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A construção da temporalidade nos relatos oral e escritos

No documento – PósGraduação em Letras Neolatinas (páginas 128-132)

CAPÍTULO 5 – Resultados

5.1. A construção da temporalidade nos relatos oral e escritos

Para a construção da temporalidade nos textos oral e escritos os narradores utilizaram como recursos distintos lexemas. Contribuindo com a constituição da temporalidade, o uso de termos que estabelecessem relações dêiticas ocorreram especialmente no relato oral, já que este resultara de fala espontânea. Isso se configurou sobretudo porque, sendo produzido em interação com os demais alunos em sala de aula e, sendo todos conhecedores do ambiente fronteiriço onde ocorreram os fatos relatados, o narrador recorreu a esses recursos para construir a temporalidade do relato e garantir a progressão temática. Vimos que os interlocutores responderam as expectativas do narrador ao confirmarem que conheciam alguns lugares importantes para a sequência dos fatos (estrada/entrada de Santo Antônio, aduana/posto fiscal venezuelano), pois ao reescrevem a narrativa oral, percebemos que essas referências temporais ocorrem como sendo lexemas de sentido compartilhado por todos os narradores.

Contudo foram os lexemas linguísticos expressos que mais contribuíram para a construção da temporalidade em todos os relatos, e o verbo consolidou se caráter de “palavra temporal” por excelência em todas as sequências narrativas analisadas. Quanto aos tempos verbais, o pretérito e suas variações simples e compostas predominou como tempo de base nos relatos. Além da predominância do pretérito, os demais tempos ocorreram organizadamente de forma coesa figurando em todas as sequências narrativas, seja na interação, na descrição dos eventos, nas ações propriamente ditas ou nos diálogos. Visualizamos as assertivas acima apresentando quadros que demonstram em percentuais as ocorrências dos tempos verbais. Os resultados mais detalhados podem ser conferidos nos anexos desta dissertação.

Narrativa ORAL

Narrativa PRETÉRITO Outro tempos

NO-01 33,87% 66,12%

Narrativas ESCRITAS

Narrativas verbais de Formas

PRETÉRITO Outros tempos verbais NE-01 60,97% 39,02% NE-02 55,81% 44,18% NE-03 84,61% 15,38% NE-04 73,78% 26,31% NE-05 96,96% 3,03% NE-06 92,30% 7,69% NE-07 85,71% 14,28% NE-08 95,00% 5,00% NE-09 65,21% 34,78% NE-10 40,00% 60,00% NE-11 86,66% 13,33%

A predominância do pretérito não se manifestou somente pelas formas sintéticas do perfeito, imperfeito e mais-que-perfeito, mas encontramos lexemas verbais do presente exercendo essa função. Segundo Perini (2010) inúmeras pesquisas apontam que os tempos verbais do presente não representam somente eventos pontuais, ou seja, não marcam apenas o momento da enunciação, pois é comum no português brasileiro o presente ser usado também para expressar eventos no passado. Esse uso seria muito comum em narrativas, principalmente quando o narrador quer dar um caráter mais vivo aos fatos.

As perífrases verbais50 representam os chamados tempos compostos e

formam-se a partir de um verbo auxiliar mais uma forma no infinitivo, gerúndio ou particípio passado. Apesar das discussões teóricas concernentes a que relação temporal podem expressar (CASTILHO, 2010; PERINI, 2010), identificamos essas estruturas em todas as sequências textuais e em 100% dos relatos escritos, onde figuraram contribuindo para a construção da temporalidade, expressando tanto noções de presente, quanto de passado e de futuro.

As perífrases formadas com o gerúndio são comumente consideradas pelas gramáticas normativas como formas usadas para expressar o presente contínuo ou

50 Muitos autores tratam as estruturas verbais compostas como locução verbal, perífrase verbal, formas analíticas, entre outros termos. Neste trabalho adotamos perífrase verbal.

progressivo – mais especificamente, para “exprimir um evento visto como simultâneo ao momento da fala” (PERINI, 2010, p.223). Mas as narrativas escritas que analisamos foram produzidas posteriormente ao momento da enunciação, contudo, dos 11 (onze) textos, essas perífrases ocorreram em 08 (oito) textos, equivalendo a 72%, sendo 07 (mais de 63%) ocorrências apenas nas sequências de ação. Por figurarem como estruturas de fundo das narrativas (CASTILHO, 2010), podem indicar o aspecto imperfectivo cursivo (uma ação retratada em curso sem referência às fases iniciais ou finais de eventos que duraram no passado), sobretudo porque esse aspecto verbal é uma característica das formas imperfeitas, principalmente do indicativo. Foi o que observamos nesses textos e, já que os auxiliares estão no pretérito imperfeito, temos então formas temporais do pretérito mais que perfeito composto. Observamos que a ocorrência dessas estruturas contribuiu para a predominância do tempo passado nas narrativas.

A identificação da função temporal da perífrase formada com gerúndio permitiu-nos comprovar uma das conclusões dos estudos de Castilho (2010) sobre essa formação, a de que é comum a predominância do verbo estar como auxiliar nessas estruturas: do total de dez ocorrências, 50% são com o verbo estar, e as demais apresentam verbos diferentes. Temos como exemplos, estavam chegando (NE-04); vinham trazendo (NE-05), estavam indo (NE-06), saiu correndo (NE-07), estava acontecendo (NE-09), estava contrabandeando / vão chegando (NE-10) e estavam chegando / saiu correndo / estava acontecendo (NE-11). Sendo essa estrutura largamente empregada na linguagem cotidiana, notamos a transferência para os textos escritos (Conf. Anexo 06).

As perífrases formadas com os particípios verbais podem expressar noções temporais de passado, presente ou futuro. No caso do passado temos os perfeito compostos, os quais podem exibir traços aspectuais, como a indicação de eventos que começaram no passado e continuam sem interrupção no presente. Nas narrativas escritas não encontramos nenhuma ocorrência dessas estruturas. Mas as perífrases de particípio formadas com o verbo auxiliar no pretérito imperfeito (estruturas que se referem a eventos situados no passado e anteriores a outros eventos também no passado) encontramos em dois textos, em NE-02 ocorre duas vezes a estrutura havia ocorrido na sequência de ação, e em NE-08, na sequência

de diálogo, observamos a estrutura tinha acabado. Esta forma substitui no uso cotidiano da língua a forma pretérito-mais-que-perfeito simples. Outras ocorrências de perífrases formadas com o particípio verbal com o auxiliar no presente ocorreram em mais de 63% dos textos, e desses, quase 50% ocorrem nas sequências descritivas, o que caracteriza que a temporalidade presente figura nos relatos com função secundária, em relação as referências de tempo passado.

Estudos apresentados por Castilho (2010) apontam que a perífrase formada com infinitivo pode expressar tempo (vou falar) e modo (posso falar). Nos relatos escritos pudemos analisar que, além do modo, foram usadas muitas formas para construir a temporalidade. Dos textos em análise, 72% das ocorrências são estruturas que presentam o pretérito perfeito (auxiliar no pretérito perfeito mais o infinitivo), e desse total, 54% (onze vezes) ocorrem nas sequências descritivas e 18% nas sequências de ação. A perífrase de infinitivo expressa noção de futuridade (formas do futuro composto) em 45% dos textos, sendo a predominância nas sequência de diálogo (37%), seguido das sequências de ação com 31% e nas sequências descritivas temos 18% das ocorrências.

A perífrase de infinitivo expressando o futuro do pretérito ou condicional ocorre nos relatos na indicação de ações que, mesmo que sinalize a noção de futuro, aconteceriam dependendo de ações passadas. Ocorre em 54% dos textos. Com essas estruturas observamos a alternância de formas equivalentes: temos iria deportálos [sic] (NE-03), iria fazer compras, iria comprar e iriam pagar mais

barato (NE-04) e iria deporta os meninos (NE-05), que alternam-se com não queria nem saber, só queria chegar (...), nisto que o taxista abria o porta mala para pegar a gasolina (...), O tenente queria deportar nos 3 (...) e enquanto os outros só

sabiam chingar (NE-01); que eles iam ser deportados (...) e a única saída era darem o dinheiro (NE-07); e Quando ia colocar o combustível no tanque (NE-08). Em NE-07 a estrutura iam ser deportados expressa uma futuridade dentro do passado. Isso pode demonstrar que...

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