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CAPÍTULO 2. FORMAÇÃO

2.5 Os conceitos vizinhos

Depois dessa clarificação do conceito de formação, dos seus correspondentes: paidéia e Bildung, e dos diferentes pólos da teoria tripolar da formação, parece-me importante definir alguns outros conceitos que lhe são vizinhos: informação, conhecimento, saber, ciência, sabedoria, ensino. Essas definições serão úteis para a reflexão sobre o diálogo entre formação e transdisciplinaridade. Além disso, elas são essenciais para uma “reflexão auto-regulada, universal e rigorosa, em torno dos processos educativos” (Cambi, 1999, p. 38), isto é, para a pedagogia.

Vários autores, de áreas diferentes, concordam no que diz respeito aos conceitos de “informação” e “conhecimento”. A informação seria um dado exterior ao sujeito: “Ela é um dado transmissível, circulante. O código genético, o computador, as mídias transmitem informações. (...) Exterior ao sujeito, aportando o inesperado, colocação em forma quantificável, circulante (...) (Legroux, 1981). Keith Devlin, matemático e especialista em teoria da informação, vai nessa mesma direção:

“Embora muito relacionados, esses conceitos não são os mesmos. Grosso modo, o conhecimento é a informação que uma pessoa possui numa forma na qual ele ou ela pode usar imediatamente” (...) E o que é necessário para transformar informação em conhecimento?” (...) Pois, na verdade, não é a informação que usamos, mas o conhecimento que adquirimos como resultado de termos obtido

essa informação. Embora freqüentemente falemos da informação como sendo ‘uma valiosa comodidade’, o valor da informação reside no seu potencial de ser transformada em conhecimento. Pois, com efeito, o conhecimento é que estabelece a diferença no que podemos fazer, e o valor da informação depende do valor do conhecimento ao qual ela pode conduzir.” (...) “Uma vez que a informação pode ser considerada como uma substância que tem alguma estrutura, podemos estudá-la matematicamente, independentemente de a possuirmos ou a usarmos. (...) Já o conhecimento, é informação colocada em prática ⎯ ou ao menos possuída numa forma que a torna imediatamente disponível para ser colocada em prática. Em particular, o conhecimento requer um conhecedor.” (1999, pp. 2-4) 30

Sintetizando a questão, Devlin conclui que a informação é resultado da soma de dados e de sentido, e que o conhecimento aparece quando uma pessoa internaliza uma informação ao ponto de poder usá-la (cf. ibid., pp. 14-15), e dá um exemplo da transformação dos dados em informação: “Grosso

modo, dado é aquilo que nos é oferecido por jornais, relatórios e ‘sistemas de informação cibernéticos’. (...) Quando pessoas adquirem dados e os encaixam numa estrutura global de informações adquiridas previamente, esses dados tornam-se informação”31 (ibid., p. 14).

A epistemóloga portuguesa Maria Manuel Araújo Jorge, depois de fazer uma recensão das conclusões sobre o conceito de informação na Primeira Cibernética (com Norbert Wiener, John von Newman, Margaret Mead e Gregory Bateson, na década de 40) e na Segunda Cibernética32 (com

30 “Though closely related, these concepts are not the same. Roughly speaking, Knowledge is information that a person

possesses in a form in which he or she can make immediate use (...)And what is required to turn information into knowledge? (...)For in the end, it is not information that we use, but knowledge that we get as a result of obtaining that information. Though we often speak of information being ‘a valuable comodity’, the value of information lies in its potential to be turned into knowledge, For, ultimately, knowledge is what makes the difference in what we can do, and the value of information depends upon the value of the knowledge to which it can lead.(...) Since information may be regarded as a substance having a certain structure, we may study it in a mathematical fashion, independent of its possession or use. (...) In contrast, knowledge is information put into practice ⎯ or at least possessed in a form that makes it immediately available to be put into practice. In particular, knowledge requires a knower.” (Infosense: turning

information into knowledge. New York: W. H. Freeman and Company, 1999, pp. 2-4.)

31 “Roughly speaking, data is what newspapers, reports, and ‘computer information systems’ provide us with.(...) When

people acquire data and fit it into an overal framework of previously acquired information, that data becomes information.”

32 Descrevo essas duas teorias cibernéticas, de maneira resumida, no próximo capítulo, no item 3.3, que trata da

Heins von Foerster, Humberto Maturana e Francisco Varela, nas décadas de 60 e 70), resume as suas conclusões da seguinte maneira: “Pareceu-me que uma solução elegante (...) seria reconhecer na informação o seu caráter de ‘recurso’, de ‘matéria-prima’, para o aparecimento do conhecimento, mas não se confundindo com o próprio conhecimento. (...) O conhecimento diria respeito à integração, à computação atual da informação circulante no meio interno e externo do sujeito” (1994, p. 32).

Legroux chama atenção para o fato de que, no campo pedagógico, muitos autores não estabelecem uma diferenciação clara entre esses dois conceitos e mantém a confusão entre os dois, pois qualificam de conhecimento “tanto o dado exterior ao sujeito como o que é integrado por ele. Assim, fala-se de maneira indiferenciada de conhecimentos do programa e de conhecimentos adquiridos, de conhecimentos a transmitir e conhecimentos a avaliar. (...)” (1981, p. 121).

Esse autor observa que essa não-distinção não é uma mera confusão, mas advém de uma psicologia empirista que considera que o sujeito recebe passivamente as impressões do meio, como se os dados exteriores se fotocopiassem na mente do sujeito, produzindo uma cópia muito fiel ao objeto original. No entanto, também faz referência a autores que não admitem essa acepção dupla ⎯ e freqüente ⎯ do conceito de conhecimento, entre os quais cita John Dewey (...), para o qual os dados do professor, o conteúdo de um livro e, de maneira geral, os dados armazenados como um capital transmitido por outro, sob qualquer forma que seja, para o aluno não passam de informação: “para Dewey, enquanto a informação não é transformada pela experiência pessoal, continua sendo o que é: informação. Quando ela é utilizada pela experiência pessoal, então aparece o conhecimento, esta sendo o resultado da experiência pessoal” (Legroux, 1981, p. 122).

Vemos, portanto, que as definições desses autores se aproximam e que há uma certa convergência nas definições dos conceitos de “informação” e “conhecimento”.

Outro conceito que normalmente é considerado sinônimo de conhecimento é “saber”. Os próprios dicionários os definem como sinônimos. No entanto, Legroux afirma que o conceito de “saber” é totalmente diferente daquele de “conhecimento”, pois pode ser considerado como exterior ao sujeito, como uma simples aquisição ordenada de conceitos, sem conduzir a uma mudança do ser: “O que é preciso notar é que o conhecimento, no que ele se diferencia do saber, aparece como integrado à pessoa, não apenas no nível cognitivo, mas também no nível de uma vida interior mais subjetiva. Conhecer é ‘nascer com’” (Legroux, 1981, p. 128). Menciona Marie Madaleine Davy, que também estabelece uma diferença clara entre conhecimento e saber, uma vez que para ela o

conhecimento exige mais que uma relação entre o objeto e o sujeito, ele é união “entre o conhecimento e o conhecido (...), supõe que aquele que conhece se assimile ao que ele conhece por um esforço de penetração, por uma acomodação incessante do espírito” (ibid.).

Lerbert lembra que se fala “de saber quando se trata de um conjunto de dados sistematizados, organizados por uma atividade intelectual. Le Robert precisa a respeito do verbo saber: ‘Conjunto de idéias e imagens constituindo conhecimentos’” (1978, p. 13).

Quanto ao conceito de ciência, Aristóteles o definiu como “conhecimento demonstrativo”. Conforme Abbagnano:

“é um conhecimento que inclui, em qualquer modo ou medida, uma garantia da própria validade. (...) o conceito tradicional de ciência é aquele no qual inclui uma garantia absoluta de validez e é, por tanto, como conhecimento, o grau máximo da certeza. (...) O oposto da ciência é a opinião, caracterizada precisamente pela falta de garantia acerca da sua validade. As diferentes concepções de ciência podem ser distinguidas conforme a garantia de validade que atribua a ela. Essa garantia pode consistir: 1) na demonstração; 2) na descrição; 3) na corrigibilidade”. Para Aristóteles, a ciência é um conhecimento demonstrativo. Ou seja, que “permite conhecer porque o objeto não pode ser diferente do que é”. (1997, p. 163)

A própria palavra grega para ciência, epistéme, converge com essa definição, pois epi significa "sobre" e stéme significa "estar". Desse modo, epistéme significaria algo como “impondo-se sobre tudo o que pretende negar o seu estar” (Molinaro, 2002, p. 16).

Portanto, o conceito de ciência difere do de conhecimento pelo grau de “objetividade” de ambos. Se o segundo é a informação completamente integrada pelo sujeito, o primeiro seria o conhecimento demonstrável em seu grau máximo.

Outro conceito importante para a reflexão sobre o tema desta pesquisa ⎯ formação e transdisciplinaridade ⎯, é o de sabedoria, pois abre ainda mais o campo do diálogo e o campo da formação, uma vez que remete, necessariamente, ao dialogo com outras culturas, com o passado da própria cultura ocidental, com os outros paradigmas e com várias teorias do conhecimento.

Conforme Tiago Adão Lara esse “conhecimento sobre o sentido da totalidade foi chamado sabedoria; em grego sophía. Aquele que se dedicava a esse estudo foi chamado sábio (em grego

sophós) ou, mais humildemente, de amigo (em grego, phílos) da sabedoria (sophía)” (1986, p. 13). Abbagnano afirma que a Sabedoria, no sentido de prudentia, “se refere tradicionalmente à esfera própria das atividades humanas e expressa a conduta racional no âmbito desta esfera, ou seja, a possibilidade de dirigi-la da melhor maneira possível” (1997, p. 1027) e que a sabedoria no sentido de sapientia (sophia) é “o conhecimento supremo das coisas excelentes. A sapiência se caracteriza por: 1) ser o grau de conhecimento mais alto, ou seja, mais certo e mais completo; 2) ter por objeto as coisas mais altas e sublimes, ou seja, as coisas divinas” (ibid., 1032).

Numa reflexão transdisciplinar da formação, que, como veremos, inclui os diferentes níveis do sujeito, uma formação para a sabedoria incluiria esses dois níveis do conceito de sabedoria:

prudentia e sapientia. A prudência para nortear a sua conduta na esfera humana da melhor maneira possível e a sapientia que lhe permita o acesso ao conhecimento supremo das coisas excelentes, sublimes ou divinas. Essa sabedoria transdisciplinar será uma busca da tessitura e de um diálogo entre os diferentes níveis do ser humano e os diferentes níveis da realidade, através dos diferentes níveis de percepção, buscando a compreensão máxima das partes de cada nível, da interação entre cada nível e da interação entre cada nível do ser e cada nível da realidade.

Retornando às definições dos conceitos vizinhos, se a educação corresponde ao “terreno das práxis formativas, da transmissão cultural, das instituições educativas” (Cambi, 1999, p. 641), a pedagogia (ou a ciência da educação) é a “reflexão auto-regulada, universal e rigorosa, em torno dos processos educativos” (ibid., p. 38). E, com isso, a pedagogia/ciência da educação, divide-se em ciências da educação: de um lado, as filosóficas ou teóricas (filosofia da educação, sociologia da educação, história da educação, psicopedagogia, etc.), do outro, as ciências da prática (ou da arte) educativa (didática).

Já o ensino seria mais restrito do que a educação, pois não se preocupa com a globalidade da atitude exterior do homem, mas apenas como “o estudo especializado dum conjunto de dados duma determinada ordem” (Gusdorf, 1970, p. 79), ou seja, o ensino e a didática preocupa-se com a instrução e com a relação ensino/aprendizagem. Segundo Herbart (1776-1841) “a instrução forma primeiro o complexo de idéias, a educação o caráter” (citado por Franco, 2003, p. 28).

Grosso modo, podemos dizer que a Didática é uma ciência cujo objetivo fundamental é ocupar-se das estratégias de ensino, das questões práticas relativas à metodologia e das estratégias de aprendizagem

Assim, no vértice da aprendizagem, poderíamos ver um aprofundamento que vai do saber à ciência, de um lado, e do conhecimento à sabedoria de outro. Se os saberes podem ser exteriorizados e aplicados ao modo da ciência, os conhecimentos podem ser tecidos numa globalidade crescente que, se incluir a dimensão da interioridade num aprofundamento crescente, desembocará na sabedoria.

Quanto ao vértice ensino, poderíamos ver um ampliação da prática pedagógica, indo da informação ao ensino, deste à educação, e desta, com a inclusão da interioridade, à formação.

Essa reflexão pode remeter a um diálogo com o modelo de Jean Houssaye, que nos apresenta um triângulo que tem por vértices (1) o professor, (2) o aluno, (3) o saber:

Professor

Saber Aluno

Retomarei adiante, no item “Formação transdisciplinar”, a análise desse modelo, pois ele poderá nos servir como instrumento heurístico de um diálogo entre a pedagogia e a transdisciplinaridade.