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3. A CAUSA DE PEDIR NO DIREITO PROCESSUAL BRASILEIRO

3.3 AS TEORIAS QUE PRETENDEM EXPLICAR A CAUSA DE PEDIR

3.3.2 A teoria da substanciação: a alegada importância exclusiva dos fatos

Em oposição à individuação, é corrente a narrativa de que a teoria da substanciação

daria relevância exclusiva aos fatos para a identificação da causa de pedir, e que, a partir

dessa premissa, a alteração daqueles elementos importaria na alteração da própria demanda.

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Se essas considerações não constituem, evidentemente, um equívoco, por certo necessitam ser

mais bem desenvolvidas.

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Como se afirmou anteriormente, amparado na crítica sagaz de Heinitz, o problema real

da teoria da substanciação menos teria a ver com a questão metajurídica do que, em realidade,

com a noção que essa concepção destinaria ao conceito de “fato jurídico”.

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Uma vez que

reconhecida – a partir da fundação do Estado Constitucional – a importância da aproximação

do Direito material ao processo, não parece apropriado dedicar-lhe um conteúdo estritamente

vinculado ao pedido formulado pelo autor.

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Como visto, a relevância dos fatos, ainda que mais restrita, é verdade, não era negada

tampouco pelos adeptos da individuação. Como diz Heinitz, a substanciação fez-se distanciar

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Como afirma: “Questa è la differenza essenziale fra le due teorie, e non tanto la diversa valutazione degli elementi di fato e di diritto, dal momento che anche la teoria della individuazione sostiene irrilivante il puro ‘punto di vista giuridico’ e attribuisce importanza nella maggior parte dei casi al fato constitutivo”. (I limiti oggettivi della cosa giudicata. Padova: Cedam, 1937, p. 154).

661 SÁ, Renato Montans. Eficácia preclusiva da coisa julgada. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 82.

662 Disso bem se apercebeu Araken de Assis quando, criticando concepção de Schönke – sequaz da

substanciação – afirmou que neste pensamento “(...) se constata notável confusão entre os planos material de processual, facilmente superável, a qual, decerto, em nada favorece o esclarecimento dos efeitos da teoria da substanciação no juízo cumulativo”. (Cumulação de ações. 4. ed., rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 138).

663 Daí a lúcida percepção de José Joaquim Calmon de Passos que, reconhecendo a importância dessa repreta

abstração, vincula-a a uma determinada relação jurídica da qual são esperadas consequências jurídicas (Comentários ao Código de Processo Civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1979, p. 218).

664 Temos por correta, desta forma, a assertiva de José Maria Rosa Tesheiner quando argumenta que “(...) a

afirmativa de que a causa de pedir consiste nos fatos jurídicos invocados pelo autor como fundamento de seu pedido não é inteiramente precisa”. (Eficácia da sentença e coisa julgada no processo civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 47).

demasiadamente das formas jurídicas presentes no plano substancial, de modo que, segundo

uma pressuposta compreensão que lhe é inerente, permanecendo inalterados o pedido e a

narração fática deduzida pelo autor, as variadas composições jurídicas materiais daí

decorrentes guardariam uma total indiferença em relação ao seu componente unitário.

Disso decorre, em grande medida, a erronia em se admitir como natural o poder quase

ilimitada do juiz de alterar, a partir da qualificação jurídica dos fatos articulados na causa, a

própria demanda formulada, como se as máximas do iura novit curia e do da mihi factum,

dabo tibi jus tivessem um componente quase mágico de nulificar o rapporto giuridico que

esses fatos representariam na visão autor.

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Uma vez que a qualificação jurídica de um fato à luz de uma fattispecie não significa

reduzir o fenômeno àquilo que se designa de “nomenclatura da ação”, bem se pode

compreender o risco que essa intepretação pode acarretar à segurança jurídica. Para Mauro

Cappelletti, se os fatos reclamam importância para caracterização da causa de pedir, mais

relevância teria, ainda, seu componente jurídico a torná-lo, portanto, um “fato jurídico”. E

essa conclusão, segundo o jurista italiano, tinha pleno trânsito no pensamento tanto dos

adeptos da individuação quanto nos da substanciação.

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Segundo afirma Heinitz, o ponto central da tese defendida repousa em um sentido

diverso que essa teoria destina ao conceito de “fato jurídico”, uma realidade que não é negada

pelos prosélitos da individuação. A questão, contudo, demandaria ciência a respeito de quais

alegações de fato e de direito o autor precisaria expor na demanda e, por outro lado, quais

poderes teria o juiz para alterar a motivação jurídica.

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A parti daí, duas orientações poderiam ser originadas a respeito da compreensão do

conceito fato jurídico enquanto elemento originário de um direito feito valer pela ação: uma

que o identificava aos fatos narrados e afirmados como aptos ao acolhimento da pretensão

665 HEINITZ, Ernesto. I limiti oggettivi della cosa giudicata. Padova: Cedam, 1937, p. 161.

666 “Sembra sicuro che persino per chi rifiutando la ‘teoria della sostanzianione’ accetti invece la

‘Individualisierungstheorie’, l’allegazione dei fatti giuridici costituisce um elemento essenziale della domanda giudiziale”. (La testimonianza della parte nel sistema dell’oralità. Tomo 1. Milano: Giuffrè, 1962, p. 329).

667 Segundo Heinitz, “(...) a questa domanda responde la vecchia massima ‘da mihi factum, dabo tibi ius’. Questa

proposizione, se è esatta nell’imporre al giudice il dovere di valutare la pretesa fatta valere sotto ogni possibile punto di vista giuridico, tuttavia non determina suficientemente i doveri dell’atorre. Non basta che egli alleghi certi fatti, lasciando al giudice di trarne le conclusioni del caso, ma egli deve da sè formulare queste conclusioni e determinare che cosa egli pretenda quale conseguenza giuridica dei fatti allegati. Ele deve quidi fare una domanda concreta, e la questione è se sai necessária anche l’indicazione di un certo rapporto giuridico. Basta che l’attore in base a certe trattative internenute fra lui ed il convenuto chieda il pagamento di mille lire, o bisogna che egli le chieda quale credito derivante dal contrato, quale arricchimento indebito, ecc?” (op. cit., p. 145).

deduzida, e outra que, pelo contrário, atrelava-o à noção de “estado” ou de “relação

jurídica”.

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Para a substanciação, assim, à completa determinação da causa de pedir bastava a

alegação dos fatos e a dedução, a partir deles, do pedido, permitindo-se ao juiz examinar a sua

procedência sem necessidade de verificar qual o direito substancial o autor havia deduzido.

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Posta a questão da causa de pedir, assim, em termos absolutamente novos,

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que certamente

se apartaram daquela concepção que inspirara a doutrina alemã, seria mais que natural

imaginar-se a relação material apenas como mera motivação, e não como causa de sua

determinação.

Por conclusão, não é difícil perceber por que, então, a qualificação jurídica da relação

material da qual decorria uma específica pretensão não passava, para os adeptos da

substanciação, de um mero ponto de vista, que por não assumir relevância para a

determinação da demanda poderia livremente ser manuseada pelo juiz. Deste modo, esse

componente nuclear ficava a cargo dos fatos constitutivos que, não alcançados pelo desígnio

purificador do juiz, erigia-se como elemento central a justificar a alteração da demanda.

Ver-se-á, a seguir, que essa conclusão, insuficiente quando aplicada isoladamente,

representa apenas uma face da realidade nuclear da ação.

3.3.3 A superação da desavença: a indissociabilidade das questões fáticas das questões