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4. A EFICÁCIA PRECLUSIVA DA COISA JULGADA

4.2 A TEMÁTICA DA SEGURANÇA JURÍDICA NA ÓRBITA DOS DIREITOS

4.2.3 A coisa julgada como elemento indispensável à afirmação do poder

A atividade jurisdicional, enquanto exercício vocacionado à resolução dos conflitos,

constitui manifestação explícita da soberania que o Estado exerce em nome no povo, a bem

do qual se utiliza, legitimamente, do monopólio da violência. Em Estados com marcante

tendência democrática, como se sabe, o exercício do poder é partilhado entre os vários órgãos

encarregados das diversas funções que exercem.

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Segundo Eduardo Couture, na sistemática do Direito, a necessidade de certeza é imperiosa, o que justificaria uma tomada de posição em favor do segundo valor: “A coisa julgada não é de razão natural. Antes, a razão natural pareceria aconselhar o contrário: que o escrúpulo de verdade fosse mais forte que o escrúpulo de certeza; e que sempre, em face de uma nova prova, ou de um fato novo fundamental e antes desconhecido, se pudesse percorrer de novo o caminho já andado, a fim de restabelecer o império da justiça”. (Fundamentos do direito processual civil. Trad. Henrique de Carvalho. Florianópolis: Conceito Editorial, 2008, p. 232, p. 230).

832 Daí a lição de Robert Alexy: “O núcleo da tese do caso especial consiste por isso em sustentar que a

pretensão de correção também se formula no discurso jurídico; mas esta pretensão, diferentemente do que ocorre no discurso prático geral, não se refere à racionalidade das proposições normativas em questão, mas somente a que, no ordenamento jurídico vigente, possam ser racionalmente fundamentadas”. (Teoria da argumentação jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da fundamentação jurídica. Trad. Zilda Hutchinson. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 217).

833 Segundo Jorge Miranda: “(...) o Estado não existe em si ou por si; existe para resolver problemas da

sociedade, quotidianamente; existe para garantir segurança, fazer justiça, promover a comunicação entre os homens, dar-lhes paz e bem-estar e progresso. É um poder de decisão no momento presente, de escolher entre opções diversas, de praticar os atos pelos quais satisfaz pretensões generalizadas ou individualizadas das pessoas e dos grupos. É autoridade e é serviço. Repartido juridicamente por órgãos e agentes do Estado, o poder toma, por outro lado, a configuração de um conjunto de competências ou poderes funcionais de tais órgãos, poderes esses estabelecidos pela Constituição, poderes constituídos e, portanto, definidos e circunscritos pelas suas normas”. (Teoria do Estado e da Constituição. 3 ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 113- 114).

É correto dizer, portanto, que aquilo que se convencionou designar de separação de

poderes constitui, em verdade, uma forma figurativa de explicar o poder como a distribuição

de determinadas funções a diferentes órgãos do Estado.

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E o Poder Judiciário exerce a função que lhe atribuiu a Constituição como uma

emanação da própria autoridade estatal soberana, impondo-se por si própria,

independentemente da manifestação de vontade das partes, que nenhum poder possuem para

fugir à irradiação dos efeitos da decisão a que estão sujeitos. A imperatividade que caracteriza

a jurisdição, portanto, representa uma manifestação de poder, ou uma condição natural de sua

própria existência.

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Essa característica é pressuposta desde que se aceite que a autotutela, enquanto

atividade vedada, não admite qualquer racionalidade na pacificação harmoniosa de

determinado corpo social. Como o Estado, por imperativos constitucionais, promete ao

cidadão um instrumento legítimo de resolução de conflitos, a possibilidade infinita de

rediscussão das imposições judiciais nada mais exprimiria que uma ausência de autoridade e,

por consequência, de poder estatal.

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Uma decisão proferida por juiz regularmente investido que fosse suscetível de

constantes ataques, quando já esgotados os meios legais de impugnação, pouca autoridade

teria, e certamente a ela não se poderia atribuir a natureza de ato reflexo de soberania estatal.

Como menciona Luiz Guilherme Marinoni, um poder que pudesse eternamente rever a sua

interpretação seria uma gritante aberração diante da teoria política, uma vez que o poder, para

se firmar institucionalmente, deve inspirar confiança de que suas decisões, em algum

momento, serão dotadas de estabilidade.

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Tal se impõe, ainda com maior influxo, quando se tem estabelecido que no Estado

Constitucional não basta que o Poder Judiciário responda à demanda formulada pelo autor,

senão que o faça em bases tempestivas. O menoscabo à autoridade da coisa julgada, deste

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LOEWENSTEIN, Karl. Teoria de la Constitución. Trad. Alfredo GAllego Anabitarte. 2. ed. Barcelona: Ariel, 1970, p. 55.

835 Bem por isso advertiu Herbert Hart: “As disputas sobre se uma regra admitida foi ou não violada ocorrerão

sempre e continuarão interminavelmente em qualquer sociedade, excepto nas mais pequenas, se não houver uma instância especialmente dotada de poder para determinar, de forma definitiva e com autoridade, o fato da violação”. (O conceito de direito. 2. ed. Trad. A. Ribeiro Mendes. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1996, p. 103).

836 Segundo Luiz Guilherme Marinoni: “Caso os conflitos, uma vez resolvidos, pudessem ser rediscutidos, ou se

a solução do juiz pudesse ser negada, de nada adiantaria a jurisdição, de modo que a decisão jurisdicional, além de resolver os conflitos, deve se impor, tornando-se imutável e indiscutível. Realmente, a decisão produzida no processo estatal não é definitiva apenas por ter de pôr fim a uma discussão e impedir a reabertura de um litígio, mas sim por constituir a afirmação do poder estatal. Apenas uma decisão dotada de autoridade é capaz de pôr fim a um litígio”. (Coisa julgada inconstitucional. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 59-60).

modo, impõe o estabelecimento de um estado de coisas inconstitucional quando não assegura

aos cidadãos a promessa de prestação jurídica dotada de efetividade.

4.2.4 A coisa julgada como corolário do direito fundamental à tutela jurídica justa e