diferentes ⎯ a gravidade e o eletromagnetismo ⎯ já era algo profundamente perturbador.

“Isso o levou a uma viagem de trinta anos em busca da chamada teoria do campo

unificado, que ele esperava que viesse a mostrar que essas duas forças são, na verdade, manifestações de um único e grande princípio fundamental. (...) Mais de cinqüenta anos depois, o seu sonho de encontrar uma teoria unificada tornou-se o

Santo Graal da física moderna. E uma proporção considerável da comunidade da física e da matemática está cada vez mais convencida de que a teoria das cordas é capaz de dar a resposta.” (Greene, 2002, p. 30)

Em 1985, o físico Heinz Pagels escreveu: “Hoje, em contraste com a década de 1920, os físicos se vêem desafiados a fazer mais do que unificar a gravidade com o eletromagnetismo apenas – eles querem unificar a gravidade também com as interações forte e fraca. Isso requer ainda mais dimensões, além da quinta.” (citado por Kaku, 2000, p. 159)

É justamente nessa direção que a Teoria das Cordas aponta. Ela foi formulada no CERN (Conseil

Européen pour la Recherche Nucléaire),59 em 1968, por dois físicos teóricos, Gabriel Veneziano e Mahiko Suzuki. Em 1974, como esta teoria não conseguia dar conta com toda a clareza da relatividade especial e da unificação da força gravitacional, o físico Claude Lovelace descobriu que essa dificuldade seria solucionada se a Teoria das Cordas tivesse uma característica chamada supersimetria.60 Foi nesse momento que surgiu a Teoria das Supercordas, pois as cordas com supersimetria passaram a ser chamadas de supercordas. Se para a Teoria das Cordas (ou da corda bosônica, que descreve spins inteiros) o universo só se torna coerente61 com 26 dimensões do espaço-tempo, para uma Teoria das Supercordas (que descreve spins tanto integrais quanto semi- inteiros) o universo se torna coerente com 10 dimensões (ibid., p. 180 e 188).

Conforme Michio Kaku, um dos pioneiros da Teoria das Supercordas: “Nossos laboratórios tridimensionais são jaulas estéreis de jardim zoológico para as leis da física. Mas quando formulamos as leis de um espaço-tempo multidimensional, seu habitat natural, vemos seu verdadeiro esplendor e poder; as leis se tornam simples e poderosas” (ibid., p. 31). E o físico teórico Brian Greene afirma que

“A teoria das cordas acrescenta um novo nível microscópico ⎯ o do laço vibrante ⎯ à progressão já conhecida do átomo aos prótons, nêutrons, elétrons e quarks. (...) a simples substituição dos componentes materiais de tipo partícula puntiforme

59 O CERN, organização europeia para a pesquisa nuclerar, é o maior centro de física de partículas do mundo.

60 “As partículas da natureza são divididas em dois tipos, bósons (ex.: o fóton e o bóson de Higgs) e férmions (ex.:

elétrons e quarks), e a supersimetria implicaria uma relação entre as massas dos bósons e as massas dos férmions” (Berkovits, 2004, p. 50). Há uma evidência, ainda não comprovada, dessa supersimetria.

61 Ou seja, permite a unificação das quatro forças fundamentais (forte, fraca, eletromagnética e gravitacional) e a

por cordas resolve a incompatibilidade entre a mecânica quântica e a relatividade geral. A teoria das cordas desata, portanto, o nó górdio da física teórica contemporânea. (...) Desse modo, longe de constituir um conjunto caótico de dados experimentalmente verificados, as propriedades das partículas, na teoria das cordas, são manifestações de uma única característica física: os padrões ressonantes de vibração ⎯ ou seja, a “música” ⎯ dos laços fundamentais das cordas. (...) A partir de um único princípio ⎯ o de que no nível mais microscópico tudo consiste de combinações de cordas que vibram ⎯ a teoria das cordas oferece um esquema explicativo capaz de englobar todas as forças e toda a matéria. Ela afirma, por exemplo, que as propriedades que observamos nas partículas, são reflexos das diversas maneiras em que uma corda pode vibrar. Assim como as cordas de um piano ou de um violino têm freqüências ressonantes em que vibram de maneira especial ⎯ e que os nossos ouvidos percebem como as notas musicais e os seus tons harmônicos ⎯, o mesmo também ocorre com os laços da teoria das cordas. Vemos, no entanto, que em vez de produzir notas musicais, os tipos de vibração preferidos pelas cordas na teoria das cordas dão lugar a partículas cujas massas e cargas de força são determinadas pelo padrão oscilatório da corda. (...) Se a teoria das cordas estiver certa, o tecido microscópico do nosso universo é um labirinto multidimensional ricamente urdido, no qual as cordas do universo retorcem-se e vibram sem cessar, dando ritmo às leis do cosmos. (...) Os físicos do mundo inteiro estão desenvolvendo técnicas novas e poderosas com vistas a transcender os numerosos métodos aproximativos usados até agora, e com a sua atuação conjunta têm conseguido agrupar os elementos dispersos do quebra-cabeça da teoria das cordas em uma progressão impressionante” (2001, p. 29-35).

Vemos, com isso, que a Teoria das Cordas acrescenta mais um nível microscópico, subquântico, o do laço vibrante, por trás ou por baixo do nível quântico, que seria regido por outras leis e outra lógica. E embora não haja ainda comprovação empírica dessa teoria, há evidências indiretas de que ela se aproxima de uma explicação mais ampla do Universo, o que, para a seqüência desta reflexão, é relevante, pois sua comprovação indicaria a existência de um terceiro nível, regido por uma lei e uma lógica diferentes não só daquelas do nível macrofísico (das grandes escalas), como daquelas do nível quântico, o que reforça a possibilidade de um diálogo transdisciplinar amplo em áreas cada vez maiores da elite intelectual atual.

Greene diz ainda que uma teoria unificada na física (chamada de TST: Teoria sobre Tudo), já batizada de Teoria M,62 que se apoiaria na Teoria das Cordas ou Supercordas, não significará de modo algum a resolução completa das questões colocadas pela biologia, geologia, química, ou mesmo pela própria física, pois a complexidade do universo é tal que a descoberta de uma teoria definitiva sobre o “universo em seu nível mais microscópico” não determinaria o fim dos avanços científicos, mas, muito pelo contrário, “proporcionaria o mais firme dos alicerces para a construção da nossa compreensão do mundo” (ibid., p. 32).

Não me parece um acaso o fato de um dos grandes nomes do pensamento transdisciplinar, Basarab Nicolescu, ter trabalhado com Geofrey Chew, formulador (1959) da teoria que deu origem à Teoria das Supercordas.63 Para passar ao próximo item, citarei uma trecho do capítulo de sua obra Nous, la

particule et le monde, em que Nicolescu trata da Teoria das Cordas e que evoca exatamente o tema que abordarei em seguida: “a física fundamental me parece mudar de natureza enquanto disciplina. Ela se orienta cada vez mais para uma área de interface entre a matemática e a metafísica” (2002, p. 87).