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A contribuição de Augusto Cerino Canova – o conteúdo da demanda como situação

2.2.2 A identificação da demanda segundo a teoria da ação

2.2.2.2 A doutrina pós Chiovenda

2.2.2.2.3 A contribuição de Augusto Cerino Canova – o conteúdo da demanda como situação

O exame acerca do conteúdo da demanda contou, também, com o apoio dogmático

precioso de Augusto Cerino Canova, tido por importante segmento da doutrina como o autor

do mais complexo e importante trabalho acadêmico sobre o assunto (La domanda giudiciale

ed il suo contenuto).

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Nessa obra, o processualista italiano sugere a existência de três critérios ao intento de

caracterizar toda e qualquer demanda judicial: um deles, de viés subjetivo, propõe a

identificação por meio dos sujeitos. Outros dois, de orientação objetiva, propõem-se a

471 La modificazione della domanda. Milano: Giuffrè, 1958, p. 69. 472

Disse Gianozzi a esse respeito: “Errore nell’enunciare il petitum, può voler dire errore nel qualificare l’azione senza possibilità di remedio. Nè può voler dire ripararvi – per analoga ragione – il principio iura novit cúria. La interpretazione errata dell’azione induce infondatezza di domanda, incide sulla sussistenza del diritto fatto valere. Chi dopo aver agito per nullità trasformi la domanda in quella di simulazione, sostituisce (...) una azione ad un altra: qui l’errore tecnico, la interpretazione giuridica dei fatti, è irremediabile”. (ibid., p. 69-70).

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Como ressalta José Rogério Cruz e Tucci: “Cerino Canova, possivelmente no mais importante e completo tratado sobre o conteúdo da demanda judicial, após investigar a vasta literatura italiana e alienígena e os respectivos posicionamento a respeito, procura traçar, de modo original, vários ‘critérios para distinguir as demandas judiciais’”. (A causa petendi no processo civil. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 116-117).

caracterizá-las (a) segundo o conteúdo do direito deduzido, ou (b) pela indicação do fato

constitutivo.

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Aos critérios de caráter objetivo, cuja demanda “richiede l’indicazione del diritto per

cui si invoca la tutela, ossia la posizione giuridicamente riconosciuta ad un soggetto in ordine

ad um bene della vita”

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, funcionaria como traço distintivo à compreensão de que as ações

ora veiculam direitos que, pelo seu conteúdo, só podem substituir uma única vez entre as

mesmas partes, ora tratam de direitos em que essa contingência não se faz premente.

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Às primeiras, diz Canova, a caracterização ocorreria pela indicação do diritto

sostanziale fatto valere nel processo, isto é, pela indicação do próprio conteúdo do direito

invocado, revelando-se de nenhuma valia a indicação do título de sua aquisição.

477

Nesta

categoria estariam incluídos, além do direito de propriedade, outros tantos, como o direitos de

superfície, usufruto, servidão, bem como os relativos ao status de família e os direitos de

personalidade.

478

A essas demandas, nominadas de “autodeterminadas”, seria reconhecida uma

pressuposta unicidade da situação substancial.

479

Bem por isso, seriam elas identificáveis pelo

próprio conteúdo do direito que expressam, o qual, em si mesmo, assumiria, potencialmente,

todos os títulos hábeis e suficientes para agasalhar a pretensão afirmada. Como consequência,

a improcedência da demanda impediria que o autor voltasse a juízo a requer o reconhecimento

do mesmo direito, agora alegando causa diversa.

A singularidade maior de sua obra, no entanto, viria a residir no tratamento que

dispensaria a uma específica demanda envolvendo direito relativo. Ao fazer uma analogia aos

direitos reais de gozo, Canova incluiu na mesma categoria as demandas relativas a direitos

obrigacionais relativos a uma obrigação específica que, também por sua natureza, non

possono coesistere simultaneamente più volte tra gli stessi soggetti. Sujeitar-se-iam a esse

474 CANOVA, Augusto Cerino. La domanda giudiziale ed il suo contenuto. Torino: UTET, 1980, p. 172. 475

Ibid., p. 173.

476 Como reconhece o próprio Canova, essa idealização não constituiu, propriamente, uma cogitação

autenticamente particular, mas a releitura de uma antiga construção romana, levada a cabo a partir de fragmentos do Digesto, que já àquele tempo estabelecia distinção entre demandas autodeterminadas e heterodeterminadas. (ibid., p. 176).

477

Ibid., p. 177.

478 Neste sentido, José Rogério Cruz e Tucci. (A causa petendi no processo civil. 2. ed. rev., atual. e ampl. São

Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 117-118).

479

“L’indivizuazione del diritto, e della domanda, attraverso il contenuto ed i soggetti si giustifica appunto com l’unicità ed irrepetibilità della medesima situazione sostanziale”. (CANOVA, op. cit., p. 177).

regime, pois, as obrigações que envolvessem a entrega de um determinado bem, ou a

prestação de um específico fazer.

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Seu pensamento, portanto, não atribuía aos fatos jurídicos papel protagonista na

identificação da demanda, tampouco vislumbrava na alteração desses fatos causa hábil à

modificação da ação, levando a teoria da individuação às suas últimas consequências.

Com efeito, mesmo reconhecendo a existência de ações envolvendo direitos que

poderiam subsistir, simultaneamente, mais de uma vez entre as mesmas partes – nominadas de

heterodeterminadas –, e que assim demandariam além da identificação dos sujeitos e do

conteúdo do direito, a explicação do fatto generatore que fundamentava a pretensão deduzida,

ainda assim Cerino Canova atribuía-lhe uma natureza singelamente instrumental, preordenado

apenas a indicar o direito feito valer em juízo.

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Demais disso, esse fatos haveriam de estar em concatenação aos eventos históricos

que o ligassem à fattispecie que sustentava o efeito jurídico pretendido. A despeito de admitir

que o paradigma normativo descrito pelo autor não tinha aptidão de vincular o juiz, porque

seu papel corretivo poderia sempre incidir na descrição do direito puro, não negava o autor –

ao contrário, o reconhecia – ser o direito substancial feito valer, in status assertionis, o real

conteúdo da demanda, afinal, é il diritto e non i fatti, poichè né il principio della domanda né

quello del contraddittorio né il giudicato in relazione al motivo inducono acogliere una

conclusione diferente.

2.2.2.2.4 A concorrência dos fatos e do direito para a determinação do conteúdo da demanda