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O porquê da pluri, da inter e da transdisciplinaridade

CAPÍTULO 3. TRANSDISCIPLINARIDADE

3.2 O porquê da pluri, da inter e da transdisciplinaridade

Apesar de o método de recortar cada problema em partes para compreendê-lo melhor e de as epistemologias racionalista e empirista fragmentarem cada vez mais o saber e fomentarem um número cada vez maior de ciências e disciplinas, sempre houve, em algum nível, uma certa aspiração à unidade do saber (Santomé, 1998, p. 46).

Platão e Aristóteles definiram hierarquias entre os saberes, todos eles unificados pela filosofia. Pois a “filosofia é a ciência dos objetos do ponto de vista da totalidade, enquanto as ciências particulares são os setores parciais do ser, províncias recortadas dentro do continente total do ser” (Morente,

1980, p. 31). Para o primeiro, a busca do conhecimento do todo pode ser dividia em Dialética, Física e Ética, que se retroalimentam, e a educação “deve proporcionar ao corpo e à alma toda a perfeição e beleza de que são suscetíveis” (Leis, Livro VI), converter o olhar da alma do mundo sensível para o mundo inteligível e, por fim, levá-lo à contemplação do Bem supremo. Para o segundo, a divisão da ciência em teóricas (física, matemática, filosofia), prática (lógica, ética, política) e poética (artes) tem como finalidade o bem moral, a virtude, na qual consiste a felicidade. A paidéia dos sofistas se apoiava num ensino circular (enkyklospaideia - enciclopédia) que “devia levar o aluno a percorrer as disciplinas constitutivas da ordem intelectual e centradas em um desenvolvimento humano entendido como um todo” (Zabala, 2002, p. 17). O trivium (gramática, retórica e dialética) e o quadrivium (aritmética, geometria, astronomia e gramática), forma pela qual a ciência grega adentra a Europa, também dialogavam circular e hierarquicamente e eram os prolegômenos da filosofia e da teologia. Mesmo os pais da ciência moderna, Bacon, Galileu, Newton, Descartes e, depois deles, Kant e o próprio Auguste Comte, embora se apoiando em epistemologias racionalistas e empiristas e em antropologias e cosmologias menos bi ou unidimensionais, sempre buscaram, cada um à sua maneira, uma unidade do conhecimento.

Apesar dessa aspiração, vários fatores foram fomentando graus cada vez mais profundos de fragmentação do saber:

1) ruptura entre a religião e a tradição oral, de natureza metafísica, iniciática e esotérica;39

2) ruptura entre a filosofia e a religião, a partir da ruptura epistemológica iniciada no século XII; 3) ruptura entre ciências humanas e ciências exatas, a partir da reorganização da universidade Francesa no século XVIII, que passou a ser estruturada em Faculdades de Letras e Faculdades de

39 Segundo vários autores (Henry Corbin, 1995; René Guénon, 1990), essa ruptura entre o ensinamento destinado a

todos (exotérico) e o ensinamento destinado a poucos (esotérico) (ver também, a esse respeito, a nota 4) teria ocorrido quando da dissolução da Ordem dos Templários, uma das principais organizações iniciática da cavalaria cristã. Isso ocorreu entre 1307, quando a Ordem foi fechada, e 1314, quando o último Grão-Mestre da ordem foi levado à fogueira pela Inquisição. A Ordem dos Cavaleiros Templários foi fundada em Jerusalém, em 1118, por Hughes de Payens e outros oito membros na nobreza européia, com a benção do Patriarca Ortodoxo Theócletos (670 sucessor do Apóstolo

João). Em 1128, após o Concílio de Troyes, a Ordem do Templo foi implantada no Ocidente e recebeu a "Regra Latina", seus estatutos, que foram redigidos por São Bernardo de Claraval, passando a estar sob a égide da Igreja Católica. Como muitas das ordens de cavalaria, em todos os tempos e lugares, está Ordem Militar cristã era de natureza iniciática (ver nota 4) e sua dissolução pelo papa Clemente V por ordem do rei da França Felipe IV (o Belo) teria simbolizado, aos olhos desses autores, uma ruptura entre fé e conhecimento revelado, conhecimento (gnosis) esse que era transmitido para certos membros da nobreza no interior dessas ordens, assim como o conhecimento (gnosis) dos mitos, simbolos e ritos eram transmitidos para certos membros do sacerdócio em algumas escolas e ordens monásticas.

Ciências, fomentando um desconhecimento recíproco crescente entre cada um desses campos do saber;

4) rupturas disciplinares cada vez mais profundas geradas por diferentes posições epistemológicas (racionalismo, positivismo, empirismo, mecanicismo, reducionismo), que acabaram por gerar um aprofundamento tal de cada disciplina que estas se tornaram herméticas umas para as outras, dificultando cada vez mais a possibilidade de um diálogo entre elas;

5) o desenvolvimento da sociedade industrial, apoiada nas epistemologias positivista, reducionista, mecanicista, materialista e/ou cientificista, que gerou um sistema de produção quantitativo cada vez mais especializado, que pedia formações profissionais cada vez mais especializadas;

6) os avanços tecnológicos gerados pela ciência moderna e pela sociedade industrial, que fizeram com que várias disciplinas se aproximassem, visando a resolução de problemas antigos e novos desafios cognitivos ou tecnológicos e, desse diálogo interdisciplinar, muitas novas disciplinas foram criadas;

7) os problemas gerados por todas essas rupturas e pela sociedade industrial, que suscitaram aproximações entre disciplinas e essas aproximações geraram novas disciplinas.

Com isso, a divisão do saber em áreas, que até o século XIX era ou uma metodologia para proceder os dois processos de análise e síntese, em busca de um saber global, ou uma organização didática para a retransmissão do saber, a partir de então gerou especialidades disciplinares cada vez mais estanques, cada uma delas muito zelosa de manter “sua identidade e independência” (Zabala, 2002, p. 18).

Isso fez com que, na área da pesquisa acadêmica, “‘ilhas’ epistemológicas, dogmática e acriticamente ensinadas, sem portas nem janelas, sejam mantidas pelas instituições, ainda às voltas com o problema da distribuição de suas ‘fatias’ do saber” (Japiassu, 1981, p. 80) e também fez com que, nos três níveis do ensino formal, tenha se tornado hegemônico um ensino puramente disciplinar. Uma divisão e uma organização de conteúdos, que haviam nascido sob um pressuposto estritamente didático, diluíram-se sob a pressão de algumas necessidades ou, melhor dito, interesses, em um corpo cada vez mais fechado de ‘especialidades’ disciplinares (cf. Zabala, 2002, p. 18).

Constituiu-se então o que se convencionou chamar de pedagogia tradicional, na qual o professor é ativo, transmite conteúdos (matérias) puramente disciplinares e o aluno as recebe passivamente. Esse modelo pedagógico, dos saberes disciplinares, que substituiu o modelo da Bildung, das humanitas, do conhecimento e da cultura, é relativamente recente, do início do século XIX, herdando o ideal da Revolução Francesa de criar uma escola universal de instrução pública, pois instrução tornou-se “sinônimo de ‘luzes’, de difusão geral dos conhecimentos e da razão” (Morandi, 2002, p. 32).

Correntes não hegemônicas surgiram pouco depois, a partir da metade do século XIX, propondo uma pedagogia contrária, centrada no aluno, partindo da prática e de uma visão global dos saberes. Essas correntes, embora propondo teorias e métodos diferentes, se apoiavam todas numa pedagogia ativa (num aluno ativo) e são conhecidas como Educação Nova. Entre os pedagogos que estão na origem dessas correntes é possível citar Pestalozzi, Ströbel, Cousinet, Claparède, Dewey, Decroly, Montessori, Freinet e Paulo Freire, aos quais retornarei (se bem que de maneira sucinta) no item 4.2: “Pedagogia e Transdisciplinaridade”.

No que diz respeito à pesquisa acadêmica, começaram a reaparecer na metade do século XX propostas que buscavam compensar a hiperespecialização disciplinar e propunham diferentes níveis de cooperação entre as disciplinas, com a finalidade de ajudar a resolver os problemas causados pelo desenvolvimento tecnológico e pela falta de diálogo entre os saberes decorrentes dessa hiperespecialização. Essas propostas foram chamadas, primeiro, de multidisciplinares e de pluridisciplinares, depois de interdisciplinares e de transdisciplinares, e elas só começaram a ter algum espaço nas universidades com a criação de alguns institutos ou núcleos de pesquisa interdisciplinares, a partir da década de 70, e o estabelecimento de alguns institutos e núcleos transdisciplinares, a partir das décadas de 80 e 90.40 Surgiram também, nessa mesma época e nos primeiros anos da década seguinte vários núcleos e centros transdisciplinares e voltados para o pensamento complexo tanto nas universidades como fora das universidades, mas com uma interação forte com o ambiente acadêmico.41

40 Até onde sabemos, o primeiro núcleo transdisciplinar no interior de uma universidade foi o CETRANS, na Universidade de

São Paulo. O segundo, o Instituto de Estudos Avançados Transdisciplinares (IEAT), criado em 1999 na Universidade Federal de Minas Gerais. Desde 1999 Daniel José da Silva oferece as disciplinas “Complexidade” e “Transdisciplinaridade” na pós- graduação em Engenharia Ambiental da Universidade Federal de Santa Catarina e orienta mestrados e doutorados nessas duas perspectivas. Em 1999 e 2000 Mariana M. Lacombe coordenou encontros transdisciplinares mensais com todos os chefes de departamento do Centro Universitário de Osasco, o que resultou na criação do Núcleo de Estudos e Pesquisas Inter e Transdisciplinar (NEITRANS) da UNFIEO, co-coordenado por Mariana M. Lacombe, Maria Elisa Mattos Pires Ferreira e Derly Barbosa. De 1998 a 2002, Luiza Beth Alonso coordenou um Mestrado em Ciências e Valores Humanos na Universidade de Uberaba, fortemente permeado pela transdisciplinariade. Em 2000 foi criado o Núcleo de Investigações Transdisciplinares (NIT) na Universidade Estadual de Feira de Santana, sob a coordenação de Miguel Almir Lima de Araujo. Em 2002 o Centro de Estudos Universais da Universidade Anhembi Morumbi (São Paulo) criou um curso transdisciplinar de extensão universitária intitulado “Luz e Cosmos”, coordenado e ministrado por Amâncio Friaça, incluindo aulas sobre o pensamento transdisciplinar. Em 2003 foi criado o Laboratório de Estudos e Pesquisas Transdisciplinares (LEPTRANS) na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, sob a coordenação de Ana Cristina Souza dos Santos.

41 O primeiro núcleo para o pensamento complexo foi criadado no início da década de 90 por Edgar de Assis Carvalho

Cada um desses termos vizinhos encontra muitas definições, e citarei várias delas aqui para facilitar uma percepção clara das semelhanças e divergências entre os autores. No que diz respeito aos conceitos de multidisciplinaridade e de pluridisciplinaridade, há quase um consenso:

“O multidisciplinar evoca basicamente um aspecto quantitativo, numérico, sem que haja um nexo necessário entre as abordagens, assim como entre os diferentes profissionais.” (Coimbra, 2000, p. 57)

“A multidisciplinaridade é a organização de conteúdos mais tradicional. Os conteúdos escolares apresentam-se por matérias independentes umas das outras. As cadeiras ou disciplinas são propostas simultaneamente sem que se manifestem explicitamente as relações que possam existir entre elas.” (Zabala, 2002, p. 33) “Multidisciplinaridade: Sistema de um só nível e de objetivos múltiplos; nenhuma cooperação.” (Silva, 2002, p. 74)

“A pluridisciplinaridade é a existência de relações complementares entre disciplinas mais ou menos afins. É o caso das contribuições mútuas das diferentes histórias (da ciência, da arte, da literatura, etc.) ou das relações entre diferentes disciplinas das ciências experimentais.” (Zabala, 2002, p. 33)

“A pluridisciplinaridade é a justaposição de disciplinas mais ou menos próximas, dentro de um mesmo setor de conhecimentos. Por exemplo: física e química; biologia e matemática; sociologia e história... É uma forma de cooperação que visa melhorar as relações entre essas disciplinas. Vem a ser uma relação de mera troca de informações, uma simples acumulação de conhecimentos. Um elemento positivo desta intercomunicação é que se produz um (sic.) plano de igual para igual, sem que uma não (sic.) imponha à outra, baseando-se, por exemplo, em que

Complexidade (o Complexus). Em 1994 foi criado, na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, o Grupo de Estudos da Complexidade – GRECOM, sob a coordenação de Maria da Conceição Almeida. No o fim da década de 90 foi criado o Núcleo para o Pensamento Complexo – RJ, sob a cordenação de Terezinha Mendonça, e em 2003 esse núcleo firmou uma parceria com a Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Em 1999 foi criado em São Paulo o Núcleo de Estudos Superiores Transdisciplinares (NEST), presidido por Gustavo Lauro Korte Junior, independente do ambiente acadêmico, mas com ações e interações com várias universidades.

em um determinado momento goza de uma situação privilegiada ou de maior prestígio que a outra. Mas na verdade não se contribui para uma profunda modificação da base teórica, problemática e metodológica dessas ciências em sua individualidade. É uma comunicação que não as modifica internamente. Neste nível ainda não existe uma profunda interação e coordenação (Documento-base do Simpósio sobre educação organizado pela UNESCO em Bucareste, em 1983, citado por Santomé, 1998, pp. 71-72).

“Pluridisciplinaridade: Sistema de um só nível e de objetivos múltiplos; cooperação mas sem coordenação.” (Silva, 2002, p. 74)

No que diz respeito aos termos interdisciplinaridade e transdisciplinaridade, a polissemia é maior: “A interdisciplinaridade é a interação de duas ou mais disciplinas. Essas interações podem implicar transferência de leis de uma disciplina a outra, originando, em alguns casos, um novo corpo disciplinar, como, por exemplo, a bioquímica ou a psicolingüística.” (Zabala, 2002, p. 33)

“A interdisciplinaridade é um método de pesquisa e de ensino suscetível de fazer com que duas ou mais disciplinas interajam entre si, esta interação podendo ir da simples comunicação das idéias até a integração mútua dos conceitos, da epistemologia, da terminologia, da metodologia, dos procedimentos, dos dados e da organização da pesquisa.” (Japiassu, 1991, p. 136)

“O interdisciplinar consiste num tema, objeto ou abordagem em que duas ou mais disciplinas intencionalmente estabelecem nexos e vínculos entre si para alcançar um conhecimento mais abrangente, ao mesmo tempo diversificado e unificado. Verifica-se nesses casos, a busca de um entendimento comum (ou simplesmente partilhado) e o envolvimento direto dos interlocutores.” (Coimbra, 2000, p. 58) “Interdisciplinaridade: Sistema de dois níveis e de objetivos múltiplos; cooperação procedendo de nível superior.” (Silva, 2000, p. 74)

“(...) o termo interdisciplinaridade vem sendo usado como sinônimo e metáfora de toda interconexão e ‘colaboração’ entre diversos campos do conhecimento e do

saber dentro de projetos que envolvem tanto as diferentes disciplinas acadêmicas, como práticas não científicas que incluem as instituições e atores sociais diversos.” (Leff, 2000, p. 22)

“A interdisciplinaridade é uma chamada para a complexidade, a restabelecer as interdependências e inter-relações entre processos de diferentes ordens de materialidade e racionalidade, a internalizar as externalidades (condicionamentos, determinações) dos processos excluídos dos núcleos de racionalidade que organizam os objetos de conhecimento das ciências (de certos processos ônticos e objetivos). Nesse sentido, a interdisciplinaridade é uma busca de ‘retotalização’ do conhecimento, de ‘completude’ não alcançada por um projeto de cientificidade que, na busca de unidade do conhecimento, da objetividade e do controle da natureza, terminou fraturando o corpo do saber e submetendo a natureza a seus desígnios dominantes; exterminando a complexidade e subjugando os saberes ‘não científicos’, saberes não ajustáveis às normas paradigmáticas da ciência moderna.” (Ibid.)

Estudos interdisciplinares autênticos supõem uma pesquisa comum e a vontade, em cada participante, de escapar ao regime de confinamento que lhe é imposto pela divisão do trabalho intelectual. Cada especialista não procuraria somente instruir os outros, mas também receber instrução. Em vez de uma série de monólogos justapostos, como acontece geralmente, ter-se-ia um verdadeiro diálogo, um debate por meio do qual, assim se espera, se consolidaria o sentido da unidade humana. (...) A determinação de uma língua comum é a condição do surgimento de um saber novo. (Gunsdorf, citado por Machado, 2000, p. 195) Esses mesmos autores também definem o que entendem por transdisciplinaridade e há uma convergência. Todos concordam que “a transdisciplinaridade dá um passo além da interdisciplinaridade” (Coimbra, 2000, p. 58) e “(...) é o grau máximo de relações entre disciplinas” (Zabala, 2002, pp. 33-34), sem ser “a constituição de uma super-disciplina (...) que transbordaria o campo das possíveis conexões entre disciplinas” (Leff, 2000, p. 33).

Leff vai além e diz que a “transdisciplinaridade é o questionamento do logocentrismo e da configuração paradigmática do conhecimento, o qual erradicou da ciência normal todo saber não científico como externo e estranho, como patológico, como ‘não conhecimento’; é a transgressão da disciplinaridade, do saber codificado para apreender, ‘coisificar’, objetivar o real” (ibid.). Com isso,

aproxima-se da definição deste conceito que temos adotado no CETRANS, seguindo os documentos do congressos transdisciplinares internacionais, que citarei em seguida.

Dois autores propuseram ainda diferentes modalidades de interdisciplinaridade: H. Heckhausen e Marcel Boisot. O primeiro propôs seis modalidades,42 e o segundo propôs três.43 No entanto, como bem observou Guy Palmade (1977, pp. 24-35), tanto a interdisciplinaridade heterogênea, como a composta de Heckhausen nada mais são, na verdade, do que pluridisciplinaridade; a pseudo- interdisciplinaridade do mesmo autor nada mais é do que a abordagem transversal das disciplinas; a interdisciplinaridade restritiva de Boisot também se enquadra nas definições de pluridisciplinaridade. As outras se enquadram num dos três diferentes níveis de interdisciplinaridade definidos pelo Congresso de Locarno e que apresentarei a seguir. Portanto, as definições desses autores não se mostram nada heurísticas. Não contribuem para um esclarecimento dessa “valsa de prefixos” (Pineau, 2002); ao contrário, (a) complicam-na, fazem com que uns pisem nos pés dos outros. Transformam uma polissemia complexa, uma polifonia harmônica, onde cada termo dá um tom complementar ao outro, numa ruído onde todos os termos se misturam desarmonicamente.

Uma divisão mais simples e significativa me parece ser a de Jean Louis Le Moigne (2002, p. 29): interdisciplinaridade de tipo pluridisciplinar e interdisciplinaridade de tipo transdisciplinar. A primeira seria o empréstimo de métodos de uma disciplina por outra, a segunda seria muito mais uma modelização epistemológica nova para a compreensão de fenômenos. Esta divisão me parece mais rica, pois indica a não existência de fronteiras estanques entre as definições dos conceitos de pluri, inter e transdisciplinaridade, pois os diferentes graus de cada uma delas as aproxima ou as afasta das outras. Isso é bem ilustrado por Palmade quando ele diz que “o multidisciplinar se orienta para o interdisciplinar quando relações de interdependência emergem entre as disciplinas. Nesse caso, passa- se de uma simples ‘troca de idéias’ para uma cooperação e para uma certa compenetração das disciplinas” (1977, p. 26). (Simplesmente, o que Palmade chama de multidisciplinar é, na verdade, o que os diferentes autores chamam de pluridisciplinaridade.) Na descrição de Le Moigne, a interdisciplinaridade de tipo trans se tornaria de fato transdisciplinar quando a modelização epistemológica se apoiar nos três pilares metodológicos da pesquisa transdisciplinar, conforme definidos em congressos internacionais (que abordarei em seguida), e quando se abrir para os saberes que Leff chamou de não-científicos: a arte, a filosofia, as tradições de sabedoria.

42 Iinterdisciplinaridade heterogênea, pseudo interdisciplinaridade, interdisciplinaridade auxiliar, interdisciplinaridade

composta, interdisciplinaridade complementar e interdisciplinaridade unificadora.

Jurjo Torres Santomé (1998, p. 70) apresenta a hierarquização dos níveis de colaboração e integração entre as disciplinas proposta por Piaget:

“1. Multidisciplinaridade. O nível inferior de integração. Ocorre quando, para solucionar um problema, busca-se informação e ajuda em várias disciplinas, sem que tal interação contribua para modificá-las ou enriquecê-las. Esta costuma ser a primeira fase da constituição de equipes de trabalho interdisciplinar, porém não implica em que necessariamente seja preciso passar a níveis de maior cooperação. “2. Interdisciplinaridade. Segundo nível de associação entre disciplinas, em que a cooperação entre várias disciplinas provoca intercâmbios reais; isto é, existe verdadeira reciprocidade nos intercâmbios e, conseqüentemente, enriquecimentos mútuos.

“3. Transdisciplinaridade. É a etapa superior de integração. Trata-se da construção de um sistema total, sem fronteiras sólidas entre as disciplinas, ou seja, de ‘uma teoria geral de sistemas ou de estruturas, que inclua estruturas operacionais, estruturas de regulamentação e sistemas probabilísticos, e que una estas diversas possibilidades por meio de transformações reguladas e definidas’.”. Conforme Santomé, a hierarquização proposta por Erich Jantsch no Seminário da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) de 1979 “talvez seja a mais conhecida e divulgada” (1998, p. 70): multidisciplinaridade, pluridisciplinaridade, disciplinaridade cruzada, interdisciplinaridade, transdisciplinaridade. O mesmo autor diz ainda que na “maioria dos colóquios e simpósios sobre a temática, reaparece com muita freqüência esta mesma hierarquização, especialmente naqueles promovidos por organismos internacionais” (ibid., p. 71), entre os quais cita a UNESCO.